Christian Frederico da Cunha Bundt*
A história não é nova. Seja para o próprio etanol ou para outros produtos. A aludida ‘guerra’ comercial entre Brasil e Estados Unidos em função do comércio bilateral de etanol, na verdade é uma das batalhas, na grande ‘guerra’ do comércio internacional. São muitos interesses particulares, de segmentos econômicos e de governos colocados todos na mesma conta, tendo como tempero as questões ambientais. Todos têm a perder e a ganhar se a receita não for bem montada.
No capítulo atual, temperado pelo modelo Trump de governar (America First), qualquer pé de galinha pode virar sopa. É o que está acontecendo com o caso do etanol. Não é de hoje que as importações brasileiras de etanol (quase todo americano) crescem.
Os números são impressionantes. Em 2017, se não houver alterações na política de comércio exterior atual (em ambos os países), o volume importado deve chegar a ser o dobro de 2016. E as importações não são sem motivo, já que o etanol brasileiro é feito de cana de açúcar, produto concorrente do etanol na usina.
O valor da tonelada do açúcar no mercado internacional está, em média, 35% maior se comparado a 2015. Por consequência, as usinas nacionais vão direcionar esforços para o açúcar e não para o etanol, em função da lucratividade. Ou seja, a oferta de etanol é menor do que poderia ser. Vale lembrar da importância do preço do câmbio nesta situação.
Outro ponto que mexe com o mercado interno de etanol é a permanente variação para cima nos preços da gasolina (combustível concorrente). O etanol, além de ser parte do combustível ‘gasolina’, pois é misturado a ela, também é a alternativa para os motoristas de carros que podem usar os dois combustíveis. Ou seja, decorre do aumento no consumo de etanol.
Adicionalmente estão os compromissos internacionais, estampados no recente acordo de Paris, polemizado por Donald Trump, durante a COP-21, na França. O Brasil se comprometeu a elevar a participação de biocombustíveis na matriz energética dos atuais 6% para 18% até 2030, sendo o aumento da oferta de etanol um dos meios.
Essa mistura (açúcar, gasolina, câmbio e compromissos ambientais) apontam que o consumo de etanol no Brasil tende a aumentar. E hoje ele está, em parte significativa, dependente dos Estados Unidos, o grande fornecedor externo de etanol para o Brasil.
A notícia boa é que o Brasil tem capacidade de produzir praticamente todo o etanol de que precisa. A ruim é que o açúcar anda com bons preços no mercado internacional e a única alternativa de importação com capacidade de nos atender são os americanos.
De olho nesta situação, o governo federal brasileiro lançou recentemente o RenovaBio, um programa criado pelo Ministério de Minas e Energia no final de 2016 e lançado em 2017, cujo objetivo é expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social e compatível com o crescimento do mercado. É um programa alinhado aos compromissos da COP-21.
O RenovaBio ainda não está em vigor, pois depende de normatização oficial. Porém, uma anotação importante é a inspiração do RenovaBio: justamente o programa que alavancou a indústria de etanol de milho nos EUA e a tornou a maior do mundo no segmento. Mais uma vez a letargia governista coloca a perigo as contas nacionais.
Na outra ponta está a exportação brasileira de etanol para os Estados Unidos, hoje questionada e ameaçada pelo governo America First. A sobretaxa da importação do etanol brasileiro para os americanos já não é novidade. Essa foi a base para o forte alicerçamento da indústria de etanol de milho dos Estados Unidos.
Foi esse protecionismo e estímulo aos produtores que permitiu que a indústria americana de etanol se tornasse a maior do mundo. Em 2012 e 2014 ela foi bastante presente. Hoje o segmento é bastante forte na economia americana e influencia políticas e ações do governo.
Pode-se aludir que o setor vê as importações do etanol brasileiro com ressalvas, mas também se preocupa se o governo brasileiro taxar as importações do etanol americano, já que vende quatro vezes mais biocombustível ao Brasil do que os americanos importam daqui. Então, o setor não deve fazer pressão no seu governo pela sobretaxa e, provavelmente, posicione-se contra ela.
O governo brasileiro já ‘retaliou’ a ameaça do governo americano, propagandeando que fará uso das mesmas burocracias e taxas para o etanol americano, no Brasil, que venham a ser utilizadas para o etanol brasileiro nos Estados Unidos.
Vale ressaltar ainda que as questões ambientais relacionadas à matriz energética não devem ganhar importância do governo americano, levando em consideração as demonstrações de que não está tão preocupado com os meios tradicionais de tratar as questões climáticas – aspecto bem retratado na não participação do Acordo de Paris.
Também foi anunciada recentemente a redução nas metas para uso de biocombustíveis em 2018. E um dos mais afetados é justamente o etanol de cana de açúcar.
Observando todas essas variáveis, acredito que o governo Trump não irá taxar o etanol brasileiro. Outro ponto que reforça a posição é ver os fundos de hedge e outros agentes comerciais elevarem as apostas na cana de açúcar e não no milho. Vale ressaltar que as bolsas sempre são boas sinalizadoras do rumo da economia.
Por fim, cabe ressaltar que o governo brasileiro, apesar de estar em posição mais confortável na disputa, precisa refletir bastante antes da imposição de taxas e cotas ao etanol americano, como as associações brasileiras do segmento sucroalcooleiro pedem, pois Donald Trump é vingativo e pode surpreender.
*Christian Frederico da Cunha Bundt é administrador,
pesquisador II da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR)
e membro do Comitê Macroeconômico do ISAE – Escola de Negócios.
Fonte: Canal Bioenergia