Apesar da melhora nas condições climáticas nos últimos dias, a severa estiagem e o forte calor que castigaram o Rio Grande do Sul em dezembro e em parte de janeiro deixarão um rastro de pesados prejuízos para os agricultores gaúchos e deverão ter impacto negativo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) estadual até o segundo trimestre.
Representantes de entidades do setor estimam frustrações entre 10% e 40% nas expectativas para as safras de soja, milho, fumo e uva e para a produção de leite neste mês, o que representa perdas de R$ 4.4 bilhões a R$ 7.5 bilhões no campo, considerando os volumes que deixarão de ser colhidos e os preços médios dos produtos no estado.
“O impacto foi severíssimo para muitos produtores”, disse o secretário-adjunto da Agricultura do estado, Luiz Fernando Rodriguez. Ele explica que não tem como fazer projeções mais precisas sobre o estrago, diz que não pretende ser “alarmista” e fala em queda “abaixo de dois dígitos” para toda a produção agrícola de verão.
Mesmo assim, reconhece que as lavouras de milho foram “tremendamente atingidas” e que houve queda de produtividade importante na produção leiteira. No entanto, ele espera que a soja ainda recupere parte da produção perdida. Além disso, até a última quarta-feira, 81 municípios gaúchos já haviam decretado situação de emergência.
Segundo o secretário-adjunto, ainda é difícil fazer uma previsão mais aproximada dos efeitos da estiagem porque a intensidade do fenômeno variou muito de região para região, com maior déficit hídrico no centro, sul e leste e menor no oeste e norte.
Rodriguez informou que, para atenuar o problema dos agricultores, o governo estadual vai antecipar, de maio para março, a liberação de recursos para a compra subsidiada de sementes de pastagens de inverno e, em fevereiro, vai lançar um programa de financiamento para dobrar, nos próximos anos, a área de milho irrigado, que corresponde atualmente a apenas 17% das lavouras do grão.
Para o pesquisador do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento do estado, Rodrigo Feix, os problemas no setor deverão prejudicar o PIB estadual até o segundo trimestre porque a colheita de soja vai até abril.
Segundo ele, a agropecuária responde por 9% a 10% do Valor Adicionado Bruto (VAB) que compõe o produto gaúcho, mas a participação chega a um terço quando se leva em conta os setores vinculados como máquinas, equipamentos, alimentos e transportes.
“Por isso, se os prejuízos se confirmarem, eles devem fazer com que o desempenho geral da economia local fique abaixo da nacional na primeira metade do ano, já que a região Sul foi a mais atingida pela escassez de chuva”, disse Feix.
Segundo o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (FecoAgro-RS), Paulo Pires, um levantamento feito pela entidade na primeira semana de janeiro indicou uma quebra de 33% na produção de milho em comparação com a estimativa inicial da Emater-RS, vinculada à Secretaria da Agricultura, que era de 5.9 milhões de toneladas.
Pires afirmou que o percentual final deve ficar entre 30% e 35%, o que significaria uma colheita entre 3.8 milhões e 4.1 milhões de toneladas até o fim do ciclo, em março, inferior também às quase 5.8 milhões de toneladas colhidas na safra passada, conforme a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab).
Na soja, o presidente da FecoAgro-RS entende que o número final pode oscilar entre 10% e 13% a menos do que a estimativa inicial da Emater-RS, de 19.7 milhões de toneladas. “As perdas não são lineares e variam de 5% a 60% dependendo da região”, explicou o pesquisador.
Se a previsão da FecoAgro-RS se confirmar, a safra da oleaginosa ficaria entre 17.1 milhões e 17.7 milhões de toneladas, igualmente abaixo das 19.2 milhões de toneladas produzidas em 2018/19, segundo a Conab.
Para o vice-presidente da Federação da Agricultura do estado (Farsul), Elmar Konrad, o prejuízo na safra de milho deve ficar entre 30% e 40%, enquanto a soja deve perder cerca de 20%, com ampla variação entre as distintas regiões. “A deficiência hídrica foi muito diferente até entre áreas do mesmo município”, disse Konrad.
“E, antes da estiagem, a oleaginosa sofreu com o excesso de chuva em outubro, o que provocou o aparecimento de fungos e a morte de plantas exigiu o replantio de algumas lavouras”, acrescentou o dirigente. O Rio Grande do Sul é o terceiro principal estado produtor de soja do país e o quinto de milho.
Considerando os preços médios da penúltima semana de janeiro e as estimativas de frustração na produção feitas pelo presidente da FecoAgro-RS e pelo vice-presidente da Farsul, os agricultores gaúchos deixariam de embolsar entre R$ 2.6 bilhões e R$ 5.2 bilhões somente com a soja. Com o milho, o faturamento perdido com a seca oscilaria entre R$ 1.2 bilhão e R$ 1.6 bilhão.
A produção gaúcha de fumo também deverá diminuir 13% em relação à estimativa inicial, para 233.900 toneladas, prevê o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Benício Werner. O estado é o maior produtor de tabaco do País, à frente de Santa Catarina e do Paraná.
“Das 35.800 toneladas que deverão ser colhidas a menos até o fim de fevereiro, 92% são da variedade Virgínia, que rende em média R$ 9,06 por quilo ao fumicultor”, disse o dirigente da associação. O restante refere-se à variedade Burley, com preço médio de R$ 8,17. A perda acumulada, portanto, seria de pouco mais de R$ 320 milhões.
Já os parreirais do estado deverão produzir 20% a 30% menos de uvas comuns e viníferas em comparação com uma safra “normal” de 650.000 toneladas, calcula o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha, Olir Schiavenin, integrante do Comitê Interestadual da Uva, que reúne representantes das regiões vitícolas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Com isso, a quebra na colheita que vai até março pode oscilar entre 130.000 e 195.000 toneladas, o que representaria R$ 169 milhões a R$ 253.5 milhões a menos em renda para os produtores de uva.
No caso da produção leiteira, a queda poderá chegar a 20% em janeiro em função do estresse dos animais provocado pelo forte calor, da redução da oferta de pastagem e da baixa qualidade da silagem de milho, também comprometida pela estiagem, explicou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva.
Segundo ele, em alguns municípios, a quebra deve chegar a 40%, e como o estado produz em média 12 milhões de litros por dia, a perda total chegaria a 72 milhões de litros no mês se a projeção da entidade se confirmar, com prejuízo de pouco mais de R$ 90 milhões para os produtores somente em janeiro. O Rio Grande do Sul é o segundo maior estado produtor de leite.
Valor Econômico