Especialistas defendem mudanças na Embrapa para novo círculo virtuoso

No final de maio, começa no Cerrado de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal a ceifa do trigo. O plantio ocorre entre o final de fevereiro e começo de março. O período de cultivo é chamado pelos agricultores de safrinha e ocorre após a colheita de outras culturas, especialmente soja.

Este ano, serão colhidas 290.000 toneladas de trigo nas três unidades da federação – 4.000 toneladas a mais do que em 2018, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O volume equivale a 5% da safra de trigo a ser colhida no Brasil em 2019.

O dado, no entanto, subestima um feito: o país passou a produzir trigo em uma área inimaginável no passado recente, com solo e clima diferentes dos de regiões de cultivo tradicional, como o Paraná (principal produtor nacional) ou a Argentina (principal fornecedora estrangeira).

O trigo ceifado no Cerrado tem vantagens comparativas. “A colheita é feita quando não chove. Não cai o glúten do grão. Aí você tem um trigo melhorado, o trigo pão, que resulta em uma farinha de qualidade superior”, detalha Luiz Fiorese, produtor rural em Formosa (GO) e um dos fornecedores da semente de trigo (do tipo sequeiro), registrada como cultivar BRS 404.

A semente que o produtor Fiorese comercializa foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que, na última sexta-feira (26/4), completou 46 anos de criação.

A produção do trigo no Cerrado ilustra a associação recorrente na agricultura brasileira entre a iniciativa privada e a empresa estatal. “É uma parceria de transferência da tecnologia. Nós preparamos o solo, mas o conhecimento temos de adquirir”, disse Fiorese à Agência Brasil.

Nação agrícola

Os arranjos produtivos desencadeados a partir da inovação tecnológica contribuíram para que o país se tornasse um dos maiores produtores de alimentos do mundo. “Somos a maior nação agrícola do planeta, e a Embrapa está inserida neste processo”, afirmou o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Marcos Montes, durante a comemoração do aniversário da empresa ocorrida esta semana.

O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Celso Luiz Moretti, concorda. Segundo ele, a empresa “ajudou o Brasil a ser o único país do mundo no cinturão tropical a produzir alimentos para abastecer sete vezes a sua população”. “O país alimenta, com o que produz de frutas, grãos e hortaliças, carne, leite e ovos, entre outros produtos, 1.5 bilhão de pessoas”, disse.

Em 2019, o país deverá produzir 235.3 milhões de toneladas de grãos. Desde que a estatal surgiu, em 1973, a produção cresceu cinco vezes, sendo que a de trigo aumentou em 240%.

Em 46 anos, outras produções tiveram destaque, como as de arroz (alta de 315%) e de café (140%), assim como o extrativismo vegetal. No período, o Brasil se tornou o maior produtor de proteína animal do mundo, o rebanho bovino dobrou de tamanho e a produção de carne de frango cresceu 59 vezes.

O patamar que o Brasil assumiu na produção de alimentos e o lugar que ocupa na economia mundial das commodities são fatores em consideração na política agrícola e na inovação tecnológica do setor, segundo o presidente da Embrapa, Sebastião Barbosa. “A gente não se preocupava muito com isso, porque outros países não viam o Brasil como competidor”.

Futuro promissor

Em discurso na cerimônia de aniversário da estatal, Barbosa disse que “a Embrapa está preparada para iniciar um novo círculo virtuoso para continuar garantindo ciência, tecnologia e inovação para um futuro ainda mais promissor do agronegócio brasileiro”.

A necessidade de repensar a empresa para possibilitar um “novo círculo virtuoso” também é defendida pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho.

Atualmente lotado na Secretaria Executiva do Mapa, o pesquisador ressaltou em livro publicado pelo Ipea, no capítulo dedicado à Sustentabilidade Produtiva do Agronegócio Brasileiro, que “novos paradigmas tecnológicos surgiram, alterando processos e produtos. São as tecnologias digitais e de precisão, biotecnologia, sensores e imagens de satélites, veículos remotos, drones, micro-irrigação, agricultura vertical etc.”

O professor Fernando Campos Mendonça, do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), aponta como novos paradigmas “pesquisas de robótica, internet das coisas, automação, agricultura de precisão e biotecnologia para outros produtos que não commodities”.

“A Embrapa poderia participar da transformação dos nossos produtos agrícolas em produtos agroindustriais”, afirmou Mendonça. O acadêmico também é favorável ao envolvimento da empresa com estudos em áreas como logística de distribuição de produtos, conservação de estradas, simplificação de estrutura tributária e comércio exterior.

Comunicação e transmissão de tecnologia

Em entrevista à Agência Brasil, Sebastião Barbosa admitiu novas possibilidades de pesquisa na Embrapa, inclusive em relação a “mudanças de gosto e exigências dos consumidores”. Ele se diz entusiasta das pesquisas de edição dos genes dos alimentos para a melhoria do valor nutritivo e da resistência da planta durante o cultivo na lavoura.

O presidente da empresa defendeu maior aproximação com o produtor rural. “O trabalho da Embrapa depende de uma rede muito eficiente de transmissão de tecnologia. A extensão rural depende de quem leva informação”, disse Barbosa.

Um dos fundadores da Embrapa, ex-diretor e ex-presidente da empresa, Eliseu Alves concorda com a prioridade na disseminação de informações e acrescenta a necessidade de a empresa manter contato constante com a população, sejam produtores ou consumidores.

“A Embrapa é uma empresa do governo. Tem de mostrar seus resultados”, disse Alves. Em sua opinião, a estatal é uma empresa “completamente transparente”.

“(A Embrapa) construiu duas coisas fundamentais para isso. Uma delas é a área de comunicação e de (atendimento à) imprensa. A outra é o cuidado de todo ano medir o retorno da pesquisa para mostrar quanto cada real investido trouxe de retorno à sociedade.”

Segundo balanço divulgado pela Embrapa, realizado pelo 22º ano consecutivo, no ano passado a empresa garantiu um retorno social de R$ 43.5 bilhões. O orçamento da empresa indicou que os recursos aplicados subiram de um patamar de R$ 2.99 bilhões em 2009 para R$ 3.74 bilhões em 2018.

Quando os valores são convertidos em dólares, no entanto, a contabilidade apontou redução de investimento público na empresa, de US$ 1.24 bilhão em 2011 para US$ 1.16 bilhão em 2018.

 

Agência Brasil

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