
Num contexto em que a Amazônia está no centro de debates sobre produção sustentável, preservação ambiental e outros temas sensíveis e polarizantes, a SNA conversou com Walkymario de Paulo Lemos, Chefe – Geral da Embrapa Amazônia Oriental. Sediada em Belém, que será a cidade anfitriã da COP 30 em novembro, a unidade atua de forma abrangente na pesquisa, tecnologia e inovação agropecuária, respaldando a população local no cultivo de espécies nativas e outras atividades.
Walkymario reflete com singular lucidez e conhecimento de causa sobre os desafios do imenso bioma, as nuances das populações espalhadas pelo território e suas demandas. Para ele, a instituição precisa se concentrar em sua missão histórica de fomentar o conhecimento, para que os diversos cultivos alavanquem a qualidade de vida dos produtores e sejam vetores de transformação social, em equilíbrio com a riqueza biológica da floresta preservada.
Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (1997), Mestre (2001) e Doutor (2005) em Entomologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), possui também MBA em Gestão de Projetos pela USP-ESALQ (2021). Foi Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Amazônia Oriental entre outubro de 2013 e maio de 2021, assumindo em agosto do mesmo ano a Chefia Geral.
Sobre a COP 30, tema da última pergunta, ele gentilmente gravou um vídeo em que discorre sobre suas expectativas, já que a Embrapa terá protagonismo no evento. Confira!
SNA: Quais são os principais desafios de fomentar a pesquisa e tecnologia para a agropecuária num bioma tão rico e diversificado, que está no centro de debates importantes sobre preservação e sustentabilidade?
Eu tenho defendido que os desafios para se fomentar pesquisa e inovação na agropecuária da Amazônia, na verdade são múltiplos e perpassam diferentes setores. Um grande desafio diz respeito ao capital intelectual presente. Nós ainda temos um número pequeno, se comparado a outras partes do Brasil, de doutores e pessoas com pós graduação atuando na região. Se compararmos apenas com o Estado de São Paulo, já estamos falando de mais doutores do que em toda a Amazônia. Isso naturalmente é expresso na ausência de cérebros capazes de contribuir com inovação e pesquisa na região. Outro desafio passa, obrigatoriamente, por apoio político. Nós precisamos ter políticas públicas estaduais e regionais que vejam a pesquisa como transformadora de pessoas e realidades. Precisamos, portanto, de políticos que reconheçam esse poder e fomentem ações de pesquisa ligadas às questões ambientais e agropecuárias. Nós temos outro grande desafio que é o tamanho do território amazônico, que é diversificado e exige soluções múltiplas, pois assim são as suas características. Há bolsões de pobreza que precisam de um olhar de melhoria social e índice de desenvolvimento humano. Um último grande desafio é reduzir a desigualdade no acesso às tecnologias de agropecuária e manejo da floresta. Portanto, reduzindo essa lacuna, também reduziremos problemas sócio-econômicos, levando um bioma tão rico e diversificado biologicamente a ser visto também como capaz de gerar riquezas para a população local.
SNA: Por ocasião dos 50 anos da Embrapa, em 2023, muito se falou sobre como a atuação da empresa contribuiu para redesenhar as fronteiras produtivas do país. O senhor diria que a Amazônia, mesmo com todo o trabalho que já feito, ainda é o novo território a ser desbravado, como no passado foi o Cerrado?
Nós da Embrapa nos orgulhamos muito de termos contribuído nas últimas cinco décadas com uma revolução na agropecuária brasileira, transformando solos pobres em férteis, adaptando culturas de regiões temperadas para o clima tropical brasileiro, fazendo com que o país passasse de importador para exportador de alimentos. Nós temos a convicção de que a região amazônica poderá contribuir com essa produção agropecuária, embora isso já aconteça com o trabalho da Embrapa Amazônia Oriental, sediada no Pará. Esta unidade tem trabalhado para o conhecimento do solo, da vegetação e das condições climáticas, estudos de inteligência territorial e outras ações que contribuem para a domesticação de diferentes cultivos, a exemplo do açaí, cupuaçu e bacuri. Acreditamos que, para além das espécies nativas, existem áreas capazes de assimilar modelos agropecuários de outras regiões, mas sem competir com a floresta, que é muito valiosa. Então a Embrapa reconhece que, somente na Amazônia, há entre 8 e 10 milhões de hectares em processo de degradação, com o Pará respondendo com metade desse número. Isto posto, estamos falando de novas fronteiras de restauração produtiva, contribuindo para que a Amazônia brasileira, além de proteger seu território e capital biológico, se permita ser uma potência produtiva de várias culturas importantes para a alimentação humana. Já temos áreas produzindo grãos, oleaginosas, com potencial de chegarmos ao trigo tropical, na esteira do que já se avançou no Cerrado. Finalizo dizendo que acredito, sim, que a Amazônia se some às outras fronteiras produtivas do país, de forma organizada, sustentável e eficiente.
SNA: Como os cultivares típicos da região podem alavancar a qualidade de vida da população local, a exemplo de outros centros produtivos no interior do país, e em que medida a Embrapa Amazônia Oriental pode ajudar nesse sentido?
Nós acreditamos que esses cultivares e típicas da região podem ser vetores de transformação socioeconômica das populações locais, e isso passa obrigatoriamente pela oferta de tecnologias, tanto no manejo das espécies ainda agroextrativistas quanto nas práticas agropecuárias sustentáveis para o cultivo daquelas já domesticadas. A adoção dessas inovações terá forte impacto na vida das populações, especialmente no açaí, que é muito representativo e emblemático para a região. A Embrapa detém duas tecnologias para o açaí, uma para modelo agroextrativista, de modo a manejar com o cuidado de deixar bom número das chamadas touceiras e outras espécies vegetais na área. Isso comprovadamente aumenta a produtividade do açaizeiro e impacta positivamente a biodiversidade local. Há, também, uma tecnologia de cultivo do açaí em terra firme, tendo efeitos benéficos para toda a cadeia produtiva do fruto. Para se ter uma ideia, em 2023 o Brasil produziu um milhão e meio de toneladas de açaí, dos quais o Pará tem destaque com 1,3 milhão. O valor de produção foi de 6 bilhões de reais. Soma-se a isso a importância do açaí para a segurança alimentar de boa parte da população local. Dessa forma, a ciência das unidades da Embrapa, como a da Amazônia Oriental, contribui para esse processo integrado que alavanca a qualidade de vida de quem vive na região e tira da agropecuária o seu sustento.
SNA: A Amazônia, mais do qualquer outra parte do país, é objeto de tensões geopolíticas e alvo de desinformação sobre áreas preservadas, povos nativos e exploração comercial. Como lidar com essas preocupações que ultrapassam a atuação técnica da empresa, e colaborar para que os dados concretos sejam conhecidos?
O grande desafio institucional da Embrapa, nessa realidade que reconhecemos ser complexa, é focar em nossa missão e no que sabemos fazer melhor: gerar conhecimento, tecnologia e inovação em prol das reais demandas do território amazônico. Preocupação histórica da instituição é colaborar com os sistemas sustentáveis de agropecuária, que sejam produtivos e gerem bons indicadores sociais e ambientais, com parâmetros que mitiguem a emissão de gases poluentes. A Embrapa é a principal instituição científica, de tecnologia e inovação da agropecuária brasileira, portanto carrega o desafio de ofertar essas informações, mediante rigoroso crivo, às regiões ainda carentes do conhecimento adequado. Então precisamos concentrar nossa atuação nos desafios regionais, garantindo que tenhamos efetividade quanto ao uso adequado das áreas já em processo de degradação, e informando corretamente aqueles que desejam utilizar os melhores e mais eficientes sistemas agroalimentares. Nossos indicadores precisam ser igualmente eficazes na geração do conhecimento sobre formas de restauração ambiental e produtiva das florestas. E que esse conjunto seja um vetor de transformação, não somente científico, mas socioeconômico.
SNA: Qual sua expectativa para a COP 30, que será realizada em novembro, na cidade de Belém? Como estão os preparativos e conversas com outros órgãos e autoridades, e qual será o papel da Embrapa no evento? O senhor se sente otimista quanto ao legado para a região e para o país?