Entrevista com o Chefe – Geral da Embrapa Agricultura Digital, Stanley Robson de Medeiros Oliveira

Foto: Vinícius Kuromoto

Encerrando o ciclo de entrevistas especiais com as principais chefias das unidades da Embrapa, conversamos com Stanley Robson de Medeiros, atualmente no comando da Embrapa Agricultura Digital. Graduado e mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Campina Grande, PB, e PhD em Computer Science pela University of Alberta, Canadá. Tem formação complementar em desenvolvimento de habilidades gerenciais pela Fundação Dom Cabral e em gestão avançada pela Amana-Key, dentre outras. É professor na Unicamp.

Nesta entrevista, ele esclarece a missão institucional da empresa, que é dar o respaldo científico e tecnológico para o trabalho de pesquisa e inovação das demais áreas da estatal, bem como colaborar para que esses avanços cheguem à população, em especial aos produtores rurais. Também fala sobre os desafios das soluções digitais em tempos de inteligência artificial, proteção de dados e eventos climáticos extremos. Por fim, discorre sobre o diálogo com outros órgãos e entidades do setor, para complementar a busca pelo aperfeiçoamento de tudo o que pode contribuir para o agronegócio brasileiro.

*Confira o vídeo que ele gentilmente gravou, com exclusividade, para o Portal SNA.

SNA: A Embrapa contribuiu sobremaneira com inovação, pesquisa e tecnologia para o crescimento do agronegócio brasileiro em praticamente todas as aeras do conhecimento científico. De que forma a unidade da Agricultura Digital atua para dar o respaldo necessário aos avanços que surgem nos demais polos da empresa, espalhados pelo vasto e diversificado território nacional?

Stanley: A Embrapa Agricultura Digital atua no desenvolvimento de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação para atender as demandas do setor produtivo, apoiar políticas públicas e fortalecer o ecossistema de inovação, visando à sustentabilidade da agricultura. Instalada em Campinas, SP, conta com uma equipe multidisciplinar e infraestrutura computacional de alto desempenho para promover a evolução tecnológica no campo, por meio da oferta de serviços digitais de qualidade, com segurança dos dados em todo o território nacional e soluções para gestão e monitoramento da produção animal e vegetal, além de organizar os dados em bases estruturadas e confiáveis que possibilitem o desenvolvimento de modelos e aplicações com o uso de inteligência artificial, modelagem e simulação, computação em nuvem, entre outras tecnologias habilitadoras.

As principais entregas da Embrapa Agricultura Digital para os próximos anos consideram sua forte interação com as demais Unidades de Pesquisa (UDs) da Embrapa em todo o território nacional, incluindo: a) a evolução da infraestrutura computacional AgroDigital (Data Center Científico) para conferir alta performance às demandas da área de PD&I da Empresa, com ênfase em 4 Ds: Democratizar (incluir todas as UDs), Desburocratizar (simplificar a utilização), Digitalizar (promover a transformação digital), Desmonetizar (reduzir o custo com infraestrutura computacional); b) a evolução da Plataforma AgroAPI, com colaborações das UDs para materialização da inteligência da Embrapa, e a criação de plataformas temáticas como a de Carbono e a da Rede de Bioinformática e Biotecnologia; c) o licenciamento do Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar), concebido para garantir a rastreabilidade de produtos agroindustriais, oferecendo informações sobre a qualidade e procedência dos produtos, de forma transparente e confiável; d) revisão constante do foco em tendências e oportunidades visando preparar a Embrapa Agricultura Digital para lidar com oportunidades que se descortinam junto aos parceiros do ecossistema de inovação em agricultura digital, entre outras: (i) o surgimento das tecnologias disruptivas, que possibilitam o desenvolvimento de soluções integradoras e inteligentes; (ii) o desenvolvimento de: (a) plataformas digitais integradas com informações de gestão da propriedade, da produção e da comercialização; (b) sistemas de projeções de riscos futuros; e (iii) produção de mapas sistêmicos de uso e cobertura das terras desflorestadas nos biomas brasileiros.

SNA: Como é o trabalho de levar as descobertas em termos de tecnologia ao público em geral e, em particular, aos produtores? A capacitação tem acompanhado o ritmo do que chega de mais moderno às mãos do agricultor brasileiro? Quais são os desafios?

Stanley: A geração de soluções digitais deve considerar as “dores” do produtor, garantido que o uso da tecnologia acelere a automação de processos e melhore diretamente a jornada do produtor. Em outras palavras, o valor da tecnologia se dá em áreas onde a tecnologia tem aderência. No entanto, a transformação digital no campo não deve depender apenas da tecnologia. Processos de negócios e pessoas devem ser integrados à transformação digital. Por exemplo, para um agricultor a adoção de uma tecnologia não caracteriza que houve a transformação digital. Ele precisa entender melhor como a tecnologia pode ser utilizada para automatizar processos, reduzir custos com insumos e aumentar sua rentabilidade. E mais, o produtor agrícola tem interesse em mentoria e assistência técnica por parte de associações e de empresas que são referências no agro (instituições ligadas ao governo, academia e setor produtivo), para ser orientado sobre a escolha das tecnologias e ser capacitado no uso das soluções digitais. Logo, a principal novidade na transformação digital não está só na tecnologia, mas principalmente no entendimento de como essa tecnologia automatiza os processos e proporcionam benefícios tangíveis para o produtor. Um dos grandes desafios que enfrentamos hoje é a conectividade no campo. Temos investido em projetos que reduzam a desigualdade no campo, levando a tecnologia da Embrapa e parceiros para promover a inovação social, inserindo produtores no processo de transformação digital, considerando a diversidade regional produtiva e de recursos naturais; promovendo o aumento da conectividade de dispositivos eletrônicos no campo, visando reduzir custos de implementação de ativos tecnológicos digitais; integrando as tecnologias digitais nos processos produtivos rurais de forma efetiva e simples, visando gerar impactos socioeconômicos nos curto e médio prazos; promovendo a capacitação tecnológica e o compartilhamento de conhecimento e de práticas, visando acelerar a adoção de ativos tecnológicos digitais pelos mercados.

SNA: As soluções digitais precisam incorporar, cada vez mais, elementos ainda recentes como inteligência artificial e proteção de ativos e dados, entre outros. Como será a aplicação dessas ferramentas no setor agropecuário, e que benefícios podem trazer?

Stanley: A aplicação de soluções digitais no setor agropecuário tem se tornado cada vez mais estratégica, e a inclusão de tecnologias como inteligência artificial (IA) e proteção de dados está trazendo transformações significativas. Essas ferramentas estão ajudando a otimizar a produção, aumentar a sustentabilidade, reduzir custos e melhorar a segurança dos dados e ativos dos produtores rurais. Vamos detalhar alguns benefícios e maneiras sobre como essas tecnologias estão sendo aplicadas:

 

  1. a) Inteligência Artificial (IA) no Agro: A IA está revolucionando o setor agropecuário de várias maneiras. Algumas aplicações incluem: i) análise preditiva: a IA pode analisar grandes volumes de dados sobre clima, solo, comportamento do gado, entre outros, para prever tendências e tomar decisões mais acertadas; ii) Automação de processos: máquinas agrícolas equipadas com IA podem realizar tarefas como plantio, irrigação e colheita de maneira mais eficiente e com menos desperdício. Isso ajuda a reduzir custos e aumentar a produtividade; iii) monitoramento em tempo real: sensores e câmeras conectados por IA permitem monitorar as condições das lavouras e dos animais em tempo real, detectando possíveis problemas como doenças ou pragas, para que ações corretivas possam ser tomadas rapidamente; iv) gestão inteligente de rebanhos: a IA também está sendo usada para monitorar o comportamento dos animais, como os bovinos, através de sensores e câmeras, ajudando os produtores a identificar problemas de saúde precocemente, além de otimizar a alimentação e o manejo.

 

  1. b) Proteção de Ativos e Dados: a proteção de dados e ativos no agro é uma preocupação crescente, principalmente porque o uso de soluções digitais aumenta a quantidade de dados coletados, que podem ser vulneráveis a ataques cibernéticos. Algumas formas de proteção incluem: i) cibersegurança no agro: As soluções de segurança cibernética são fundamentais para proteger as informações sensíveis, como dados financeiros, registros de produção e informações sobre colheitas e rebanhos; ii) proteção de ativos físicos: O uso de tecnologias como RFID (identificação por radiofrequência) e IoT (Internet das Coisas) permite o rastreamento e a gestão de equipamentos agrícolas, veículos e até mesmo os produtos em diferentes estágios de produção, desde o campo até o consumidor final; iii) Blockchain: O uso de blockchain para rastrear a cadeia de fornecimento do agro pode garantir a autenticidade dos produtos, desde a produção até a venda. Isso é especialmente importante para garantir a segurança alimentar e para os consumidores que buscam saber a origem dos alimentos que compram.

SNA: Entre os programas que recebem suporte da Embrapa Agricultura Digital, está o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC). Qual a importância de parcerias como essa, num momento em que produtores precisam enfrentar eventos extremos e o Brasil sediará a COP 30 em Belém, no mês de novembro? De que forma a unidade pode colaborar com o evento, atestando a sustentabilidade e boas práticas do país?

Stanley: A Embrapa Agricultura Digital vem fortalecendo suas redes regionais e nacionais de PD&I e também interagindo com vários centros da Embrapa para tornar as soluções de informações de interesse de Estado, ligadas à marca, com reconhecimento internacional. A atuação da Embrapa em rede, pra apoiar políticas públicas, regulação de mercado e suporte à decisão desde a esfera do produtor até gestores públicos estaduais e federais, requer aprimoramento contínuo das informações e bases de dados internamente, devido à capilaridade e às equipes técnicas. Prover equipe multidisciplinar com visão de longo prazo é fundamental para perenizarmos as soluções de longo prazo, com o envolvimento de mais de 40 unidades envolvidas. A atuação estratégica para melhoria do planejamento, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas, e sua regulação impacta a credibilidade e legitimidade da Embrapa junto aos diferentes segmentos do setor agropecuário.

Em particular, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) é uma rede de 38 unidades de pesquisa da Embrapa que provê informações para gestores públicos envolvidos nas políticas nacionais de crédito e seguro rural e mitigação de risco para auxiliar na tomada de decisão em prol do uso racional do recurso público alocado no Proagro e no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Desde 1996, o Zarc vem contribuindo para o setor, tendo gerado uma economia superior a R$ 7,3 bilhões à produção agrícola brasileira em 2023, de acordo com o Balanço Social da Embrapa. O valor equivale principalmente a prejuízos que o País deixou de sofrer com perdas de safras e às consequentes indenizações securitárias.

O Zarc desempenha um papel crucial em contextos de mudanças climáticas e eventos climáticos extremos, como secas e inundações, que afetam diretamente a produção agrícola no Brasil. Sua importância é ainda mais relevante à medida que o país se prepara para sediar a COP 30, evento global que reunirá líderes, cientistas e especialistas para discutir e implementar ações de combate às mudanças climáticas. Ao sediar a COP 30, o Brasil terá um papel de liderança nas discussões globais sobre as mudanças climáticas, incluindo os impactos no setor agrícola. O Zarc pode ser uma ferramenta estratégica no debate, já que permite aos produtores mitigarem os impactos das mudanças climáticas, contribuindo para a segurança alimentar e o uso sustentável dos recursos naturais. Além disso, ao integrar o Zarc com ações climáticas, o Brasil poderá demonstrar seu compromisso com a adaptação climática e a construção de uma agricultura mais resiliente e responsável. Portanto, o Zarc é uma peça-chave para a adaptação e mitigação no setor agrícola frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, além de fortalecer a posição do Brasil como líder na luta contra as mudanças climáticas no cenário global.

SNA: Como é o diálogo com outros órgãos, empresas e instituições acadêmicas, no sentido de aperfeiçoar a implementação das tecnologias mediante novas políticas públicas que incentivem o desenvolvimento científico?

Stanley: As tecnologias digitais estão sendo implantadas em várias escalas e têm papel fundamental na agricultura movida a ciência, que enfrenta grandes desafios, a saber: (i) expandir a produção de alimentos em quantidade e qualidade, de forma sustentável, para atender as demandas da crescente população mundial, cada dia mais exigente; (ii) atender demandas não só por alimentos mas também por fibras, água e energia limpa e renovável; (iii) viabilizar sistemas de produção agropecuários e florestais com baixo impacto sobre os recursos naturais abióticos (clima, disponibilidade de água, qualidade dos solos) e resilientes a fatores bióticos (impacto positivo sobre a biodiversidade, com diminuição de pragas, doenças e invasoras) e geração de serviços ambientais.

Para responder efetivamente a esses desafios, é essencial a participação ativa da Embrapa Agricultura Digital em arranjos sólidos com a participação do governo, da academia, do setor produtivo e da sociedade civil. A inovação aberta está no DNA da Embrapa e essa atuação conjunta permitirá que continue a entregar valor à sociedade para desenvolvimento contínuo da agropecuária por meio de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A relação com o governo para o alinhamento das ações é importante, sendo fundamental a presença e fóruns sobre agricultura digital e adjacências. Tradicionalmente, tecnologias digitais têm sustentado diferentes políticas públicas e podem fazer ainda mais. Nesse sentido, o acompanhamento de estratégia de governo, com instâncias corporativas, bem como das necessidades da cadeia produtiva, deve ser o foco, pois poderá subsidiar a geração de soluções de amplo espectro de atendimento à sociedade.

Para a atuação contundente na geração de conhecimento e soluções tecnológicas, o fortalecimento das redes internas de PD&I, bem como nacionais e internacionais, é fundamental. A parceria com universidades traz complementaridade importante à missão da Embrapa e pode ser aprimorada, sendo eficiente no uso de recursos e na velocidade e capacidade de geração de impacto. Mas, em um ambiente em constante mudança, essas redes precisam ser aprimoradas e expandidas, um desafio ainda mais relevante para o setor digital, em que a velocidade do desenvolvimento é de magnitude diferente da dos demais setores da agropecuária. Assim, a proximidade efetiva de redes internacionais atuantes em agricultura digital é essencial não só para a captação constante de demandas, mas também para a antecipação de desafios globais, compartilhamento de recursos, experiências profissionais e capacitação constante da equipe.

A conexão com o setor produtivo é o ponto-chave para a obtenção de resultados. Permite que resultados de P&D realmente se tornem inovação, ganhando capilaridade e permitindo sua adoção. O setor produtivo desempenha papel ainda mais relevante no alinhamento de demandas com a geração de soluções direcionadas à sociedade civil.

Por outro lado, a sociedade civil precisa ser considerada quando se busca impacto. O relacionamento amplo com diferentes representantes da sociedade, associações e fóruns relevantes é decisivo para alinhamento constante da atuação da Unidade e captação de percepções e validação de soluções.

Essas relações fortalecidas e ampliadas permitirão a inserção e expansão de tecnologias digitais na agropecuária, de maneira transversal, como viabilizadoras de resultados de alto impacto, e imprimirão o conceito de agricultura digital aos mais diferentes elos do setor agropecuário.

 Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário  (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br

 

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