Empresas do agronegócio avaliam ter frota própria contra tabela do frete

O tabelamento do frete, adotado pelo governo para acabar com a paralisação dos caminhoneiros, elevou o custo do transporte de carga em todos os setores e já é considerado um elemento crítico no agronegócio. Para contornar esse choque de preços, produtores agropecuários de diferentes portes avaliam alugar ou até ampliar a frota de veículos de carga.

“Com essa nova política de preços, as despesas com o transporte quase duplicaram. As empresas estudam alugar veículos e até mesmo comprar caminhões como alternativa para reduzir o custo com o transporte”, diz o presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), Luís Henrique Teixeira Baldez.

Como o transporte é um custo básico, até a fixação de preços da próxima safra está atrasada porque os produtores aguardam uma definição do STF (Supremo Tribunal Federal) em relação à constitucionalidade do tabelamento. Se for mantido, o analista sênior de agronegócio do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, prevê a verticalização da operação de transporte, com produtores comprando caminhões.

A Cargill, uma das maiores comercializadoras de grãos do mundo, com forte presença no Brasil, já considera contratar seus próprios motoristas para o transporte de grãos na próxima safra de soja.

“Com o tabelamento, indústrias e exportadores terão de repensar a forma como irão operar no Brasil, pois se cria ruptura no funcionamento natural da cadeia de suprimentos e desequilibra contratos”, afirma, em nota, o diretor de grãos e processamento da Cargill para América Latina, Paulo Sousa.

O executivo considera ainda que as indústrias de processamento de produtos agrícolas e as empresas exportadoras serão obrigadas a mudar seu modelo de atuação. Em vez de comprar os grãos com a retirada nas fazendas ou nos armazéns no interior, serão forçadas a comprar somente com entrega nas fábricas e nos portos.

“Pequenos produtores e produtores rurais da agricultura familiar serão forçados a se organizar em cooperativas de frete, com suas frotas próprias, ou perderão competitividade”, diz o executivo.

 

Produção de caminhões dá sinais de recuperação no primeiro semestre deste ano –

reflexo dos negócios fechados desde outubro durante a Fenatran 

 

Vendas de caminhões crescem nos primeiros seis meses deste ano

com o mercado apostando na retomada econômica 

 

 

Preço do frete sobe com o tabelamento criado pelo governo

para acabar com a paralisação dos caminhoneiros

 

Há 30 dias, a cooperativa agrícola Coamo, uma das maiores do país, comprou 151 caminhões para renovar a frota e também aguarda o STF.

“A compra de caminhões já estava programada para aumentar a frota e substituir veículos mais antigos, mas não descartamos a aquisição de mais unidades”, afirma José Aroldo Galassini, presidente da Coamo.

A cooperativa tem 780 unidades em frota própria, 450 caminhões dedicados com a garantia de frete de ida e volta durante o ano inteiro. No pico da colheita, contrata das transportadoras até 2.000 veículos por dia.

A JBS, maior empresa do setor de carnes no mundo, já deu um primeiro passo. Tem frota particular e decidiu ampliar o número de veículos. Foram adquiridos 360 caminhões.

“A decisão está amparada na estratégia de uma operação sustentável, que garanta a produção e oferta de produtos, reduzindo os impactos de custo causados pela aplicação do tabelamento do frete rodoviário”, diz a empresa em nota.

O presidente do Sistema Ocepar, José Roberto Ricken, observa que muitas empresas já não estão entregando os insumos nas fazendas e os próprios agricultores têm de buscar produtos para dar início ao plantio da próxima safra.

A Ocepar é uma cooperativa que responde por cerca de 60% da produção agrícola do Paraná. Ela recebe os produtos, embala e faz a distribuição. A maior parte do translado de mercadorias é feita por caminhoneiros terceirizados, mas Ricken estima que será preciso adquirir mais caminhões para depender menos dos terceirizados.

Com o envio de quatro milhões de sacas de cafés por ano para o porto de Santos (SP), a cooperativa Cooxupé viu o preço do frete neste trajeto aumentar 37% desde que foi instituído o tabelamento. A cooperativa tem 14.000 produtores que entregam suas produções em 17 filiais.

“Sem uma solução, vamos ter de partir para a frota própria e, para isso, precisaríamos de cerca de 50 veículos”, declara o presidente da Cooxupé, Carlos Paulino.

Uma eventual compra em bloco de caminhões pelo setor agrícola movimentaria os negócios das montadoras, que contabilizaram alta de 51,67% nas vendas no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.

Essa expansão não é um reflexo da paralisação dos caminhoneiros, uma vez que o prazo entre a encomenda de um caminhão e a sua entrega é de até cinco meses.

Esse movimento começou em outubro de 2017 durante a Fenatran (Salão Internacional do Transporte de Carga) e está baseado na expectativa de aumento do PIB (Produto Interno Bruto) e na renovação de frota.

O vice-presidente de marketing da Mercedes-Benz do Brasil, Roberto Leoncini, explica que nos últimos dois meses verificou um movimento de pequenos produtores de milho e trigo adquirindo algumas unidades de caminhões.

“Mas, de um modo geral, o que vemos é que o nível de consulta aumentou após a entrada em vigor do frete mínimo, mas não se refletiu em encomendas porque as empresas ainda aguardam a decisão do STF para definir sobre a frota própria”, disse Leoncini.

O presidente da MAN Latin America, Antonio Roberto Cortes, concorda que por enquanto ainda não há reflexo do tabelamento na venda de caminhões. “As empresas estão fazendo contas para saber se é melhor ter frota própria ou terceirizada. Ainda é cedo para refletir em compras. Tudo vai depender da decisão do STF”, diz Cortes.

O presidente do Sindilat (Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul), Alexandre Guerra, afirma que o custo do frete para o setor de leite aumentou entre 20% e 100%, dependendo da região.

“Dependemos exclusivamente do transporte rodoviário, e o que não conseguirmos negociar com essa elevação dos custos por causa do tabelamento será repassado ao consumidor e isso pode levar à inflação”.

No caso da soja, o presidente-executivo da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), André Nassar, estima que o produto deve ficar até 30% mais caro dependendo da rota e da época do ano. “O ideal seria acabar com o tabelamento, mas caso isso não ocorra é necessário que haja uma tabela mais compatível com o mercado”.

O movimento das empresas de adotar frota própria não preocupa a categoria dos caminhoneiros, afirma Wallace Landim, o Chorão, que liderou manifestações durante a paralisação.

“É uma forma de pressionar e ameaçar, mas acho muito difícil isso se efetivar, porque é inviável para a empresa arcar com os altos custos da contratação de caminhoneiros pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)”.

Para ele, o volume transportado é muito grande, e mesmo que algumas empresas adquiram frota própria não será suficiente para atender à demanda. “Alguns vão comprar, mas será uma parcela pequena”, disse.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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