Terceiro maior exportador de produtos do agronegócio no planeta em 2018, o Brasil tem a sua posição ameaçada por uma conjunção de fatores que inclui fracos ganhos de produtividade nas áreas de processamento e logística, ausência de acordos bilaterais e um ambiente comercial global marcado por restrições decorrentes de razões geopolíticas. O diagnóstico é de Marcos Jank, presidente executivo da Asia-Brazil Agro Alliance, organização que reúne exportadores dos segmentos de carne bovina, proteína animal, açúcar e álcool.
Entre 2000 e 2018, as exportações do agronegócio brasileiro saltaram de cerca de US$ 15 bilhões para US$ 102 bilhões. O aumento contribuiu de forma direta para manter positiva a balança comercial brasileira – o saldo de todos os outros setores no ano passado foi negativo em US$ 29 bilhões.
“O Brasil cresceu nos últimos 20 anos na exportação do agronegócio sem precisar de acordo comercial. Sem precisar saber o que estava acontecendo politicamente em cada país em que nós vendíamos. Sem precisar de uma coordenação especial entre governo e setor privado. Hoje, isso precisa ser criado”, disse Jank, conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Como exemplo dos desafios comerciais impostos pelo quadro geopolítico mundial, Jank cita o atual embate entre Estados Unidos e China. “A guerra comercial infelizmente está indo para um rumo de ser uma guerra hegemônica, que atinge não só o comércio, mas também os investimentos e a presença de multinacionais. Já tivemos retaliações contra multinacionais chinesas nos Estados Unidos e vice-versa”, afirmou o especialista.
Nesse contexto, Jank defende que o Brasil não tome partido de nenhum dos lados. “E mesmo assim, o País pode sofrer os efeitos negativos do conflito entre americanos e chineses, ainda que as duas partes cheguem a uma solução. Isso porque o rearranjo do fluxo de comércio, em decorrência de um possível acordo, poderia ser desfavorável ao Brasil”.
“O País tem de lembrar de um ditado antigo que diz: ‘Em briga de elefantes, quem apanha é a grama'”, ressaltou o CEO da Asia-Brazil Agro Alliance. “Tenho muito temor que um acordão China-Estados Unidos possa vir em detrimento do Brasil”, acrescentou. O receio de Jank se baseia no fato de os exportadores brasileiros ainda enfrentarem obstáculos para vender na China produtos como carne, farelo e óleo de soja, frango, açúcar e etanol.
Os números dos últimos 19 anos atestam a importância do mercado chinês para os exportadores brasileiros, especialmente no setor de agronegócios. Em 2000, China e Hong Kong eram o destino de apenas 4% das vendas externas do agronegócio do Brasil. No ano passado, esse percentual havia crescido mais de nove meses, para 37%. Considerando outros países asiáticos, a participação aumenta para 52%.
Já no mercado europeu, a tendência foi inversa. Em 2018, o continente absorveu 18% das exportações da agroindústria do Brasil, contra 43% em 2000. “Hoje, para o agronegócio, pelo menos é mais importante fazer um acordo com a Ásia do que com a Europa”, disse Jank, futuro coordenador do Núcleo de Agronegócios do Cebri a ser lançado nos próximos meses. “O mundo hoje vive do bilateralismo. As relações são cada vez mais afetadas pelo poder que os países têm de negociar com A, B ou C”.
“Ao contrário do Brasil, que nos últimos 20 anos ficou de fora do ‘mundo dos acordos comerciais’, países como Austrália e Nova Zelândia concentraram esforços nessa vertente, comparou o especialista. Ambos os países têm 100% de suas exportações do agronegócio cobertas por acordos comerciais.
Levantamento feito por Jank com base em dados de 2006 a 2017 indica que os produtos nos quais os exportadores brasileiros do setor de agronegócio mais perderam “market share” são justamente aqueles que mais dependem de políticas públicas, tanto internas como no exterior.
Na visão de Jank, a vantagem competitiva obtida pelo agronegócio brasileiro, graças ao aumento de produtividade obtido nos anos 1990, é insuficiente para garantir a permanência do país na posição atual que ocupa no ranking global de exportações do agronegócio. Na época, os agricultores se beneficiaram tanto da incorporação de novas tecnologias agrícolas voltadas para o cultivo em áreas tropicais quanto da extensão da fronteira agrícola, notadamente nas regiões do Cerrado.
“Esses ganhos (de produtividade) foram muito concentrados na agropecuária. Quando você sai com o produto da fazenda e vai processá-lo e distribuí-lo, você perde competitividade no Brasil. Somos muito bons na fazenda. Da fazenda para frente a gente começa a perder”, conclui Jank.
Valor Econômico