Eleições americanas já afetam preços de commodities agrícolas

Símbolos dos partidos popularizados desde o século XIX pelo cartunista Thomas Nast. Imagem/Pixabay

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Milho e soja se destacam

O Portal SNA aborda, com frequência, o impacto que o mundo da política exerce no agronegócio, sobretudo quando mudanças de poder ocorrem nos grandes protagonistas do setor, com os quais o Brasil mantém relação de simultânea rivalidade e cooperação. É o caso dos EUA, sobretudo após o atual presidente, Joe Biden, desistir da reeleição e manifestar apoio à sua vice, Kamala Harris, embora a decisão final caiba aos delegados do partido democrata que se reunirão na convenção nacional em agosto. Do outro lado, Donald Trump tenta voltar à Casa Branca após um hiato de quatro anos, já com sua candidatura confirmada pelo partido republicano.

O peso dessa decisão já antecipa efeitos sobre as cotações de certas commodities, tais como milho e soja, dos quais os americanos, a exemplo dos brasileiros, são grandes produtores.

Isso porque o eventual retorno do republicano pode reacender tensões comerciais com a China, algo que marcou seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021. A demanda pelos grãos americanos foi afetada, já que, em abril 2018, Trump impôs tarifas de 25% na importação de produtos chineses, um dia após Pequim determinar restrições a produtos americanos. O Brasil acabou se beneficiando dessa guerra tarifária, preenchendo a lacuna de soja que os chineses vieram buscar, fugindo da taxação americana. Isso pode, na visão de analistas de mercado, voltar a acontecer em caso de uma nova gestão do republicano.

Naquela ocasião, o Brasil bateu recorde de exportação, enviando aos chineses 83,3 milhões de toneladas de soja em 2018, 22% a mais que no ano anterior. Na bolsa de Chicago, referência do setor, a eventual vitória de Trump ainda não foi precificada em termos de impacto comercial, até porque as exportações dos EUA para a China diminuíram muito ao longo dos anos, reflexo do que aconteceu no passado. Os chineses vem reduzindo gradualmente a compra da soja americana, ao passo que aumentam as aquisições do produto brasileiro e argentino. Mas alguns dados já indicam cotação com tendência de queda, devido à projeção da próxima safra americana, e não do pleito eleitoral.

Produção recorde nos EUA pressiona cotações para baixo

Neste ano, a soja já caiu 20,11% na bolsa de Chicago, e o milho recuou 18,23%, de acordo com levantamento do Valor Data. A retração é reflexo, sobretudo, da perspectiva de oferta elevada de ambas as commodities nos Estados Unidos na safra 2024/25.Isso mostra que, independentemente das eleições, a tendência de queda se mantém, já que o próprio Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)prevê uma safra de 120,70 milhões de toneladas de soja nos EUA no ciclo 2024/25, alta de 6,5% em relação à temporada anterior. Para os estoques finais, o órgão prevê crescimento de 26,1%, com 11,85 milhões de toneladas.

No caso do milho, a expectativa é de queda de 1,5% na colheita, para 383,56 milhões de toneladas, após uma safra recorde, e estoques de 53,26 milhões de toneladas, ou 11,7% maiores. No entanto, os produtores e analistas seguem vigilantes, caso haja uma reversão devido à temporada de furacões no fim de verão americano ou pelo fenômeno La Niña. No Brasil, intempéries climáticas podem afetar o plantio da safra em setembro.

Cabe lembrar que os subsídios aos agricultores americanos foram fortíssimos durante o mandato de Trump, especialmente quando começou a pandemia de Covid. Isso levou o USDA a também direcionar recursos para conter as perdas que advinham da luta tarifária com os chineses e outras restrições impostas pelo Coronavírus. Muitos congressistas americanos manifestaram preocupação com os produtores cada vez mais dependentes do governo e o fato de que esses incentivos não passavam por um controle mais criterioso. Entre 2017 e 2020, respectivamente primeiro e último ano da gestão do republicano, o pacote de ajuda agrícola subiu de US$ 11,5 bilhões para US$ 32 bilhões.

Apesar do eventual protecionismo trumpista, as boas relações marcaram o tom entre Brasil e EUA naqueles anos, o que aliás é uma tradição histórica. Com a China, também há o melhor cenário possível, já que é o maior parceiro comercial brasileiro. Mantendo a agenda diplomática de neutralidade e fomento à cooperação internacional, o país não deve sofrer maiores sobressaltos com a natural e salutar alternância de poder, desde que saiba se adaptar às novas circunstancias e siga buscando novos mercados que possam dar respaldo a crises pontuais.

Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb 13.9290) marcelosa@sna.agr.br

 

 

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