“A economia circular associa crescimento econômico a um ciclo de desenvolvimento que defende o uso mais eficiente dos recursos naturais e aumento da competitividade da indústria, com a administração de estoques finitos e fluxos renováveis. Além disso, permite que as empresas possam reduzir custos e perdas produtivas, gerando novas fontes de receita e diminuindo sua dependência de matérias-primas virgens”.
A definição acima, retirada do site da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), já é suficiente para explicar por que o conceito de economia circular caiu nas graças do setor sucroenergético. Há anos, as usinas de açúcar e etanol passaram a queimar seu principal resíduo – o bagaço de cana – em caldeiras, gerando eletricidade para consumo interno e para comercialização. Além disso, muitas empresas transformaram um potencial poluente, a vinhaça, em fertilizante.
Mas a ideia pode ser levada além. Em busca da redução do custo unitário e de aumento do portfólio de produtos, as sucroenergéticas passaram a olhar para outras formas de utilizar seus resíduos. Além disso, no atual cenário de transição energética e de mudanças nos mercados de açúcar e etanol, a busca por outras fontes de receita também se tornou bem-vinda.
Por conta disso, a economia circular será abordada em um painel exclusivo durante a Conferência NovaCana 2023. A sexta edição do evento acontece em São Paulo (SP) nos dias 4 e 5 de setembro de 2023 e está com inscrições abertas. A programação completa pode ser acessada neste link.
A seguir, confira alguns dos produtos que costumam ser vinculados a estratégias de economia circular no setor sucroenergético.
Etanol de segunda geração
Embora a aposta no etanol de segunda geração (E2G), produzido a partir do bagaço ou da palha da cana-de-açúcar, tenha perdido força nos anos após a inauguração das primeiras plantas industriais, ela voltou a receber destaque recentemente.
No momento, apenas dois grupos possuem plantas de E2G em escala comercial: a Raízen, com a unidade Costa Pinto, localizada em Piracicaba (SP); e a GranBio, com a Bioflex, que fica em São Miguel dos Campos (AL). E o atual objetivo das duas companhias é a expansão.
A Raízen quer chegar a 20 plantas de E2G anexadas a suas usinas, enquanto a GranBio pretende aumentar a capacidade da sua unidade para 60 milhões de litros por ano, negociando o licenciamento para outras empresas da tecnologia de fabricação que utiliza.
Durante a safra 2020/21, a Raízen produziu 24 milhões de toneladas de etanol celulósico; em 2022/23, o volume subiu para 30,3 milhões de litros (+64%).
“A eficácia de nossa tecnologia e processos produtivos corroboram nossa visão de expansão de mercado, com oito novas plantas que já estão anunciadas e que serão construídas até 2027”, afirma a companhia, em seu relatório de divulgação de resultados. “A Raízen já é a referência global no mercado de E2G, com contratos de longo prazo da ordem de 4,3 bilhões de litros”, completa.
Por sua vez, a GranBio tem optado por priorizar a geração de energia a partir da biomassa por uma questão de custos, conforme relata o CEO da companhia, Bernardo Gradin. “Precisamos ampliar a planta para aumentar a margem de lucro”, aponta ele, que será um dos palestrantes da Conferência NovaCana 2023.
Biogás e biometano
Enquanto os investimentos em E2G parecem restritos, a aposta no biogás e no biometano tem alcançado mais companhias sucroenergéticas. Um exemplo é a Uisa (antiga Usinas Itamarati), que recentemente obteve um financiamento de R$ 80 milhões junto ao BNDES para construir uma unidade de produção de biometano e energia elétrica em Nova Olímpia (MT). O investimento total previsto é de R$ 220 milhões.
Em entrevista ao NovaCana publicada em setembro de 2022, o gerente de sustentabilidade da empresa, Caetano Grossi, afirmou que as práticas ESG (sigla em inglês para princípios ambientais, sociais e de governança) são um “caminho sem volta”. “No passado era uma obrigação, mas hoje passa a ser uma oportunidade”, destaca.
Na ocasião, o painelista da Conferência NovaCana 2023 comentou diversas ações da Uisa, como o reaproveitamento de resíduos para adubação e a aposta em biogás. “Cerca de 25% da nossa frota rodoviária pode ser substituída por [veículos movidos a] biometano”, projetou, referindo-se ao produto refinado.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o biogás produzido pelo setor sucroenergético caminha para uma participação cada vez maior na matriz energética brasileira. Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2032), elaborado pela EPE, o potencial é de 2,1 GW médios de geração de eletricidade até 2032.
A EPE também considera a possibilidade do uso de biometano em substituição ao diesel. “A produção de biometano da vinhaça e torta de filtro seria suficiente para suprir cerca de 20% da demanda de diesel A do setor agropecuário. Caso se considerem as palhas e pontas, o segmento seria autossuficiente”, aponta a entidade.
Parceira da Uisa e da Raízen em seus projetos na área, a Geo Biogás & Tech estima a implantação de 70 plantas de biogás em usinas sucroenergéticas até o final desta década. Em entrevista feita em maio de 2022, o CEO da empresa, Alessandro Gardemann, afirmou que as iniciativas já anunciadas são só o começo.
“Temos 35 usinas na Raízen e a ideia é fazer em outras 35 unidades de cana até o final da década, o que daria um potencial de mais 3 milhões de metros cúbicos de gás por dia. É explorar e replicar os modelos de negócio via tecnologias desenvolvidas”, relata.
De acordo com ele, embora as plantas maiores se beneficiem mais com os projetos de biogás, tornando-se mais competitivas, o modelo funciona para todos os tamanhos de plantas. “Queremos fazer com todo mundo. O bom é que o biogás é democrático”, complementa.
Este potencial também chamou atenção do setor financeiro. Em fevereiro deste ano, a FG/A Gestora anunciou a criação de um fundo de R$ 300 milhões para fomento de biogás, desenvolvido em parceria com o BNDES.
“Considerando que o fundo tem um prazo inicial definido em dez anos e que podemos falar em 15 projetos, renovados a cada cinco anos, estamos falando de 75 projetos ao longo do período. Teremos inúmeros ganhos do ponto de vista socioambiental, com captura de carbono e geração de empregos diretos e indiretos”, disse o sócio de estruturação agro da empresa, Lucas Burin.
Biocombustíveis de aviação
Outra oportunidade para as sucroenergéticas está nos ares – e ela pode permitir alcance a um mercado global. Aproveitando sua experiência com E2G, a GranBio também está investindo na fabricação de combustível sustentável de aviação (SAF) feito a partir do etanol celulósico.
A companhia recebeu uma subvenção, no valor de US$ 80 milhões, do governo dos Estados Unidos para construir uma planta em escala intermediária, que poderá produzir entre 6 milhões e 8 milhões de litros por ano. A partir dela, poderá ser construída uma indústria em escala comercial, com produção de até 400 milhões de litros por ano.
“A nossa estimativa é que, ao longo desse caminho de demonstrar a tecnologia de biomassa para SAF, a gente considere, no futuro, converter a planta de Alagoas [Bioflex] em SAF. Mas, hoje, o foco é etanol celulósico”, detalha Bernardo Gradin, em entrevista concedida em fevereiro.
Em relação à comercialização do SAF, o executivo conta que o país norte-americano criou um mecanismo de preço para o biocombustível, que combina um prêmio de carbono com a compensação de impostos, fazendo com que os valores quase dobrem em comparação ao querosene convencional.
Outra companhia que está investindo em SAF é a Geo Biogás & Tech. No final de 2022, a empresa anunciou um aporte de R$ 15 milhões para a construção de uma planta-piloto em unidades de geração de biogás no Paraná. O projeto, que terá capacidade inicial para 660 litros por dia, deve utilizar resíduos de cana-de-açúcar, como vinhaça e torta de filtro.
A aposta no SAF é bem fundada no mercado, já que as companhias de aviação civil têm um acordo internacional para reduzir suas emissões. Ao mesmo tempo, a União Europeia estabeleceu metas para as aéreas aumentarem o uso de combustíveis sustentáveis e, para completar, os EUA estão dando incentivos à indústria para fazer a transição.
Hidrogênio verde
Em debate no Senado, a produção de hidrogênio verde pode ser realizada a partir de diversas fontes de energia renovável. Ainda assim, uma das principais apostas do Brasil está no setor sucroenergético. De acordo com a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), o país tem potencial para produção de 20 mil toneladas de hidrogênio verde por dia a partir de biometano, alcançando sete milhões de toneladas por ano.
Já segundo cálculos da Hytron divulgados em novembro de 2021, uma usina de etanol pode produzir até 17,76 quilogramas de hidrogênio verde por tonelada de cana-de-açúcar. Conforme o diretor comercial da companhia, Daniel Lopes, o etanol permite a produção de hidrogênio sem intermitência, o que não ocorre a partir das energias eólica e solar.
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No momento, um dos principais investimentos na área veio da Yara Brasil Fertilizantes. A companhia firmou um contrato de cinco anos com a Raízen para o fornecimento de 20 mil metros cúbicos de biometano por dia. Este produto será utilizado pela Yara para a produção de hidrogênio e amônia verde.
Para isso, o biometano deve ser injetado nos dutos da Comgás até a planta de amônia da Yara em Cubatão (SP). “O fornecimento do biometano será efetuado por meio do portfólio da Raízen, utilizando os resíduos do processo de produção de etanol, vinhaça e torta de filtro, nos parques de bioenergia do grupo”, disse a Raízen, em nota.