Afetados pelo impacto da disparada do dólar sobre os preços dos insumos, os pecuaristas brasileiros deverão amargar quedas significativas em seus lucros operacionais neste ano. O quadro tende a agravar a situação dos criadores menos produtivos, que já vinham perdendo espaço para o avanço da agricultura e registravam retornos próximos de zero. Mas os pecuaristas mais tecnificados também não passarão incólumes. Ainda que a rentabilidade desses produtores permaneça bem acima da média, a maior utilização de insumos “dolarizados” levará a quedas de quase 30% em seus lucros.
“Quem não está investindo, já está no vermelho há muito tempo. E a situação vai piorar”, disse Newton Teodoro, gerente de bovinos da Phibro, companhia especializada na produção de aditivos usados na ração animal, como promotores de crescimento. Mas não é só. O cenário mais difícil também tende a adiar a decisão de pecuaristas que consideravam investir em pastagens, adubos e ração, por exemplo. “Para esse criador, é o pior cenário. Em pouco anos ele vai deixar a atividade”, disse.
“A pecuária vai admitir cada vez menos um pacote tecnológico mais baixo”, concorda o coordenador de pecuária da Agroconsult, Maurício Nogueira. Mas o desafio não se restringe aos menos produtivos. Em tempos de custos mais altos, alerta, um erro comum a ser evitado pelos pecuaristas acostumados ao uso de tecnologia é diminuir o uso de milho – o grão é bastante utilizado na alimentação do gado bovino nos sistemas intensivos de engorda.
Segundo Nogueira, a alta de quase 50% dos preços do milho assustou os produtores. “O produtor muitas vezes reage tirando o pé do acelerador, mas é a decisão errada”. O especialista diz que, ao diminuírem o uso de milho para economizar, os pecuaristas perdem produtividade. E que, para reverter a queda da lucratividade, a solução é investir mais.
De toda maneira, o cenário provável é de lucro substancialmente menor neste ano. Para compreender como o lucro dos pecuaristas deve se comportar é preciso levar em considerar os diferentes tipos e perfis da atividade – bastante heterogênea.
Ainda que não existam estatísticas precisas, é possível dizer que a maior parte do rebanho brasileiro – de mais de 200 milhões de cabeças – é criada no chamado “ciclo completo”, em que o produtor cria os bezerros até que eles sejam comercializados como boi gordo.
No atual cenário, produzir o próprio bezerro é uma vantagem, afirma o gerente-executivo da Associação Nacional de Confinadores, Bruno Andrade. “A nossa percepção é que produtor de ciclo completo sai ganhando”. Explica-se: em um ano, o preço do bezerro subiu 5,8% em Mato Grosso do Sul, por exemplo.
Diante disso, os produtores que atuam só nas atividades de recria (do bezerro ao boi magro) e engorda (do boi magro até o animal pronto para ser vendido ao frigorífico) devem sofrer mais. “Esse vai ter aperto de margem maior”, diz Nogueira.
Pelas projeções da Agroconsult, o lucro operacional do produtor de nível tecnológico mais baixo – cuja produtividade fica entre 1 e 3 arrobas (cada arroba tem 15 quilos) por hectare ao ano – que tem ciclo completo será de R$ 23,00 por hectare, 15% menos que em 2015. Mas o problema é ainda maior para os pecuaristas de baixo nível tecnológico que atuam na recria e engorda. Nesse caso, o resultado operacional, que já ficou negativo em R$ 10 por hectare em 2015, deve se deteriorar mais e ficar negativo em R$ 14,00.
Nogueira explica que, nas fazendas onde o pacote tecnológico é mais baixo, a produção é em geral extensiva e utiliza poucos insumos. Na prática, esse pecuarista só oferece metade do sal mineral que o gado necessita. Outras práticas, como adubação de pastagens e investimentos em genética, sequer são aplicadas. A alimentação, ademais, é somente o pasto.
À medida que o nível de tecnologia aumenta, essas práticas ganham importância. Com isso, o impacto do dólar no custo de produção também cresce. O sal mineral, por exemplo, contém fosfato – cotado em dólar. Quando chegam ao pacote tecnológico mais elevado, os grãos (milho e farelo de soja), também passam a fazer parte dos cálculos.
É por esse motivo que o produtor mais tecnificado sofrerá um tombo maior de seu resultado operacional, ainda que ele continue positivo. Conforme a Agroconsult, o pecuarista que tem uma produtividade entre 26 e 38 arrobas por hectare ao ano – a mais elevada – e atua na recria e engorda terá uma redução de 28% em seu lucro líquido, para R$ 658,00 por hectare. No ciclo completo, a queda é de 10%, para R$ 1.125,00.
“Com muita sorte, minha média de venda de preço de gado vai ser igual à do ano passado. Mas meu custo aumenta de 12% a 15%”, prevê Rodrigo Augustine, administrador da Fazenda Shangrilá, localizada em Alta Floresta (MT). O custo maior se deve à adubação de pastagens e suplementação mineral.
Nesse contexto de lucros menores, as indústrias de insumos para pecuária – veterinária e nutrição animal – não estão conseguindo repassar a alta do dólar integralmente. Conforme o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), Emílio Salani, a estratégia tem sido repassar ao menos inflação (em torno de 10%), mas ele reconhece que as margens da indústria são afetadas em alguns casos, tendo em vista que a alta do dólar foi muito maior e que produtos importantes como o vermífugo ivermectina são feitos a partir de matéria-prima cotada em dólar.
Na DSM, líder no mercado brasileiro de nutrição para bovinos com marca Tortuga, o repasse da alta do dólar também não é integral. “Todas as empresas vão ter que estrangular algumas margens”, reconhece Túlio Ramalho, diretor de vendas para ruminantes da empresa. Mesmo assim, há quem não abra mão de repassar integralmente a variação cambial. “Somos forçados a repassar”, afirma Sérgio Morgulis, diretor da Minerthal, de nutrição animal.
Fonte: Valor