Dólar ainda compensa queda do preço da soja

Ainda que as tensões com o elevado custo de produção nesta safra 2015/16 tenham se acirrado no Brasil em função da escalada do dólar, a moeda americana firme continua a compensar a queda dos preços da soja na bolsa de Chicago.

Em importantes praças produtoras do País, os preços da saca de 60 quilos em real chegam a estar quase 30% maiores que no mesmo período do ano passado. O cenário aumenta a expectativa de que, a continuar o câmbio nos patamares atuais, os agricultores tenham mais um ciclo de margens positivas – um estímulo importante para turbinar a produção no País, que poderá superar as 100 milhões de toneladas pela primeira vez.

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Cálculos feitos pela Agroconsult a pedido do Valor indicam que, no período de 12 meses encerrado em 18 de setembro, a associação entre o recuo da commodity em Chicago e fatores locais – como frete e prêmios de exportação – fez com que os produtores perdessem R$ 20,20 por saca, tomando-se por base o município de Sorriso, em Mato Grosso. Mas, na direção contrária, a disparada do dólar permitiu ganhos de R$ 31,90, o que resulta em um saldo positivo de R$ 11,70 por saca. Somente em setembro, também até o dia 18, a pressão negativa de Chicago tirou R$ 1,34 da saca, mas o dólar agregou R$ 6,54.

Ao longo de 2015, reações momentâneas do real fizeram a relação entre as cotações da soja e o câmbio ficar desfavorável para os produtores brasileiros. Entretanto, o recente repique do dólar – que já está encostado em R$ 4,00 -, deixou a equação mais vantajosa para os agricultores e amenizou a tensão com os preços da oleaginosa, em espiral decrescente nos últimos meses devido à superoferta global da commodity.

Em Ponta Grossa, no Paraná, o preço médio da soja pago ao produtor está em R$ 68,92 este mês, 27,9% acima do mesmo período de 2014. Em Rio Verde, em Goiás, a alta chega a 20,6% na mesma comparação. Em Mato Grosso, que lidera a produção nacional, as elevações também são expressivas: a cotação no atacado subiu 26,3% em Rondonópolis e 22,2% em Sorriso. “Se estivéssemos com o dólar próximo de R$ 2,30, como há um ano, teríamos crise no setor”, diz Fabio Meneghin, analista da Agroconsult.

Com os novos ajustes impostos pelo câmbio, as estimativas de rentabilidade foram naturalmente revisadas para cima. Em maio, a consultoria previa que os produtores do médio-norte de Mato Grosso teriam nesta safra 2015/16 uma margem positiva, mas apertada: de R$ 165,00 por hectare, contra os R$ 742,00 de 2014/15 – que inclui os custos operacionais e a depreciação das máquinas. A projeção, contudo, subiu para R$ 643,00.

“Essa margem já está bem perto das observadas nos anos anteriores, mesmo com todo aumento de custos que está nessa conta”, afirma Meneghin. Para o Paraná, a expectativa de rentabilidade passou dos R$ 486,00 previstos há quatro meses para R$ 860,00 por hectare.

Mais cauteloso, o Rabobank espera que a margem dos produtores paranaenses se aproxime dos R$ 500,00 por hectare em 2015/16, enquanto a dos mato-grossenses fique na casa dos R$ 400,00 por hectare – o que, ainda assim, representaria um retorno de 18% a 24% sobre os custos operacionais. O cenário é completamente diferente do projetado para os EUA, onde o banco holandês espera margens de 5% a 10% negativas.

Renato Rasmussen, analista do banco, diz que o produtor brasileiro está resguardado enquanto o dólar permanecer acima de R$ 3,80 e a soja estiver pelo menos a US$ 7,50 o bushel em Chicago. “Acima desse valor, a commodity já dá margem positiva nesse cenário”, afirma. Atualmente, a oleaginosa oscila entre US$ 8,70 e US$ 8,80 na bolsa americana.

Mas nem mesmo as margens aparentemente sob controle têm conseguido aplacar o mau humor dos produtores. O motivo, de acordo com Rui Prado, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), é o elevado endividamento, que ganhou contornos dramáticos com o crédito rural mais curto e mais caro desta safra.

A preocupação é maior entre os grandes produtores que estão alavancados em dólar – diferentemente dos pequenos e médios, que costumam ter a maior parte das dívidas em real. “O agricultor que está com prestações de investimentos em dólar está pior, porque o preço da soja em dólar caiu 20% de um ano para cá”, diz Prado.

A volatilidade da moeda americana corrobora a tensão. “Estamos começando o plantio da soja com o dólar próximo de R$ 4,00. Mas e se o câmbio piorar? O ciclo fecha e o produtor fica prejudicado”, afirma o dirigente.

Ao menos por ora, as projeções majoritariamente confiantes na firmeza do dólar servem de conforto ao setor, assim como a expectativa de que o preço da soja tenha pouco espaço para ceder. “A queda já foi muita intensa. Assim, esperamos que a commodity permaneça entre US$ 8,70 e US$ 9,00 até o fim do ano”, estima Rasmussen.

Com margens globais em geral mais estreitas e uma relação estoque-consumo no maior patamar em uma década, a tendência é que a soja enfrente em breve uma redução de área plantada no mundo – e, nesse cenário, o Brasil também está em posição privilegiada. “O dólar tem protegido o produtor brasileiro, então a retração provavelmente virá dos EUA e até da Argentina, que têm sido menos beneficiada com a alta da moeda americana”, prevê Rasmussen.

 

Fonte: Valor Econômico

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