A extinção dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário e a constituição de único ministério, o “Ministério do Desenvolvimento Rural”, a reestruturação de uma política sólida e efetiva de seguro agrícola, além de uma ação de maior agressividade no confronto com as barreiras comerciais ainda existentes. Essas são algumas das propostas contidas no documento “A economia agropecuária brasileira – o que fazer? ”, uma carta dirigida às autoridades brasileiras contendo 28 proposições urgentes a serem adotadas no setor.
A carta foi apresentada, nesta segunda-feira (02), durante a Reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura (Conseagri), dentro da programação da ExpoZebu, no Parque Fernando Costa, na cidade de Uberaba, em Minas Gerais.
O documento é assinado pelos secretários estaduais de Agricultura do Espírito Santo, Octaciano Neto, e de São Paulo, Arnaldo Jardim, pelo sociólogo e pesquisador da Embrapa, Zander Navarro, pelo economista e pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, Antônio Márcio Buainain, pelo economista e pesquisador da Embrapa, Eliseu Alves, e pelo economista e diretor-presidente da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros.
A carta traz uma série de ações que podem ser adotadas para o enfrentamento da atual crise econômica e que estão centradas nos pressupostos de que as iniciativas precisarão conformar-se a uma rígida escala de prioridades e de que a dinamização produtiva do setor agropecuário é uma das principais vias de superação da atual crise econômica, por seus efeitos de capilaridade virtuosa em todo o restante da economia, também influenciando positivamente inúmeras regiões do interior.
O secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca do Espírito Santo, Octaciano Neto, reforça que o objetivo da carta é apresentar ao Governo Federal medidas que irão contribuir para a criação de políticas públicas pensadas em conjunto para o setor agropecuário, e que consecutivamente podem ajudar o Brasil a alavancar o seu Produto Interno Bruto (PIB).
“Nós estamos discorrendo sobre um conjunto de medidas para que, em curto prazo, a agropecuária possa ajudar o Brasil a sair dessa recessão, que acontece pelo segundo ano seguido. Entendemos que só a agropecuária conseguirá dar essa resposta rápida ao país, mas antes é preciso que as políticas públicas voltadas ao setor sejam concentradas, pensadas em conjunto, para que contemplem tanto a agricultura familiar como a empresarial, para que as obras de infraestrutura que irão fazer a diferença na vida dos trabalhadores sejam priorizadas, e para que outras demandas sejam atendidas”, explicou Neto.
Os temas propostos organizam-se em torno de eixos estratégicos, os quais sustentam que a economia agropecuária e suas organizações devem:
– Fomentar o crescimento produtivo e ampliar o comércio global, assegurando assim que o setor possa manter seu indiscutível papel positivo na economia, sobretudo em um período de crise;
– Fomentar os investimentos, desde aqueles em torno das cadeias produtivas, incluindo a recuperação do setor de bioenergia, ou então aqueles destinados à infraestrutura logística;
– Mitigar tensões sociais no campo, a partir de uma forte estratégia de debates públicos com as diversas organizações e os atores sociais envolvidos;
– Liderar a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil, a qual possa ser posta efetivamente em execução a partir de 2017-2018.
Confira, abaixo, o conjunto de propostas apresentas na Carta:
1) Estabelecer prioridades (em face dos recursos escassos) no tocante ao aperfeiçoamento rápido da infraestrutura que maximize o crescimento sustentável e sustentado do setor nos próximos anos;
2) Ajustes no programa de financiamento destinado à construção de armazéns privados;
3) Encaminhamento da solução definitiva da expansão e da qualidade da malha viária que liga o Centro Oeste aos portos e pontos de embarque e, finalmente, a modernização dos portos de exportação;
4) Concretizar uma ação de colaboração estatal e privada efetivamente agressiva em relação aos mercados de exportação, realizando esforços de conhecimento acerca da segmentação desses mercados em termos dos níveis de renda e as características das demandas diferenciadas;
5) Estabelecer programas de estímulos (creditícios ou de outra natureza) destinados ao aumento da produção sustentável, baseada fundamentalmente em ganhos de eficiência e elevação da produtividade;
6) Reestruturar uma política sólida e efetiva de seguro agrícola;
7) Garantir a permanência nos mercados internacionais já conquistados, mas ensejando esforço mais robusto para conquistar a exportação de mercadorias agropecuárias brasileiras também em novos mercados;
8) Ação de maior agressividade no confronto com as barreiras comerciais ainda existentes, sempre ressaltando que o comércio externo é absolutamente fundamental e não pode falhar, pois, se assim não for, destruiria tudo o que já foi conquistado em termos da modernização da agropecuária brasileira;
9) Intensificar o diálogo e as parcerias com o setor privado da agropecuária;
10) Concretizar em proporções crescentes uma “agricultura de precisão”, expressão que sugere a combinação de diversas tecnologias, inclusive de gestão, as quais poupem recursos naturais, maximizem as sinergias internas aos estabelecimentos, potencializem a eficiência tecnológica e econômica e ampliem as chances de rentabilidade final da atividade;
11) Difundir mais informações para minimizar as imperfeições de mercado e oferecer mais chances de sobrevivência aos produtores de menor porte econômico;
12) Avançar muito mais na concretização de uma “agropecuária sustentável”;
13) Aprofundar a consciência ambiental dos produtores. O Código Florestal, no geral, foi um avanço para esse objetivo, mas é preciso realizar mais para garantir a eficiência econômica e produtiva em correspondência com a sustentabilidade ambiental;
14) Estabelecer uma lógica de ação governamental muito mais consistente e consequente. A existência de dois ministérios competidores entre si, um dedicado à agricultura empresarial e o outro aos produtores mais pobres, perdeu o seu significado. Propõe-se a extinção de ambos, o MAPA e o MDA, e a constituição de único ministério, o qual poderia ser intitulado “Ministério do Desenvolvimento Rural”. O novo ente público poderá criar sinergias operacionais, reduzir custos e estabelecer uma estratégia de ação governamental que não promova a divisão social, mas, pelo contrário, estimule as formas de cooperação entre os produtores, sobretudo as organizacionais;
15) A política de redistribuição de terras mostrou-se incapaz de oferecer chances econômicas às famílias rurais mais pobres e não alterou os índices de concentração fundiária. Como não existe mais demanda social pelo acesso à terra, a extinção do INCRA é apenas a consequência lógica e deveria ser substituído por um “Instituto de Terras”, conforme propõe o próprio sindicato dos técnicos daquela instituição;
16) Os assentamentos rurais deverão ser objeto de políticas públicas destinadas ao grande público dos pequenos produtores (a chamada “agricultura familiar”), sem nenhuma distinção programática entre as categorias de produtores;
17) Organizar mais eficientemente um serviço de defesa sanitária, assegurando a proteção da produção e seus riscos sanitários, introduzindo cuidados que os mercados e a população exigem e, assim, reduzindo ao mínimo as ameaças desse campo;
18) Atualização correspondente às transformações estruturais das políticas mais tradicionais que fazem parte do cardápio atual do MAPA e do MDA. Para isso, é urgente o desenvolvimento de um conjunto de mudanças administrativas, no âmbito do Estado e na esfera privada, para criar uma genuína agenda de ações nas regiões rurais que possa promover a prosperidade social, com equidade, inclusão produtiva e sustentabilidade;
19) Instituir e atualizar regularmente a lei agrícola do Brasil, organizando normativamente o funcionamento da ação governamental e justificando o conjunto de políticas existentes;
20) Estabelecer diversas iniciativas e esforços, ainda que sob uma forma “piloto”, em regiões determinadas e sob empreendimentos específicos, para desenvolver a miríade dos novos produtos que estão sendo propostos. Desde os biocombustíveis de “novas gerações” aos plásticos biodegradáveis que talvez possam ser gerados pelo setor alcoolquímico, dos alimentos nutracêuticos ànanucelulose;
21) Esforço de urgência estratégica se relaciona ao conhecimento fino das demandas dos consumidores oriundas dos múltiplos mercados, seja o interno ou os mercados globais;
22) Esforço forte e efetivo necessita ser incentivado em relação à multiplicação das cooperativas, beneficiando-se das experiências bem-sucedidas já existentes, sobretudo no Sul do Brasil, as quais poderão servir de modelos de êxito para regiões e atividades nas quais se concentrem atividades agrícolas mantidas por pequenos produtores;
23) Minimizar a pobreza rural irá demandar a combinação de diversas ações, sobretudo públicas, para criar mais oportunidades para as famílias rurais afetadas;
24) Desenhar, com urgência, uma estratégia específica para o Nordeste rural, onde se concentra a metade das famílias rurais consideradas tecnicamente pobres. A ação deverá combinar iniciativas agronômicas e produtivas, assistência técnica apropriada e políticas públicas de sustentação de renda mínima, as quais garantam melhores condições de vida;
25) Se não for desenhada uma estratégia correta destinada a esse vastíssimo grupo social de pequenos produtores, atualmente encurralado pelas forças econômicas e pelos processos sociais e demográficos nas regiões rurais, o Brasil poderá repetir, no próximo decênio, o mesmo fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, entre o pós-guerra e até o final da década de 1970, que foi a eliminação de pouco mais da metade dos imóveis rurais existentes;
26) A pesquisa agrícola é um pressuposto essencial à continuidade do processo de aperfeiçoamento produtivo do setor. Mas o chamado “sistema nacional de pesquisa agrícola” (Embrapa, e os organismos estaduais de pesquisa agrícola) precisa passar por uma reestruturação que o faça mais afinado com as exigências atuais do crescimento agropecuário;
27) Especificamente em relação à Embrapa, duas exigências em relação ao período vindouro são necessárias. A primeira delas é instituir normativamente um processo de ocupação de seus cargos dirigentes que seja essencialmente público, transparente e fundado exclusivamente no mérito. O segundo tema diz respeito ao forte investimento que a Empresa deveria realizar no campo da “biologia pura”, pois é campo multidisciplinar no qual as tendências de transformação produtiva mais têm avançado;
28) Atualização da legislação trabalhista, em face da natureza distinta das atividades agropecuárias. A legislação não atende a essas especificidades e, também, às mudanças que vêm ocorrendo no campo, as quais exigiriam adaptações diversas. Esse é tema de difícil discussão política, mas precisará ser enfrentado nos anos vindouros, como uma exigência para a continuidade da modernização do setor.
Fonte: Estadão Conteúdo – publicado no site Canal Rural