Divergências ainda impedem mudança na lei das cultivares

Desde que decidiu mudar a lei que protege as cultivares desenvolvidas para a agricultura no Brasil, com o intuito de obrigar os agricultores a pagarem royalties sobre as sementes plantadas para uso próprio – as sementes salvas -, o Congresso Nacional alimenta uma disputa que parece não ter fim. No agronegócio, até há consenso de que a lei, em vigor desde 1997, precisa ser revista para remunerar melhor as empresas de genética (obtentores) e estimular pesquisas em culturas carentes de inovação há anos. Mas o teor dessa revisão esbarra nas crescentes resistências vindas das mais diferentes frentes.

Quase dois anos já se passaram desde que o projeto de lei 827/2015 começou a tramitar na Câmara, com o objetivo de conciliar os interesses dos obtentores, sementeiros (multiplicadores) e produtores. Mas até hoje nenhuma das partes chegou a um consenso sobre a melhor forma de remunerar quem desenvolve pesquisas com germoplasma de sementes protegidas. O projeto versa sobre sementes convencionais, já que as transgênicas obedecem a outra lei.

De um lado estão produtores de culturas como soja, algodão, e trigo. Eles aceitam pagar às obtentoras de tecnologia, desde que participem da definição dos royalties e da forma de recolhimento e aplicação dos recursos arrecadados. A Aprosoja Brasil, que representa produtores de grãos, admite que os agricultores paguem pela semente salva o mesmo valor cobrado pela semente adquirida (R$ 15 o saco de 40 quilos). Mas defende que parte do valor arrecado seja destinado a pesquisas, por exemplo. A Abrapa, entidade de cotonicultores, vai na mesma linha e sustenta que, assim, pesquisas com algodão não-transgênico, cujas variedades são mais produtivas, poderiam ganhar força.

Do outro lado da corda está quase todo o resto da cadeia produtiva. Desde obtentores, que não abrem mão de receber 100% dos royalties e defendem sanções penais mais duras contra sementes piratas, até grandes confederações de classe, que não querem a cobrança sobre as sementes salvas por temem o encarecimento geral do insumo.

A lei de proteção de cultivares funciona no país como uma espécie de lei de patentes exclusiva para vegetais. Define que, no período de proteção de uma semente ou muda, hoje de 15 anos, apenas a empresa que lançou uma cultivar pode comercializá-la, desde que a registre no Ministério da Agricultura – nos 19 anos em que a lei está em vigor, 3.081 variedades foram protegidas.

Mas, nas sementes salvas muitas vezes por várias safras, exceto no caso da cana-de-açúcar, não incidem os royalties pela tecnologia empregada na variedade em questão. Diante das divergências, o relator da proposta na comissão especial Congresso, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), tentou levar seu parecer à votação pelo menos duas vezes desde junho, sem sucesso, e na semana que vem fará outra tentativa. Na última ofensiva para tentar encaminhar o tema, Leitão se reuniu recentemente com todas as partes envolvidas e passou a cogitar acatar pleitos específicos de cada uma delas. Mas o impasse permanece.

 

tab

 

O epicentro da discórdia no relatório de Leitão é a parte que trata de uma proposta dele próprio: a criação de “Grupos Gestores de Cultivares”, que teriam a missão de fazer a gestão dos royalties sobre as sementes salvas. Esses grupos seriam nacionais, divididos por cultura e compostos por uma entidade dos obtentores, uma dos produtores e outra dos sementeiros. Pela proposta, cada grupo se encontraria uma vez por ano e teria autonomia para estipular qual o valor dos royalties a ser cobrado sobre cada cultura, a forma de destinação e se os royalties seriam cobrados no plantio ou na colheita.

A Braspov, que representa 26 obtentoras de tecnologia vegetal, entre elas a multinacional americana Monsanto e a estatal brasileira Embrapa, defende royalties sobre sementes salvas somente para propriedades maiores, acima de quatro mil módulos fiscais, enquanto o relatório de Leitão só exclui da lista fazendas com menos de 150 hectares.

Ivo Carrara, presidente da Braspov, reclama que o projeto começou a tramitar “na calada da noite”, e que as obtentoras foram pouco ouvidas. Ele argumenta que a lei atual é muito permissiva com a semente salva, e que muitos produtores se aproveitam disso para viver na ilegalidade. Já Francisco Soares, diretor-presidente da TMG, obtentora de capital nacional que disputa mercado com as multinacionais, defende a cobrança de royalties sobre semente salva, sob o risco de empresas de pesquisa menores como a dele serem “engolidas” pelas grandes múltis no futuro. “Se nada mudar, a tendência é que a TMG seja vendida para uma grande”, disse.

Reginaldo Minaré, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), critica o “excesso de poder” nos grupos de cultivares. E diz que até hoje também não se sabe se o produtor que salva sementes precisará comunicar diretamente o fato ao obtentor ou se recolherá royalties quando entregar seu produto a uma trading.
Por sua vez, a OCB, confederação que representa as cooperativas, é totalmente contra o projeto e teme que haja ônus tributário sobre o recolhimento de royalties.

“Se as pesquisas na agricultura caíram no país e 35% dos produtores brasileiros não pagam royalties sobre semente salva, porque não cobrar? Não estou a serviço de nenhuma multinacional e farei questão de manter o projeto”, afirmou Leitão ao Valor. Segundo ele, o que vem travando o projeto, no entanto, são “conflitos de entidades” que reivindicam poder nos grupos.

Um exemplo que ganha força na área de proteção de cultivares é o da cana. Para William Lee Bumquist, diretor de Melhoramento Genético do Centro de Tecnologia da Cana (CTC), sem a exceção para a cultura dada na atual lei, não haveria tanta pesquisa em desenvolvimento de cultivares, por órgãos e instituições públicas e privadas. Bumquist defende que a regra se mantenha para a cana, mas que o período de proteção para a cultura seja ampliado de 15 para 25 anos – como acatado pelo relator do PL não só para a cana, mas também para frutas, setor florestal, plantas ornamentais. Para as demais culturas, Leitão ampliou o prazo de proteção dos atuais 15 para 20 anos.

 

Fonte: Valor Econômico

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp