Os investimentos em etanol de milho não param. De acordo com acompanhamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP), no final de junho, seis usinas estavam em construção e oito em ampliação. Em conjunto, estas unidades podem acrescentar, diariamente, até 4,29 milhões de litros de hidratado e outros 3,27 milhões de litros de anidro à produção brasileira do biocombustível.
Além disso, é preciso considerar que as plantas que processam o cereal já ocupam uma parte significativa do mercado. Em 2022, dos 25,84 bilhões de litros do renovável entregues às distribuidoras, 16,2% saíram das usinas de etanol de milho, o equivalente a 4,2 bilhões de litros.
Mas é preciso olhar para diversos fatores a fim de entender a capacidade de crescimento deste segmento, os atuais desafios e os próximos passos. Por conta disso, a sexta edição da Conferência NovaCana, que acontece em São Paulo nos dias 4 e 5 de setembro, convidou o diretor de novos negócios e planejamento estratégico da Cerradinho, Renato Pretti.
Na ocasião, ele fará uma palestra sobre as perspectivas para o setor. Entre os tópicos a serem abordados estão: preço de milho, influência do clima, mercado de coprodutos, potencial para crescimento da capacidade de produção de etanol e os principais gargalos.
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A seguir, confira uma entrevista exclusiva realizada com Pretti sobre alguns dos temas que devem marcar presença no evento.
Para começar, você poderia falar sobre a planta da Cerradinho em Maracaju (MS)? A perspectiva para início das atividades segue sendo para outubro?
A obra está caminhando bem e estamos dentro do cronograma esperado. No mês de julho, nós devemos ter o primeiro recebimento de milho e, assim, começamos a formar o nosso estoque. Ou seja, uma parte da planta já está pronta. E no último trimestre deste ano, a previsão é que seja entre novembro e dezembro, a gente deve começar a processar milho e, consequentemente, produzir etanol, DGG e óleo.
No ano passado, a Cerradinho ampliou sua capacidade de produção de etanol de milho em Chapadão do Céu (GO). Como está a produção na unidade?
Nós aumentámos em 50% a 60% a nossa capacidade instalada e a operação está indo bem. Conseguimos autorização da ANP para entrar em operação e, além deste acréscimo, também agregamos o etanol anidro ao portfólio de produtos da Neomille, a subsidiária de etanol de milho da CerradinhoBio, algo que não tínhamos.
Falando de etanol de milho de uma forma mais ampla. O setor tem crescido vertiginosamente nos últimos anos e a União Nacional do Etanol de Milho (Unem) estima que, até 2030, alcance uma produção anual de 10 bilhões de litros. Será mesmo possível chegar a esse número?
Eu acho que, quando nós olhamos para o retrovisor, podemos entender que o setor tem uma grande capacidade de acelerar crescimento e de crescer. Quanto mais você aumenta sua base, mais aumenta a sua capacidade de crescimento. Mas eu também acho que temos desafios importantes. Nós crescemos impulsionados por uma janela onde o custo de capital era menor, o patamar de capex era menor e a relação entre o preço do etanol e o do milho também era melhor que hoje. Além disso, tinha uma política clara de precificação de etanol. Então, aproveitamos aquela janela e o setor cresceu bem, criou essa base e tem toda a capacidade para crescer mais.
Você pode falar um pouco mais sobre esses desafios?
Um deles é a disponibilidade de biomassa, que é uma equação importante para esse tipo de projeto; via de regra, uma tonelada de milho processada demanda meia tonelada de biomassa de cavaco. Acho que isso é um desafio que temos que superar caso a caso, região por região. Outro ponto é a política de preço de combustíveis, pois não temos uma visibilidade clara de como vai ser e isso pode amarrar um pouco o crescimento. Tem ainda o contínuo desenvolvimento do mercado de coprodutos. Acho que o mercado tem muita capacidade e o Brasil é um player crítico de nutrição animal e proteína, mas temos que ter capacidade de entendimento e desenvolver esse mercado da maneira mais sincronizada possível.
Você mencionou a questão da biomassa. Usinas flex ou próximas a unidades de cana-de-açúcar podem ter acesso ao bagaço para usar nas caldeiras, enquanto usinas full nem sempre conseguem contar com essa biomassa. Como você vê este contexto de fornecimento para as usinas considerando que a Cerradinho, por exemplo, possui uma usina em cada modelo?
Quanto comparamos os dois modelos de negócio – uma planta stand alone, greenfield, e uma conectada a uma usina de cana-de-açúcar –, logo de cara já se vê uma vantagem óbvia, pois a cana-de-açúcar tem toda uma estrutura. Especialmente, a nossa usina em Chapadão do Céu tem ativos de cogeração suficientes para suprir uma planta de etanol de milho do porte da nossa. Então, nós não investimos em cogeração e, obviamente, isso reduz capex e melhora o resultado do projeto. Assim, na nossa usina em Goiás, estamos equacionados. Não usamos só o nosso bagaço; logicamente, o bagaço é muito importante, mas também consumimos um pouco de cavaco de eucalipto na região. E, no Mato Grosso do Sul, nós também já estamos equacionados. Fizemos a aquisição de massas florestais, de florestas, de bagaço, enfim… Em um horizonte importante, de vários anos, estamos 100% assegurados. Eu diria que, hoje, não temos problema de suprimento de biomassa por uma estratégia que nós adotamos de constituição do case com toda a biomassa equacionada, ou boa parte dela. Isso foi parte de uma premissa nossa porque estamos vendo que esse mercado de biomassa está muito volátil, tem algumas regiões sem produto e há uma demanda muito maior que a oferta.
Empresas que não tenham tido esse cuidado de já equalizar a biomassa podem ter problemas no futuro?
Sim. Tem que equacionar, senão pode dar problema. Se isso vai ser no curto prazo, no médio prazo ou no longo prazo, depende muito. Às vezes, você não terá problema de suprimento, mas vai pagar cinco vezes mais pela biomassa. E, às vezes, você vai ter problema de suprimento. Você também pode ter que comprar um matéria-prima muito ruim, que vai danificar seus ativos de cogeração, sua caldeira. Isso depende muito da regionalidade e da estabilidade do processo, mas eu não tenho dúvida que impacta. Pode impactar muito, a ponto de ter que parar a planta, ou impactar menos, afetando condições operacionais ou de custo.
Você falou também da questão dos coprodutos. Qual é a atual importância desse mercado para as usinas e quais são as perspectivas?
No negócio de etanol de milho, de 30% a até 45% do custo do grão é coberto pela venda de coprodutos. Tem uma relação até bem direta entre o mercado de milho e o mercado de coprodutos, especialmente o de DDG. Então, naturalmente, já é um negócio mais diversificado do que o de uma planta que só produz etanol de cana. E também existem algumas possibilidades para agregar mais valor ao coproduto de tal forma que você aumente ainda mais essa participação do coproduto no negócio. Não tenho dúvida de que essa é uma avenida que nós, enquanto setor, estamos explorando. É natural que, nesse momento de estruturação do negócio, exista um foco maior em tecnologia, eficiência e rendimentos; em um segundo passo, é trabalhada essa situação de novos produtos e agregação de valor. Mas eu não tenho dúvida de que é uma avenida que vai se desenvolver muito nos próximos 10 anos.
Há margem para que os mercados dos coprodutos cresçam?
No caso do DDG, especificamente, nós estamos falando no mercado de nutrição animal. Como eu disse, tem muita correlação com outros farelos, com outros óleos, então é um mercado que tem uma vida própria. Eu vejo como o nosso desafio, hoje, a criação de pontes entre oferta e demanda. A demanda é muito mais pulverizada. Então, existem oportunidades para aumentar a capacidade de alocação no mercado doméstico. Além disso, tem todo o mercado internacional para ser explorado. É um trabalho que estamos fazendo e, naturalmente, vamos abrindo mercado. A Unem, inclusive, está nos apoiando institucionalmente nisso, dando mais visibilidade para o nosso produto.
Existe a perspectiva de exportações de DDG?
Sim. Alguns players já exportam um pouquinho de DDG como parte desse trabalho de conhecimento do mercado. Nós estamos, junto com a Unem, fazendo um trabalho mais estruturado justamente para dar visibilidade para o nosso produto e, de certa forma, nos conectar com o destino final.
Algumas usinas que produzem apenas etanol de milho, como a FS e Inpasa, têm investido no modal ferroviário para escoar o biocombustível. Você acredita que a logística do transporte realmente é um dos gargalos do setor? Como está o acesso aos principais mercados consumidores?
Não tenho dúvidas de que a logística é importantíssima porque nós estamos falando de produções e centros mais deslocados e distantes da demanda. Na hora de constituir um projeto, é preciso olhar com bastante zelo como vai ser escoado o produto. Aqui em Chapadão do Céu (GO), mesmo com a nossa localização sendo mais favorável do que no Mato Grosso – estamos próximos do estado de São Paulo –, desde 2011, quase a totalidade do nosso etanol é escoado por ferrovia. Inclusive, o grupo Cerradinho tem uma empresa chamada CerradinhoLog que tem um terminal de combustíveis em Chapadão do Sul (MS). Nós mandamos o nosso etanol por 40 km de rodovia, embarcamos na composição ferroviária e descemos até Paulínia (SP). Há 12 anos, fazemos essa operação por ferrovia. Além de, obviamente, ter uma eficiência de custo, é sempre uma operação logística mais estruturada do que ter centenas ou milhares de caminhões rodando.
Como essa questão logística vai funcionar na usina em Mato Grosso do Sul?
Em Mato Grosso do Sul, ainda não definimos. É uma região em que vemos bastante capacidade de escoamento do produto para o Sul e para São Paulo, então ainda estamos discutindo isso com os nossos clientes.
Partindo agora para questões mais voltadas ao mercado de milho. Como está a relação do setor de etanol com os outros destinos do grão no Brasil, como exportações e consumo interno?
Se olharmos a fotografia de hoje, com uma produção recorde, no patamar de 140 milhões de toneladas de milho e um consumo de etanol de milho na ordem de 14 milhões de toneladas – que já é recorde, no ano passado foram cerca de 10 milhões de toneladas –, estamos falando que 10% de toda a produção nacional de milho será direcionada para o etanol. Além disso, vamos exportar 45 a 50 milhões de toneladas neste ano. São 50 milhões de toneladas que vão para fora do país e poderiam estar agregando valor com etanol de milho, DDG e óleo.
Em um cenário de oferta restrita, as usinas correm algum risco de ficar sem matéria-prima?
Até podemos ter anos de oferta um pouco mais apertada, mas nós vamos ter milho, sim. Inclusive, não podemos subestimar a capacidade de crescimento da produção de milho. 2020, por exemplo, foi um ano de uma safra muito boa, com 106 milhões de toneladas, mas agora nós vamos para cerca de 140 milhões de toneladas. O crescimento é muito grande. Nós temos uma baita locomotiva por trás das usinas de etanol, que é a produção de milho. Obviamente, temos que estar atento às regionalidades. Ter oferta de milho não quer dizer que tem que colocar planta de etanol para todo lado porque você tem questões regionais, diferentes mercados e dificuldades de originação.
Como você mencionou, há a expectativa de uma safra recorde no Brasil e, com isso, os preços do milho estão em patamares relativamente baixos. As usinas estão conseguindo aproveitar esse momento de oferta elevada no mercado?
O preço, sem dúvida, caiu, mas boa parte também já estava precificada. Na dinâmica das usinas, eu acho que isso é natural; elas vêm precificando, vêm comprando, vêm fazendo contratos. Então, uma parte já foi precificada e, obviamente, nós vamos cumprir. E, com outra parte, nós vamos capturar esses patamares de preços inferiores. E tem um outro lado disso tudo, pois o preço do coproduto cai. A gente captura no milho, mas perde uma parcela no DDG.
Aquilo que você comentou, do coproduto pagar até 40% do preço da matéria-prima, manteve-se mais ou menos estável com a flutuação no preço do milho?
A porcentagem é de 30% a 40%, mais ou menos. Quando tem essa flutuação, a tendência é você trabalhar no mínimo. Como teve um movimento de queda do milho, acho que deve ficar mais perto de 30% que de 40%.
Há também a questão da capacidade de estocagem, que tem preocupado o setor de grãos. O que pode ser feito para melhor escoamento do produto? As usinas de etanol podem ter algum papel?
O etanol de milho tem um papel muito importante no aumento da oferta de capacidade de armazenagem. Os grandes projetos já nascem com uma capacidade de armazenagem robusta e com tempo de estoque equivalente a seis meses de processamento da indústria, no mínimo. Essa é a lógica que as usinas acabam adotando e isso ajuda bastante o produtor na hora de vender, pois ele terá grandes locais para armazenar e com capacidade de recebimento elevada. Então, não tenho dúvida de que a contribuição do setor de etanol de milho é importante e entendo que, se não tivéssemos o etanol de milho neste momento em que estamos armazenando safra sobre safra, o gargalo logístico seria muito maior.
Há a possibilidade de um El Niño moderado a forte neste ano e a expectativa é de que o fenômeno ajude a aumentar a produção de milho. Como os preços devem responder a este movimento?
Eu acho que, em termos de variação de produção, isso tende a ser muito baixo para o milho. Não vai ter mais impacto por enquanto porque estamos na fase final; já começou a colheita em vários locais do país. Do lado positivo, essas chuvas que vieram bem distribuídas em maio e junho vão refletir na produtividade. Mas, sinceramente, não vejo mudanças relevantes na estrutura de oferta de milho. Claro que tem a questão dos Estados Unidos, que impacta, no preço negociado na Bolsa de Chicago. Nós estamos falando de um mercado climático, então temos que ficar atentos sobre como está avançando o clima nos Estados Unidos, que pode impactar nos preços.
Nos últimos meses, porém, os mercados de milho em Chicago e aqui no Brasil têm parecido um pouco descolados.
Quando falamos da cotação em Chicago, a Argentina afeta, os Estados Unidos afetam, a Ucrânia afeta. Como o Brasil está com toda essa situação de superprodução e problemas logísticos, por mais que Chicago tenha uma variação, isso não é corrigido nos prêmios daqui; o preço em reais por saca acaba não alterando tanto, especificamente, neste momento. Mas, se olharmos uma série histórica, obviamente, os preços são muito correlacionados.
Estes e outros pontos de interesse do setor de etanol de milho serão discutidos durante a Conferência NovaCana 2023, que terá um espaço para perguntas após a palestra de Renato Pretti. A programação completa está disponível no site do evento.