A pulverização aérea de defensivos agrícolas, nos últimos meses, tornou-se tema de reuniões, fóruns e audiências públicas. As discussões foram impulsionadas por dois projetos de lei (PLs) propostos pelo deputado estadual por São Paulo Padre Afonso Lobato. O primeiro deles (405/2016) prevê a proibição da pulverização aérea no Estado de São Paulo e a comercialização de agroquímicos, insumos e equipamentos destinados à pulverização aérea.
Já o segundo (PL 406/2016) tem a intenção de vedar o uso de defensivos agrícolas que contenham em sua composição as substâncias Clotianidina, Tiometoxam ou Imidaclopride, isoladamente ou em associação a seus derivados.
De acordo com Lobato e os estudos citados nos respectivos PLs, suas propostas teriam como base a justificativa de que menos de um por centro das plantas seria efetivamente atingida pelo método, que espalharia os defensivos de maneira incontrolável a até 32 quilômetros de distância do local pulverizado.
Por outro lado, de acordo com especialistas no agronegócio, produtores rurais estão preocupados com a evolução das discussões e temem que suas atividades sejam inviabilizadas, caso a lei se torne uma realidade. Isso porque a pulverização aérea é mais eficiente no combate de pragas específicas, em relação à manual.
Para esclarecer como funciona o processo de pulverização aérea, a legislação atual e entender seus riscos e benefícios, a Strider – empresa de desenvolvimento de softwares agrícolas – conversou, em entrevista exclusiva, com Gabriel Colle, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag). Confira na íntegra!
O deputado Padre Afonso Lobato (PV), autor dos PLs quer proibir a pulverização aérea e o uso de alguns tipos de defensivos. Ele diz que a prática gera mais malefícios do que benefícios ao meio ambiente. Mas, há casos em que se torna imprescindível fazer o uso da pulverização aérea de defensivos? Quando é esse momento?
Gabriel Colle – O Projeto de Lei 405/2016, do deputado estadual Padre Afonso Lovato é na verdade uma mostra do quanto um debate tão importante quanto a sustentabilidade ambiental no campo ainda é tratado de maneira tão rasa e baseada mais em preconceito do que em conhecimento da realidade da agricultura paulista. Isso porque retirar a aviação agrícola das lavouras é eliminar do campo justamente a ferramenta mais regulada e uma das de maior capacidade tecnológica e de pessoal mais qualificado no trato das plantações.
Em São Paulo, na cultura da cana-de-açúcar, por exemplo, o avião é essencial nos estágios mais altos das plantas. No cultivo de arroz irrigado, localizado principalmente no Sul do país, mas com uma parcela significativa também no Centro-Oeste, as lavouras são altamente dependentes da pulverização aérea. E veja bem: o arroz brasileiro é considerado livre de resíduos e um dos mais seguros do mundo.
A velocidade e precisão das aeronaves são também imprescindíveis nas áreas de soja, onde está um dos pilares da economia brasileira. O avião consegue operar em situações de solo encharcado, após um período de chuvas, onde os tratores e outros equipamentos terrestres acabam imobilizados – e, se tentam entrar na lavoura, tornam-se bastante destrutivos. Muitas vezes nessa hora, esse atraso acabaria sendo fatal para a produção, se ocorrer uma praga.
Aliás, mesmo em situação normal a rapidez do avião permite um combate preciso às pragas em seu estágio inicial, sem falar que, como não toca as plantas, não há risco de transporte de patógenos de um ponto a outro da propriedade (ou entre propriedades) e ainda não provoca amassamento das plantas (que em média compromete até 3% da produtividade) ou compactação do solo.
O Brasil tem um clima tropical que favorece a proliferação de várias pragas nas plantações. Quais prejuízos os produtores poderão amargar, caso a lei seja aprovada?
Gabriel Colle – Por ter um clima propício à proliferação de pragas, o controle feito no campo tem que ser contínuo, é uma vigilância constante. Tirar da lavoura uma ferramenta que consegue responder de maneira tão precisa e rápida a um ataque de pragas é estar sujeito não só a grandes perdas de produção no caso da proliferação de um patógeno ou vetor, como também há o risco ambiental: uma resposta tardia pode demandar muito mais aplicações antes que se consiga controlar adequadamente o problema.
Existe um meio-termo entre a ação de pulverização aérea e a preservação do ambiente ao redor? Quais ações podem ser tomadas para diminuir os impactos no ambiente?
Gabriel Colle – O avião já é a melhor ferramenta para isso no Brasil. Os mesmos produtos aplicados pelo ar são aplicados também por terra, só que a aviação é o único meio de pulverização com legislação específica e fiscalizado por, pelo menos, cinco órgãos (Ministério da Agricultura, Anac, Ibama, secretarias estaduais de meio ambiente e prefeituras, se contar Ministério Público, CREA e outras instituições).
Entre as várias obrigações das empresas aeroagrícolas, elas precisam ter na equipe um engenheiro agrônomo e um técnico agrícola com especialização em operações aeroagrícolas, um funcionário responsável pelo Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional da empresa (SGSO, que obriga todos a seguirem o plano de segurança da empresa), além do piloto altamente qualificado (ele tem que ser primeiro piloto comercial e completar 370 horas de voo para aí conseguir se matricular em um curso de piloto agrícola).
Além disso, para cada aplicação é preenchido um relatório com informações dos profissionais, produto, condições meteorológicas, mapa do DGPS (Sistema de Posicionamento Global Diferencial) do avião com a localização da área aplicada e como foi cada sobrevoo, entre outros dados. Esses relatórios são enviados mensalmente ao Ministério da Agricultura.
Sem falar no pátio de descontaminação, onde as aeronaves são lavadas e eventuais resíduos de produtos vão para um sistema de tratamento com ozônio, para quebrar o princípio ativo das moléculas nocivas.
Exigências previstas na Instrução Normativa nº 2, de 3 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Aliás, ninguém nunca vai ver um avião sendo lavado, por exemplo, em uma beira de rio, açude ou riacho. Aliás, uma curiosidade: o único Estado que chegou a exigir pátio de descontaminação também para tratores foi o Mato Grosso, em 2009 (Decreto 2.283 de 09/12/2009), mas a exigência foi revogada dois anos depois).
Mesmo com toda essa carga legal e fiscalizatória, ainda assim, o setor aeroagrícola é um dos mais proativos do setor primário no que tange à adoção de boas práticas e novas tecnologias, com ajuda da indústria de defensivos e de órgãos de pesquisa. A exemplo do programa Certificação Aeroagrícola Sustentável (CAS), que existe desde 2013, do apoio ao projeto Colmeia Viva, do Sindiveg, nossa participação como membro do pacto Global da ONU. Isso no ponto de vista institucional, onde estamos conseguindo agregar todo o setor.
No ponto de vista tecnológico, podemos ilustrar com dois exemplos: primeiro, o DGPS, que desde os anos 90 equipa toda a frota aeroagrícola do país. Trata-se de um GPS como o do carro, só que muito mais rápido, com precisão de centímetros e com mais funções (ele usa um sinal diferencial além dos satélites normais, que lhe dá essa precisão e rapidez – por isso o “D” no nome).
O aparelho indica precisamente cada faixa de aplicação e seu início e fim – em muitos casos, com abertura e fechamento automáticos pelo sistema. Além disso, toda a operação fica registrada, mostrando cada manobra do avião, onde pulverizou cada faixa, quantidade de produto, condições atmosféricas, etc. E tudo com cópia enviada nos relatórios mensais ao Ministério da Agricultura e outra cópia guardada na empresa, à disposição de agentes de fiscalização.
O segundo exemplo é o controle de deriva (que é quando a nuvem da pulverização se desloca do alvo). Trata-se de um risco inerente tanto à pulverização aérea quanto à terrestre, quando não são observados os padrões de segurança envolvendo vento, umidade relativa do ar e temperatura. Aí também o avião leva vantagem porque consegue concluir uma operação antes de mudanças nesses parâmetros. Além disso, por ter menos chances de precisar interromper o serviço e realizá-lo em mais etapas, também é mais eficiente e tem menos risco de serem necessárias reaplicações.
A pulverização aérea é mais eficaz para o combate de pragas específicas. Como as lavouras podem ser comprometidas (em que grau), caso a lei seja aprovada?
Gabriel Colle – Em São Paulo, sem dúvida, o principal problema seria na cana-de-açúcar. Como dissemos, o avião é fundamental principalmente nos estágios finais da cultura, que tem um peso muito grande na economia paulista. A saída do avião dos canaviais seria desastrosa, inclusive, para a manutenção de milhares de empregos, já que as usinas perderiam capacidade. E ainda há toda a questão da produção de biocombustíveis, que também haveria perdas, ou seja, um efeito cascata.
Gostaria de lembrar que, ao completar em 2017 seus 70 anos de história e apesar de ter nascido em 1947 em uma operação contra gafanhotos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, a aviação agrícola brasileira tem uma ligação muito forte com São Paulo. Não só pelo fato de o Estado ter a terceira frota de aviões no ranking dos Estados, com 311 aviões agrícolas, segundo a Anac – distribuídos entre 38 empresas aeroagrícolas e 43 operadores privados (agricultores ou cooperativas que têm seus próprios aviões), mas também porque os paulistas também têm uma história de pioneirismo no setor, já que em 1948 (apenas um ano após a operação em Pelotas) a aviadora Ada Rogato se tornou a primeira mulher no mundo a pilotar em uma operação aeroagrícola. Foi no combate à broca do café, no interior do Estado.
Também foi em São Paulo a primeira experiência no Brasil do uso de aviões no combate a mosquitos em áreas urbanas. Em 1975 a técnica ajudou a eliminar um surto de encefalite na baixada santista – doença que estava sendo transmitida por uma infestação de mosquitos Culex. Apesar da técnica ser comum hoje em países como Estados Unidos (onde é corriqueira há 50 anos), ela nunca mais foi usada no Brasil.
Fonte: Strider