“Por onde vou mundo afora encontro frango brasileiro. E agora vejo o mesmo com os suínos. É sem dúvida o produto mais bem acabado da indústria nacional, pois transformamos o milho em algo de alto valor agregado que também é a grande fonte de alimentação dos mais pobres”. A afirmação é do diretor geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), José Graziano, em discurso de agradecimento ao ser homenageado durante a AveSui 2014, que aconteceu na última semana em Florianópolis.
Apesar de garantir que o planeta não vive atualmente uma ameaça de crise alimentar, Graziano reforçou que as mudanças climáticas podem, no futuro, trazer insegurança com relação à capacidade produtiva e o preço dos alimentos.
“Estamos atrasados, de uma forma geral, na redução de danos ambientais. A prioridade é adaptar o que temos hoje e desenvolver variedades resistentes a seca e salinidade, por exemplo”, afirmou o diretor da FAO, ao citar a forma como produtores em Bangladesh, outrora sinônimo de fome no mundo, conseguem cultivar arroz em áreas inundadas por água do mar.
CLIMA
Porém, admitiu que este é o grande desafio e afirmou que a FAO considera como superado o debate sobre a posição de pesquisadores que consideram que passamos por ciclos de estiagem e de umidade, porque “está comprovado que foi a presença do homem que alterou isso. Há a mão humana por detrás para a degradação ambiental, isso é inegável. Mas podemos mudar esse quadro por tecnologias que são perfeitamente compatíveis com a modernidade. Um exemplo é o Plantio Direto. Hoje, através dessa inovação tecnológica milhões e milhões de hectares na África, por exemplo, estão sendo salvos da ameaça da desertificação como tivemos aqui no Paraná, no Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul.”
Ciclos ou não, diz Graziano, “temos a responsabilidade de reduzir o impacto do homem. Isso é o que guia o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e a FAO. Essa discussão nos levou a perder um tempo precioso, estamos atrasados para enfrentar o tema impacto climático. Contei, aqui, o caso de Bangladesh que produz arroz debaixo de água salgada, temos muito que avançar na adaptação de variedades para enfrentar esse impacto do clima e podermos, com o passar dos anos, reverter aquela tecnologias que já conhecíamos antes”.
Mesmo diante do grande desafio com relação ao impacto climático sobre a produção de alimentos, o diretor geral da FAO se diz otimista e, apesar da incerteza de não sabermos qual será o resultado desse impacto, alertou para o fato de o Planeta ter que se preparar para o pior, como forma de antecipar e de evitar emergências.
ALIMENTO E DESPERDÍCIO
Com relação à necessidade de aumentar a produção de alimentos em 60%, segundo estudos da FAO, até o ano de 2050 para alimentar os então 9 bilhões de habitantes da Terra, José Graziano isso, de acordo com as estimativas do organismo internacional, poderá ser substancialmente reduzido para cerca de 40%, talvez até para 30%, dependendo do ritmo da inovação tecnológica e da redução das perdas com desperdício de alimentos.
Ele atribui o desperdício, no Brasil, à infraestrutura logística – estradas, transporte, armazenagem – e uma questão de mudanças de hábitos alimentares.
“Temos uma cultura de desperdício porque estamos numa situação de fartura, o alimento é muito barato e sobra. Se conseguirmos conscientizar esse consumidor no sentido de ele aprender a consumir porções menores, comprar menores quantidades de produtos perecíveis, como também saber utilizar melhor os alimentos à mesa, não tenho dúvidas de que esses 60% a mais que deveremos produzir poderão cair”, acentuou, destacando a campanha mundial Pensar, Comer, Conservar, liderada pela FAO e pela UNEP (Programa da Nações Unidas para o Meio Ambiente) , que tem boa adesão, principalmente das redes de supermercados, considerados grandes parceiros na luta contra o desperdício.
TRANSGÊNICOS
Sobre a oposição a certas tecnologias, como os alimentos geneticamente modificados, Graziano voltou a reafirmar sua posição de que o problema da fome, hoje, não tem a ver com os transgênicos. Esclareceu que temos alimentos suficientes e vamos ter alimentos suficientes para alimentar a população com base nas inovações da Revolução Verde. Entretanto, voltou a lembrar que há uma imprevisibilidade, há uma incerteza em relação ao futuro.
“Não sabemos realmente o quanto vai afetar esse impacto da mudança climática. Nós avaliamos perdas na disponibilidade de água, mas não temos a certeza desses números, nós produzimos na evidência de um tempo passado e projetamos para o futuro. Agora, o futuro a Deus pertence, é incerto. Nesse sentido, é importante dispormos de uma tecnologia que poderá vir a ser muito importante nesse futuro”, disse.
Graziano fez questão de ressaltar que muitos ainda veem o transgênico somente como uma semente da soja. O transgênico, explica, “tem uma aplicação muito variada, uma série de fármacos que usamos hoje são produzidos a partir de plantas transgênicas. No momento, em vários pontos do Brasil, vive-se uma epidemia de dengue. E o mosquito foi detectado em propriedades da população de maior renda do pais, tem muito a ver com as casas com piscina fechada, água não tratada. Uma das saídas para combater essa dengue vai ser o mosquito transgênico que esteriliza a fêmea. Isso já está testado na Bahia. E nunca imaginaria que poderia sair à tarde para passear com medo de dengue. Conviver com essa imprevisibilidade das doenças”.
Para ele, não se pode descartar a ajuda do transgênico no que hoje afeta a produção do país. “O Brasil tinha um dos maiores parques produtores de laranja do mundo. Está entrando em decadência aceleradamente em função do ataque do greening, que é uma bactéria que destrói a árvore. Ninguém sabia, ninguém podia prever uma doença com tal letalidade há 10anos. E, agora, sabemos que já estão trabalhando numa variedade transgênica de laranja resistente esta praga”, acentuou. “Não podemos abrir mão de nenhum avanço científico nessa luta contra a natureza, porque não sabemos todas as dimensões que ela pode alcançar”.
AGRONEGÓCIO X AGRICULTURA FAMILIAR
Inquirido sobre a necessidade da coexistência do agronegócio com a agricultura familiar com o objetivo de se alcançar a segurança alimentar, o José Graziano exemplificou com o sistema de contrato de integração que usa a avicultura e a suinocultura, afirmando que é uma grande prova de que não há essa contradição.
Em sua opinião, trata-se de um erro, inclusive, conceitual.
“A ideia do agribusiness, que nasceu nos Estados Unidos, foi exatamente para incorporar todos os produtores, não só os grande, pois não são só os grandes que fazem parte das cadeias produtivas do agronegócio. Grande parte da produção de alimentos vem das propriedades familiares, suínos, aves, café, e muitas outras, por não falar dos produtos mais tradicionais, como leite, feijão, etc. Então, vejo como um erro essa perspectiva.”
O que se deve reconhecer, afirmou, é que há uma disputa entre o pequeno e o grande.
“E a solução disso é a que o Brasil deu, quando inovou muito a partir de 2003, quando passaram a ser oferecidos dois menus diferentes de política pública, um para o pequeno e outro para o grande, de modo que eles tivessem o seu Plano Safra, garantindo recursos para um e para o outro. Porque a competitividade, na verdade, é uma competitividade por recursos, principalmente recursos financeiros de crédito. Quando se assegura o recurso de crédito para o pequeno, via Banco do Brasil, e assegura dotação de crédito, via bancos privados, para os grandes produtores, está resolvida a questão”, finalizou o diretor geral da FAO.
A FEIRA
A 14a. edição da Feira Latino Americana da Indústria de Aves e Suínos (AveSui) encerrou com um volume total de 17,5 mil visitantes durante os três dias de atividades e uma movimentação financeira estimada em R$ 370 milhões e cerca de 550 congressistas no Seminário Técnico Científico.
A feira reuniu mais de 150 empresas nacionais e internacionais e centenas de produtos e serviços dos setores de aves e suínos. O evento também contou com a Feira Gastronômica, com pratos à base de aves e suínos preparados pelo Cheff Mueller e equipe distribuídos aos participantes.
Além de Graziano, foram homenageadas, na AveSui 2014, personalidades técnicas e empresariais como a pesquisadora Janice Zanella, da Embrapa Suínos e Aves, como “Personalidade Técnica da Suinocultura Brasileira”. O empreendedor Antônio Ianni (Ianni Agropecuária), recebeu a distinção como “Personalidade Empresarial da Suinocultura Brasileira” e, no segmento de Avicultura, o professor e pesquisador Otto Mack Junqueira, da Unesp, foi reconhecido como “Personalidade Técnica”.
Por Equipe SNA/SP