Consequência do aumento da renda, combinado com um ritmo de vida mais acelerado, os brasileiros estão mudando a forma de consumir açúcar, em uma transformação marcada pela redução das compras nos supermercados e pela ampliação da ingestão de industrializados. No período de 12 meses encerrado em março deste ano, as vendas de açúcar no varejo registraram queda de 7,6% na comparação com os 12 meses anteriores, conforme pesquisa da empresa de pesquisa de mercado Nielsen. Foi o segundo ano seguido de forte retração.
Em linhas gerais, trata-se de uma má notícia para as usinas sucroalcooleiras que produzem açúcar, imprimem sua marca e a levam ao varejo. Isso porque se refere a um encolhimento cada vez maior de um mercado que, normalmente, traz margens maiores do que os outros produtos vendidos por esse segmento.
Nos 12 meses encerrados em março de 2013, a Nielsen observou um recuo ainda maior, de 10,9%, no consumo desse item no varejo na comparação com o mesmo intervalo do ano imediatamente anterior. “Além de tentar ser mais saudável, o consumidor brasileiro vem reduzindo o uso de açúcar no varejo porque está partindo para produtos prontos, como sucos, refrigerantes e misturas para bolo”, afirma Rafael Ikeda, analista de mercado da Nielsen.
Mas a mudança do padrão de consumo de açúcar no país não é necessariamente uma preocupação para todos os grupos produtores da commodity. Alguns até se beneficiaram disso. O crescimento econômico verificado na região Nordeste, por exemplo, mudou o perfil de vendas da Biosev, que passou a vender mais açúcar industrial do que de varejo sem perder margem, segundo o diretor comercial da companhia, Enrico Biancheri.
Segunda maior empresa sucroalcooleira do Brasil, a Biosev é dona da marca Estrela, com forte penetração no mercado nordestino. A marca veio com a compra do negócio de usinas de cana do grupo Tavares de Melo, em 2007. No Nordeste, uma usina produz o refinado, a Estivas, localizada no Rio Grande do Norte. Já naquela época, metade das 170 mil toneladas de açúcar fabricadas pela unidade era destinada ao mercado interno – cerca de 85 mil toneladas. Desse total, por volta de 80% tinham como destino o varejo com a marca Estrela e 20% o mercado industrial da região.
Mas o crescimento da renda per capita no Nordeste impulsionou o consumo de industrializados, o que atraiu um número maior de indústrias de alimentos e bebidas para a região, observa Biancheri. Por outro lado, diz, as dificuldades financeiras das usinas nordestinas tornaram a oferta da commodity mais escassa e, muitas vezes, instável, o que aumentou a competitividade do açúcar da Biosev. “Passamos a receber um prêmio. Com isso, as nossas margens com açúcar para a indústria no Nordeste superaram as obtidas no açúcar de varejo”, compara o executivo. Na média, segundo ele, essas margens têm sido de 2% a 3% maiores.
Nos últimos anos, com a queda dos preços internacionais da commodity, a distribuição das vendas da usina potiguar mudou completamente. Atualmente, nenhuma das 170 mil toneladas de açúcar produzidas na Estivas vai para o mercado externo. E de todo o volume destinado ao mercado doméstico, 80% são destinados à demanda industrial. Os 20% restantes vão para as prateleiras de supermercados e outros canais de vendas diretas ao consumidor.
“Dada essa similaridade de margem, pesa na escolha a vantagem de ter clientes industriais. Trata-se de um ambiente de menor risco de crédito e entregas de volumes estáveis, características nem sempre presentes no mercado de gôndola”, disse.
Neste momento de forte retração de investimentos no segmento sucroalcooleiro, ele não fala em novos aportes para o aumento da capacidade de refino no Nordeste, apesar de acreditar que esse mercado tende a ser ainda mais lucrativo nos próximos anos. Esse cenário futuro, define, é função da mesma equação de maior consumo de industrializados na região na contramão de uma menor produção local de açúcar, reflexo da perda de vigor da tradicional indústria açucareira nordestina.
Controlada pela francesa Louis Dreyfus Commodities, a Biosev produz por ano 2,2 milhões de toneladas de açúcar, das quais 30% são destinadas ao mercado interno (indústria e varejo) e 70% são exportadas.
A Biosev produz açúcar para o varejo também em Mato Grosso do Sul. Duas refinarias da empresa estão instaladas nesse Estado. Produzem, juntas, 175 mil toneladas do produto. Diferentemente do que ocorre na comercialização nordestina, a maior parte da produção sul-mato-grossense (80%) é destinada ao varejo. “A logística é nosso diferencial nesse caso. Abastecemos a partir dessas unidades os mercados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, afirmou Biancheri.
No Brasil, das cinco principais marcas de açúcar de varejo, três pertencem a grupos processadores de cana-de-açúcar. Até meados de 2012, todas as cinco marcas líderes pertenciam a usinas. O cenário mudou depois que a Cosan, maior produtora de açúcar e etanol do país, vendeu suas marcas para a Camil Alimentos, maior beneficiadora de alimentos da América Latina.
Com isso, a Camil passou a deter a marca líder no Brasil, a União, e a Da Barra, a quarta mais procurada no país, segundo a publicação especializada “Supermercado Moderno”. O ranking não revela participações de mercado, mas captura a percepção dos donos de supermercados de quais são as marcas mais vendidas – e os resultados costumam coincidir em 90% dos casos, segundo a publicação.
Segundo a mesma pesquisa, as marcas pertencentes à Camil dominam 59% do mercado – além de União e Da Barra, a empresa também detém as marcas Duçula, Neve, Dolce, Nova América e Doçúcar. Os dados, de 2012 (os últimos disponíveis), mostram o grupo sucroalcooleiro Alto Alegre, dono de marca do mesmo nome, como detentor de 13% da preferência dos supermercadistas, seguido pela também paulista Usina Colombo, dona do Açúcar Caravelas, com 8%. Procuradas, as três empresas não retornaram aos pedidos de entrevista. A Guarani, que detém a tradicional marca homônima, fica com 4% da preferência, conforme a mesma pesquisa.
O açúcar de varejo da Guarani, há mais de 20 anos no mercado, está longe de ser seu negócio mais importante, apesar de ainda representar 10% do volume vendido de açúcar pela companhia, controlada pela Tereos Internacional. O diretor comercial e de logística da Guarani, Paulo José Mendes Passos, explica que já no início dos anos 2000 a companhia entendeu que o mercado interno de açúcar de varejo tinha tendência de ser cada vez mais restrito.
“Não fazemos esforço de venda para crescer no Nordeste ou no Sul do Brasil. Acreditamos que não vale a pena”, afirmou Passos. Há muitos anos, explica ele, o volume de venda anual no varejo está no patamar de 150 mil toneladas, menos de 10% das 1,6 milhão de toneladas produzidas da commodity.
O Brasil produz em torno de 37 milhões de toneladas de açúcar por ano, das quais cerca de 25%, ou um volume próximo de 10 milhões de toneladas, ficam no mercado interno, tanto para atender aos clientes industriais (cerca de 6 milhões) quanto aos de varejo (cerca de 4 milhões), segundo estimativas do segmento. “O varejo está estagnado ou em retração. Qualquer crescimento interno vem da indústria de alimentos e bebidas”, afirmou Passos.
Das sete usinas da Guarani, uma produz açúcar para o varejo. Ele não vê um cenário propício para aumento dessa capacidade, bem pelo contrário. O açúcar refinado, que resulta do reprocessamento do açúcar bruto, é um produto cuja fabricação demanda muita eletricidade, explica o executivo da Guarani. Com a valorização dos preços da energia e, por consequência, do bagaço da cana que é usado nas usinas para produzir eletricidade, a grande questão, segundo Passos, será estudar o que traz mais rentabilidade à usina: usar o bagaço para fabricar o açúcar refinado ou eletricidade? “A energia virou concorrente do refinado”, afirmou Passos.
“Essa discussão já está indo para a mesa das companhias. Todo mundo está fazendo conta”. Ele observa, no entanto, que se trata de uma decisão de longo prazo. “Temos visão de longo prazo dos nossos negócios e observamos tendências. Hoje não existe nenhuma decisão tomada e nem levamos em consideração sair do varejo. O fato é que se a energia continuar sendo extremamente cara, todo produto que demanda gasto de eletricidade terá que entregar uma rentabilidade maior ou similar”, resume o executivo da Guarani.
Fonte: Valor Econômico