Decisão sobre CRA do Burger King abre precedente para outras empresas

Uma decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) da empresa de fast food Burger King abriu precedente para que outras companhias que não sejam diretamente ligadas à cadeia produtiva do setor possam levantar recursos por meio desse título. O CRA leva vantagem sobre outras formas de captação, como debêntures corporativas, pelo incentivo fiscal para o investidor pessoa física, que acaba por baratear a operação.

O Pão de Açúcar foi o primeiro grande grupo a se beneficiar dessa possibilidade. Ontem, anunciou a emissão de pelo menos R$ 750 milhões em CRAs com prazo de três anos. Os papéis contam com debêntures como lastro e os recursos serão destinados à compra de produtos agropecuários e hortifrutigranjeiros, como frutas, verduras, legumes, laticínios, aves e outras proteínas animais in natura diretamente dos produtores rurais. A expectativa de especialistas é que outras operações sejam lançadas em breve a mercado.

“O grande esclarecimento da CVM [no caso do Burger King] foi que o devedor do direito creditório do agronegócio não necessita ser um produtor rural. Isso abriu as portas para uma série de operações que estavam esperando essa decisão”, afirma Bruno Tuca, sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho. “A operação do Pão de Açúcar segue a mesma estrutura e tem muitas outras sendo preparadas nesses moldes”, completa.

Na opinião de Marcelo Michaluá, sócio da RB Capital, a decisão do colegiado é um marco em relação à versatilidade do uso do instrumento para empresas que não estão diretamente ligadas ao agronegócio mas que, de alguma maneira, têm ligação com os insumos. Segundo ele, cria mais uma alternativa de mercado de capitais para essas companhias.

No dia 30 de agosto, o colegiado da CVM aprovou o recurso referente à emissão da BK Brasil Operação e Assessoria a Restaurantes – responsável pelo desenvolvimento e operação dos restaurantes sob a marca Burger King no Brasil. A decisão derrubou o entendimento anterior da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) da CVM, de junho, de que a empresa não fazia parte da cadeia do agronegócio. Mas a decisão não foi unânime – o diretor Roberto Tadeu concordou com a SRE e os outros diretores acompanharam o presidente Leonardo Pereira.

A operação do Burger King, no valor de R$ 150 milhões, teve prazo de quatro anos, sendo voltada a investidores qualificados. Inicialmente, a companhia fez uma emissão de debêntures cujos recursos líquidos financiariam a aquisição de carne in natura produzida e comercializada pela JBS e Seara Alimentos. Essas debêntures entraram dentro do CRA exercendo a função de lastro dos papéis.

Durante a análise da oferta, a SRE entendeu que a BK Brasil não poderia ser caracterizada como integrante da cadeia de agronegócios por se tratar de uma rede de restaurantes que desenvolve atividade empresarial específica. Assim, no fim de junho a superintendência emitiu decisão final de que não seria possível a concessão do registro da oferta de CRA, pois a operação não promovia financiamento do produtor rural, e solicitou o entendimento do colegiado, que discordou da decisão.

O colegiado entendeu que, para se criar um lastro do CRA, o crédito deve ser originado de negócio realizado entre produtor rural e terceiros e que esse negócio tenha relação com alguma das etapas do processo de produção rural, o que era o caso do Burger King. O presidente da CVM destacou que a operação tem, de um lado, fornecedores, e de outro, a rede de fast food. Afirmou ainda, em relação às debêntures, que existe clara vinculação dos recursos captados por meio da oferta à transação com fornecedores.

Essa decisão recente vai no lado oposto de parecer anterior envolvendo uma emissão de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) da Rede D’Or, em 2013, de acordo com Tuca, do Mattos Filho. Na ocasião, foi decidido que as debêntures não poderiam ser usadas como lastro por não se tratar de um risco específico do setor imobiliário. “A intenção da Rede D’Or era emitir debêntures para comprar imóveis para expandir sua rede de hospitais e usar esses papéis como lastro em emissão de CRI. A CVM disse que, por não se tratar de uma empresa do ramo imobiliário, o lastro não era válido”, explica o advogado. “A decisão do Burger King é contrária ao racional da decisão da Rede D’Or”, completa. Existe expectativa do mercado de que a decisão mais antiga seja revista.

A decisão tomada em 2013 pelo colegiado foi considerada pela superintendência da autarquia na hora de negar o registro da oferta do Burger King. Posteriormente, em seu parecer no colegiado, Leonardo Pereira afirmou que o precedente não é aplicável porque, no caso de CRIs, não há definição do que seja crédito imobiliário, o que deu ensejo a diversas interpretações sobre quais deveriam ser as características do lastro. Para ele, a legislação traz elementos que permitem delimitar as características necessárias para que o direito creditório seja considerado como crédito vinculado ao agronegócio e pode-se concluir que o limite da definição já é dado pela própria lei.
Fonte: Valor

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp