Por Marcelo Sá
Equipe SNA
Recentemente, a SNA publicou a carta aberta em que a FPPL (Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite) manifestava preocupação com as condições atuais do setor e pedia providências às autoridades, no sentido de auxiliar os produtores fragilizados pela tendência de baixa dos preços e importação do leite argentino e uruguaio. A citação nominal, no texto, aos países vizinhos, mostra o quanto isso vem afetando, há bastante tempo, a competividade da produção láctea nacional.
Os referidos sócios do Mercosul possuem uma cadeia produtiva mais profissionalizada, em fazendas conhecidas como tambos, nas quais a exploração do leite é o único foco da propriedade, o que ajuda a reduzir os custos e maximizar o volume de litros por dia. Assim, mesmo em número menor que aqui, os produtores entregam um produto a preço mais competitivo, e suportam melhor oscilações no mercado global. No caso argentino, há o subsídio conhecido como “impulso tambero”.
No Brasil, ainda prevalece uma produção pulverizada, muitas vezes em pequenos agricultores que extraem o leite para obter fonte de renda alternativa e esporádica, complementada também pelos derivados como queijos e iogurtes. Assim, o valor final acaba subindo, pois os sobressaltos do livre mercado pressionam mais justamente esses produtores.
Como o Mercosul prevê taxação zero para comércio entre seus membros, é difícil pensar numa solução que envolva barreiras tarifárias, já que o Brasil também se beneficia desse modelo. Recentemente, houve a proposta, por parte da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), no sentido de que os produtos importados cheguem às prateleiras brasileiras com, pelo menos, 70% da validade vigente. Já há um projeto de lei no Congresso sobre isso. Há, no entanto, temores de que essa medida sanitária, visando proteger os consumidores, seja contestada em organismos internacionais, muito embora o Brasil também cumpra exigência semelhante em suas exportações, apresentando certificado de conformidade aos compradores de diversos produtos.
Acionar a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) para comprar e estocar o excedente brasileiro, para aguardar um momento melhor no mercado, é uma alternativa que também atrai críticas, pois as manobras para influenciar nos preços raramente acaba bem, ainda que proporcione um alívio momentâneo, pela ação regulatória do Estado. O Vice – Presidente da República, Geraldo Alckmin, que acumula o cargo de Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, se reuniu com o deputado federal Alceu Moreira (MDB – RS), representante do setor, para discutir soluções possíveis.
Alckmin acenou que deverá editar portaria, nos próximos dias, elevando a alíquota sobre derivados lácteos de países europeus, de 2% para 11%. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, confirmou que o governo vai taxar os derivados de leite de fora do Mercosul, após também reunir-se com Alckmin. A elevação da alíquota para os europeus, contudo, tem efeitos práticos limitados, porque, afinal, o grande volume de lácteos importados vem mesmo dos parceiros do Mercosul.
Alguns números ilustram a complexidade e delicadeza do problema. Enquanto o leite em pó produzido no Brasil é vendido à indústria por US$ 6,12 o quilo, o produto argentino atravessa a fronteira custando US$ 3,88/kg e o do Uruguai US$ 3,81/kg. Outro exemplo está no queijo muçarela: o preço do nacional caiu em julho para R$ 25,10/kg, mesmo assim está 27% acima do preço dos vizinhos.
No primeiro semestre a Argentina respondeu por 53% de todo o volume de lácteos importados pelo Brasil, e o Uruguai por 41%. Eles entram no país com tarifa zero, devido ao tratado comercial. Assim, os preços caem para o consumidor, e caem também para o pecuarista brasileiro. Em média, os produtores nacionais receberam R$ 2,55 por litro de leite em junho, 22,3% menos do que os R$ 3,29 de um ano atrás, já descontada a inflação, segundo dados do Cepea/Esalq/USP.
De janeiro a junho as importações triplicaram em relação ao mesmo período de 2022, atingindo 1,09 bilhão de litros em equivalente leite. Apenas em junho foram 212,1 milhões de litros em equivalente leite, dos quais 83,4% foram leite em pó e 18,5% queijos, segundo dados do Cepea/Esalq/USP. Índices tão altos não eram registrados desde 2016.
O consumo brasileiro de leite equivale a quase o dobro de toda produção da Argentina e do Uruguai.Na comparação direta, essas diferenças ficam claras: as 10 mil fazendas leiteiras argentinas, produzem 11 bilhões de litros de leite por ano. Os 35 bilhões de litros produzidos no Brasil, em contrapartida, envolvem mais de 1 milhão de propriedades. E grande parte delas produz menos de 50 litros por dia, enquanto na Argentina cada fazenda produz, em média, 2.938 litros de leite por dia, segundo dados do Centro de Inteligência do Leite da Embrapa.Como resultado, os produtores argentinos conseguem ser competitivos recebendo apenas R$ 1,93 por litro de leite (jan-maio 2023), enquanto no Brasil, no mesmo período, a média esteve em R$ 2,90.
Um trabalho de longo prazo, melhorando e profissionalizando a cadeia produtiva do leite no Brasil, e não confiando apenas em medidas temporárias, daria ao País a merecida pujança no setor, pois o leite também é um elo importantíssimo do agronegócio.
Isso ficou claro no Encontro Nacional dos Produtores de Leite, realizado na última quarta-feira, 16 de agosto, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília. Promovido pela FPPL e divulgado na carta aberta, que contou com o apoio da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (ABRALEITE), da CNA e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), reuniu centenas de produtores, sindicatos, associações, cooperativas, demais entidades da pecuária leiteira e agentes políticos de todo o país e deputados membros da Frente Parlamentar da Agropecuária que atuam em defesa dos interesses do setor leiteiros.
Todos os desafios foram debatidos em profundidade, e os presentes se comprometeram a empreender todo o esforço possível, atuando conjuntamente, para reverter o quadro atual e garantir a renda e o emprego de um contingente imenso de produtores e suas famílias.