Não é só de transgenia ou melhoramento convencional que vive o mercado de sementes. Diante da necessidade de proteger a crescente tecnologia “embarcada” nesse insumo, um outro segmento dessa indústria, o de tratamento de sementes, tem ganhado força. A atividade, já centenária, parte de uma premissa simples: a de que injetar produtos como defensivos e fertilizantes dentro da semente ajuda a resguardar a planta em seus primeiros dias de vida e contribui para a expressão de todo o potencial de produção.
A Bayer lançou um fungicida com esse propósito nos idos de 1914. Contudo, o mercado só começou a se consolidar bem mais tarde, mais precisamente na última década, com o avanço da biotecnologia – sementes mais caras requerem mais proteção. Até pouco tempo, os tratamentos eram feitos de maneira artesanal, na fazenda, o que trazia riscos ao ambiente e à saúde humana pelo contato direito com substâncias tóxicas. Foi a deixa para que entrassem na jogada grandes multinacionais do setor e sementeiras, lançando mão de produtos mais eficientes e máquinas modernas.
No Brasil, a profissionalização no tratamento de sementes ganhou corpo nos últimos três anos, conforme Narciso Barison Neto, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). “O tratamento permite que a semente nasça sadia, sem sofrer com pragas e doenças durante a germinação. É como um seguro”, resume Neto.
Os números ainda divergem, mas as estimativas indicam que o tratamento de sementes movimente algo entre US$ 2,5 bilhões e US$ 3 bilhões no mundo atualmente. Contudo, consultorias como as americanas Transparency Market Research e a MarketsandMarkets preveem que o segmento ultrapassará a casa dos US$ 4 bilhões até 2018.
Os EUA detêm a maior fatia, com cerca de 40% do montante atual, mas países como China e Brasil têm avançado. Calcula-se que, no Brasil, esse mercado tenha crescido 15% ao ano desde 2010, para pouco mais de US$ 700 milhões atualmente. Embora seja dominado pelo uso de fungicidas e inseticidas, o tratamento também pode ser feito com inoculantes (bactérias fixadoras de nitrogênio), produtos biológicos e fertilizantes como cobalto e molibdênio.
A suíça Syngenta entrou nesse mercado em 2005 e hoje é líder no Brasil, conforme Fabian Quiroga, diretor de tratamento de sementes da companhia na América Latina. A múlti montou um centro de pesquisa em Holambra (SP) e focou em soja – uma novidade, porque à época a atividade estava mais difundida no milho ao redor do mundo. Segundo Quiroga, em torno de 5% das sementes de soja eram tratadas industrialmente no Brasil até 2010, número que saltou para 30% no ano passado; no milho, são 54%.
A Syngenta não detalha as vendas no país, mas revela que 10% de seu faturamento na América Latina em 2013 vieram da divisão de cuidado com sementes (o equivalente a quase US$ 400 milhões). A companhia vende as sementes já tratadas aos agricultores, mas também trabalha com um grupo de 50 sementeiras no Brasil. “O tratamento cobre as primeiras seis semanas de vida da planta, um estágio crítico. Depois é preciso entrar com o tratamento foliar”, explica Quiroga.
Tamanho potencial chamou a atenção da americana DuPont. A empresa aguarda o registro de um inseticida para o tratamento de sementes de soja, o que espera obter até a próxima safra de verão brasileira. A alemã Basf não atua diretamente no negócio de sementes, mas também surfa na nova onda do mercado. A companhia montou no ano passado um “pacote” com serviços, produtos e maquinários para o tratamento industrial, destinado tanto às empresas que desenvolvem sementes quanto às que multiplicam. A atuação da companhia, que é uma das líderes globais em defensivos agrícolas, foi reforçada em 2012 com a aquisição da Becker Underwood, especialista em produtos para o tratamento de sementes.
Segundo Fernando Arantes, gerente de negócios da Basf, o cuidado com a semente ajuda a garantir o número de plantas por área. “Sem o tratamento, o agricultor pode ficar sem 20% a 30% das plantas que programou por hectare, o que tem impacto na produtividade final”.
Pioneira no setor, a também alemã Bayer colocou na ponta do lápis os benefícios de rendimento. Levantamento feito pela empresa na safra 2012/13 revelou que o tratamento realizado por quase 2 mil de seus clientes no Brasil elevou a produtividade da soja de 1,9 a 2,6 sacas por hectare. A mais nova investida da múlti é um defensivo a ser aplicado na semente contra a síndrome da morte súbita da soja. A expectativa é que o produto chegue ao Brasil no ano que vem e ajude a engrossar o faturamento global de € 921 milhões vindo desse mercado em 2013.
A holandesa Incotec, especializada em tecnologias de recobrimento e beneficiamento de sementes, também ganhou seu lugar ao sol. “Muitas vezes, há uma mistura enorme de produtos a serem aplicados, então cuidamos da aderência e da melhor distribuição deles na semente”, disse Bruno Hoeltgebaum Neto, responsável pela área de novos negócios na América do Sul. Conforme o executivo, a companhia cresceu 30% ao ano nos últimos três anos no Brasil.
Animada com o setor, a Incotec aposta ainda em um projeto de franquias para o tratamento de sementes. A ideia da empresa é auxiliar na construção de estruturas industriais ao redor do país e colocá-las à disposição do agricultor. A primeira unidade nesse modelo foi inaugurada em Itaberá (SP), no início de junho. “Muitas empresas oferecem pacotes pré-definidos, mas decidimos oferecer um tratamento personalizado, dando ao produtor a chance de ir lá e escolher os produtos que deseja aplicar na semente”, disse Hoeltgebaum Neto.
Fonte: Valor Econômico