Crédito restrito desafia agronegócio brasileiro

O acesso dos produtores brasileiros ao crédito para financiar a próxima safra preocupa a Syngenta, líder mundial em defensivos agrícolas.

O diretor de operações da multinacional suíça, Jon Parr, diz que o setor sente os efeitos da restrição ao crédito no Brasil – variável que pode influenciar o interesse dos agricultores no uso de tecnologia. Para minimizar os efeitos desse “ambiente desafiador”, a empresa oferece os seus instrumentos de financiamento aos produtores.

Parr diz que o câmbio também preocupa, mas afirma que a empresa pode aumentar preços para compensar a desvalorização do real.

Em entrevista à Folha, o executivo ainda comentou a oferta de compra apresentada pela norte-americana Monsanto à Syngenta, em junho, no valor de US$ 45 bilhões. Segundo ele, a proposta do concorrente subvaloriza a empresa. Leia, a seguir, a entrevista.

Folha – O mundo passa por um ciclo de baixa no preço das commodities. Como a Syngenta enfrenta este momento?

Jon Parr – O baixo preço das commodities afeta a renda dos produtores e pode alterar o modo como eles planejam os seus negócios e como pretendem cuidar das lavouras. Mas eles não têm outra escolha a não ser plantar. O show continua. Uma das mensagens que passamos aos agricultores é que, mesmo mais baixos, os preços ainda são suficientes para ter um bom rendimento. E eu acho que os produtores em geral entendem isso bem. Eles não estarão propensos a assumir riscos com suas lavouras. Senão, arriscam perder tudo. Acho que os preços não são a principal preocupação.

O que preocupa mais?

Eu acho que a crise financeira tem impacto maior do que os preços das commodities – e esse é o caso particular de mercados emergentes. Há duas regiões-chave em que estamos enfrentando desafios grandes. Uma delas é a Rússia e a Ucrânia, e a outra é a América Latina. O desafio na América Latina são a desvalorização do câmbio e o aperto no crédito. A disponibilidade de crédito é um grande desafio para os produtores, porque é algo de que não conseguem escapar.

A situação é mais preocupante no Brasil?

Temos visto restrição de crédito na América Latina como um todo. A situação na Argentina é muito difícil neste momento. Mas, falando especificamente do Brasil, a situação no crédito é complicada. Os bancos estão nervosos, provavelmente por causa da situação politica, que está difícil, e porque provavelmente eles sabem que os ganhos dos produtores estão caindo por causa da queda no preço das commodities. É aí que o preço das commodities tem um efeito indireto na disponibilidade do crédito. Isso se torna um desafio tanto para os produtores como para distribuidores e varejistas com os quais trabalhamos.

Como enfrentar isso?

Se o produtor e o distribuidor não encontram “funding” para as suas operações, a vida fica difícil. Ao longo dos anos, a Syngenta desenvolveu soluções para ajudar os nossos clientes diretos e produtores. Isso funciona muito bem para nós, e a tendência é que toda a indústria se movimente nessa direção.

O senhor mencionou as crises financeiras na Rússia e na América Latina. A China também preocupa? Não há uma crise financeira lá, mas há dúvidas sobre o que está acontecendo no mercado de ações.

Eu não sou um especialista em China. O que eu posso comentar é que China e Ásia são importadores muito relevantes de commodities e são determinantes para os preços desses produtos. Mas eu tenho lido que os investidores estão voltando para as commodities, porque a comunidade financeira acredita que os preços tenham atingido o seu nível mais baixo.

Os investidores, e isso incluí os chineses, estão vendo isso como oportunidade. Do ponto de vista do preço das commodities, a notícia é boa.

Não posso comentar sobre o mercado de ações na China, que claramente está causando incertezas e preocupações, mas não há uma ligação imediata disso com a possibilidade de eles reduzirem a importação de alimentos.

Como o senhor avalia o segundo semestre? Será possível ter um crescimento de vendas no Brasil, mesmo com esse ambiente desafiador?

Esperamos uma continuidade do que vimos nos últimos 18 meses: um ambiente muito duro, particularmente para os produtores. Mas pode haver um alívio, se você considerar que os preços das commodities podem começar a reagir. Esperamos ter um bom desempenho, graças principalmente ao novo fungicida que lançamos no ano passado, o Elatus. Nós tivemos um bom início no primeiro semestre, mas a grande maioria do que vendemos se concentra no segundo semestre, que é o padrão do mercado brasileiro. Talvez a indústria registre menores vendas de inseticidas neste ano. Nós esperamos compensar isso com fungicidas.

O câmbio pode influenciar o resultado? Estamos assistindo a uma desvalorização do real.

A parte boa da agricultura é que muitos produtos são exportados e são cotados em dólares, o que cria um hedge [proteção] natural. O sistema é todo dolarizado. A nossa ambição é praticar os preços no Brasil o mais próximo possível dos preços em dólares. Fomos bem-sucedidos nisso no passado e podemos ser bem-sucedidos no futuro. Isso seria coerente com o que fizemos na Ucrânia e na Rússia, onde houve uma desvalorização muito mais dramática do que temos visto no Brasil. Foi uma desvalorização de 78% em 12 meses nesses dois países, e temos compensado toda essa perda com a moeda com o aumento de preços.

O senhor acha que há espaço para alta de preços no Brasil?

Acho que há espaço, considerando que o sistema é dolarizado. O real desafio é administrar essas flutuações de curto prazo. É por isso que nós colocamos foco em nossas soluções financeiras, tornando crédito disponível e seguro para os nossos clientes. Isso torna as coisas mais fáceis? Absolutamente não. Gostaria que o real permanecesse estável? Sim. Mas temos que trabalhar com o que temos.

Hoje o Brasil é o segundo maior mercado para a Syngenta. O senhor acha que o País pode se tornar o número 1 nos próximos anos?

O Brasil é um grande mercado, tremendamente importante, e o segundo, depois dos Estados Unidos, em termos de tamanho e de valor para a Syngenta. Nos últimos dez anos, o crescimento do mercado foi grande no Brasil. Se ele continuar crescendo no mesmo nível, é claro que passará em tamanho os EUA. Agora, eu não acho que o crescimento vai se manter naquele nível. Houve uma desaceleração para perto da estabilidade, em torno de 1% a 2%, se você olhar para os últimos 12 meses. Não acredito que o crescimento vai continuar tão baixo assim, acho que ele volta quando o preço das commodities subir. Mas eu não acho que ele vai necessariamente voltar ao nível dos últimos dez anos.

E os Estados Unidos?

Eu acho que o crescimento lá ficará levemente inferior ao que veremos no Brasil, e no futuro você poderia esperar o Brasil alcançar os EUA. Mas quando eu não sei. O que eu posso enfatizar é que o Brasil é um mercado enorme e importante para nós e que a agricultura é muito importante para o Brasil.

A Syngenta recusou a proposta de compra da Monsanto. É uma questão de preço, que ainda poderia ser negociado, ou a empresa concluiu que a fusão não faz sentido?

Não há negociações envolvendo a proposta da Monsanto porque não há nada nela que valha a pena ser negociado. O nosso conselho revisou a proposta e concluiu, de forma unânime, que ela não interessa. Pela nossa perspectiva, o assunto está encerrado, não temos interesse.

Por quê?

Primeiro, a Monsanto subestimou e simplificou as questões envolvendo a regulação antitruste. Nós acreditamos que isso seja uma ameaça séria à operação. Além disso, somos uma empresa que oferece soluções integradas [proteção de cultivos e sementes] e, para nós, não ficou claro o valor que a Monsanto iria colocar no nosso negócio de sementes. Esses aspectos carregam um risco enorme de execução, o que é uma ameaça de valor aos acionistas da Syngenta. E, finalmente, quando olhamos o preço que eles atribuíram à nossa companhia, pensamos que é totalmente inadequado. Ele não reflete as perspectivas em curso para a Syngenta.

A fusão criaria um monopólio em alguns mercados?

Cada mercado vai olhar para isso de maneira diferente, e aqui vem outra complexidade dessa proposta. Um acordo como esse não precisa apenas de aprovação dos EUA e da União Europeia, mas Índia, China, Brasil terão algo a dizer sobre isso. Cada um vai olhar isso de forma diferente, de acordo com as suas próprias circunstâncias.

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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