Os problemas climáticos que deverão provocar uma quebra superior a 20% na atual safrinha de milho do País já obrigam agricultores a renegociar contratos de fornecimento com tradings e indústrias, uma vez que não terão todo o volume vendido para entregar. Esse movimento já era esperado, mas começou a ganhar força nos últimos dias com o avanço da colheita, quando as quedas de produtividade em decorrência da seca ficaram mais nítidas.
Essas repactuações (“wash outs”) implicam o cancelamento da entrega planejada, seja com base no acerto de um valor financeiro ou em uma troca por uma entrega futura, como soja na nova safra 2016/17 ou milho na safrinha do ano que vem. Mas as conversas estão sendo feitas caso a caso.
“Ainda é um movimento lento, mas as renegociações estão acontecendo”, diz Ramicés Luchesi, da MT Corretora de Grãos, em Nova Mutum (MT). O Valor apurou que pelo menos duas grandes empresas – BRF e Bunge – iniciaram na última semana tratativas sobre contratos não entregues. Procuradas, Bunge e BRF informaram, por meio de suas assessorias, que não conseguiram contato com os porta-vozes que poderiam comentar o assunto, e que por isso não se manifestariam.
Em meio a problemas concretos de falta de oferta disponível, também há relatos de produtores que não tiveram quebras, ou tiveram perdas pouco expressivas, e estão aproveitando a oportunidade para renegociar seus próprios contratos e tirar vantagem dos preços atuais, mais elevados que o de operações fechadas meses atrás.
“Para muitos agricultores compensa pagar a multa de US$ 2,00 a US$ 2,50 por saca para [descumprir o contrato acertado e] revender o produto e ganhar mais”, diz um corretor que atua no sudeste de Mato Grosso. Segundo esse mesmo corretor, a expectativa é de que 70% dos contratos de milho sejam renegociados no médio-norte de Mato Grosso, responsável por quase metade da produção do Estado.
Nessa região, a produtividade até o momento é de 92,87 sacas por hectare, considerando a colheita de 47,6% da área. É uma média bem abaixo das 108,92 sacas do mesmo período da safra passada, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA). “Só não há mais [renegociações] porque a colheita está em curso. Mas a tendência é o ritmo se intensificar”, disse o corretor.
Há um mês, as tradings fizeram “wash outs’, mas para redirecionar o milho que seria exportado para atender o mercado interno. Os altos preços do cereal no mercado doméstico, derivados da escassez do produto, criaram um cenário em que compensou a essas comercializadoras pagar as multas embutidas no cancelamento de contratos para exportação e vender o grão no País.
Os preços atrativos do milho, que também foram turbinados pelo dólar valorizado, sobretudo no início do ano, estimularam a venda futura de milho neste ciclo. Os produtores de Mato Grosso, maior produtor nacional, já negociaram quase 66% da safrinha prevista, à frente dos 60% do mesmo período do ano passado, conforme o IMEA.
Mas a capacidade de eles honrarem todas as entregas foi colocada em xeque devido à seca que devastou lavouras da região central do país e do “Matopiba” (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). No Paraná, vice-líder na produção, houve problemas localizados provocados por geadas em junho passado.
“É importante frisar que não há calote: o produtor procura a trading, mostra sua quebra e renegocia valores. Mas hoje ainda é bem pontual”, disse Andrea de Sousa Cordeiro, da Labhoro Corretora de Mercadoria, que atua em Mato Grosso e no Paraná.
A dificuldade para suprir a demanda interna também está mudando a estratégia da indústria de aves e suínos, que usa o milho na ração desses animais. Depois de verem suas margens espremidas pela supervalorização do milho nos últimos meses, os frigoríficos partiram para fechar mais negócios de forma antecipada, aproveitando a menor competitividade na exportação com o recente recuo do dólar. Assim, já há relatos de compras para a safrinha de 2017.
Mas, com a frustração da atual temporada se concretizando, a queda nos preços do milho, que veio com o início da colheita, em junho, foi interrompida em algumas praças. Em Itumbiara (GO), o grão caiu de R$ 45,00 a saca para R$ 32,00 na colheita, mas já subiu a R$ 35,00 disse Luis William Nogueira, da Correta Cereais. “A maior parte da oferta sumiu, e quem tem estoque pequeno não quer vender”.
Levantamento publicado diariamente no Valor PRO, indica que nas cooperativas paranaenses a cotação recuou de R$ 40,00 para R$ 34,00 por saca em meados de junho, e desde então não caiu mais, em trajetória semelhante à do indicador Esalq/BMFBovespa. Em Nova Mutum, a cotação saiu de R$ 35,00 para R$ 23,00, mas já está entre R$ 26,00 e R$ 27,00 a saca.
O fato é que ainda há dúvidas sobre a produção mato-grossense. O mercado ficou dividido entre a previsão do IMEA, de 20.2 milhões de toneladas, considerada otimista, e a da Conab, mais pessimista, com 15.6 milhões de toneladas. “A verdade parece estar no meio, entre 17 e 17.5 milhões de toneladas”, afirma Francisco Peres, da Labhoro. A Conab estima que a colheita nacional será de 43.05 milhões de toneladas na atual safrinha, queda de 21,1%.
Fonte: Valor Econômico