Tímida e ainda sob ameaça. Assim caminha a recuperação da indústria brasileira de carne de frango. Após ter atravessado no último ano a pior crise do século, com custos de produção nas alturas e fraca demanda em razão da recessão no país, o setor foi beneficiado pela colheita recorde de milho neste ano. Mas os efeitos colaterais da operação Carne Fraca e o consumo restrito no Brasil atrapalharam a retomada, segurando a rentabilidade.
“A recuperação é muito pequena”, disse o analista César Castro Alves, da MB Agro, braço da MB Associados. Segundo levantamento da consultoria, a margem bruta da produção de carne de frango no sistema de integração (o que contempla gigantes como BRF e JBS) ficou em 4% no acumulado deste ano até outubro, acima da média histórica de 2%.
Embora o desempenho seja bem melhor que o visto no ano passado, quando a margem bruta ficou negativa em 1%, ainda não compensou o estrago acumulado. Diante disso, o principal desafio da indústria brasileira de carne de frango em 2018 deverá ser “colocar a casa em ordem” e restabelecer a saúde financeira, disse Guilherme Melo, do Itaú BBA. Sendo assim, acelerar a produção de frango não é uma medida racional.
Nesse contexto, a recuperação do consumo de carne de frango no país não será tão rápida. A expectativa do Rabobank é que os brasileiros levarão mais dois ou três anos para recuperar o nível de consumo perdido com a recessão, afirmou o analista Adolfo Fontes.
Segundo estimativas da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), cada brasileiro consumiu, em média, 41,1 quilos de carne de frango de 2016 – redução de 5% na comparação com o consumo per capita de 43,2 quilos do ano anterior. Trata-se do menor nível desde 2009.
A avaliação de Fontes é que, para 2018, a melhora da economia brasileira até deve permitir uma recuperação do consumo. “As pessoas não deixaram de comer por opção”, afirmou o analista, que calcula que a crise levou os brasileiros a diminuírem o consumo de todas as carnes em cinco quilos por ano.
Mas a recuperação da renda por si só não garantirá a retomada plena do consumo. A questão é que, na área financeira, as indústrias ainda têm desafios, disse Alves da MB Agro, citando a situação de avícolas que entraram em recuperação judicial no último ano. “Provavelmente, elas vão entrar devagar em 2018”.
E o risco financeiro não é o único. A possível quebra da próxima safra brasileira de milho, que será colhida em 2018, já preocupa o setor. Ainda que os estoques de passagem do cereal sejam mais confortáveis do que no ano passado, a oferta do grão não deve encorajar um aumento relevante da produção de frango. E a tendência é que os preços do milho subam o que cria um viés negativo para a rentabilidade em 2018. “O próximo ano só carrega risco de preocupações”, declarou o analista.
Nesse cenário ‘altista’ para o milho, as indústrias de carne de frango já poderiam ter feito compras antecipadas de milho, aproveitando a cotação mais baixa deste ano. “Seria um bom momento para mitigar riscos”, disse o analista de grãos do Rabobank Victor Ikeda.
No entanto, isso não está acontecendo, admitiu o presidente da Associação Catarinense de Avicultura (ACAV), José Antônio Ribas Jr. “Seria ótimo, mas o setor não está com caixa na mão para fazer a antecipação da compra de milho”, disse. Segundo ele, poucas empresas têm fôlego para adquirir milho antecipado. “Mas no mundo ideal a gente já deveria estar acertando contratos desde a metade do ano”.
Apesar de reconhecer os riscos, o presidente da ABPA, o ex-ministro da Agricultura Francisco Turra, pondera que desta vez uma eventual quebra da safra de milho será menos prejudicial para o segmento. “Já ficamos bem com os estoques de passagem”, argumentou Turra, citando o volume de 20 milhões de toneladas. Segundo o dirigente, a demanda anual da indústria é 46 milhões de toneladas.
No momento, o que tira o sono de Turra não são os custos para adquirir grãos, mas o reflexo financeiro persistente da operação Carne Fraca, investigação sobre corrupção na fiscalização sanitária. Por causa disso, importadores relevantes como a União Europeia exigem até mais testes para autorizar a entrada da carne brasileira, o que eleve os custos.
“Os custos continuam elevados pela exigência de vistorias”, disse o presidente da ABPA. Em média, os custos do setor avícola subiram 5% após a Carne Fraca, afirmou Ribas Jr, da ACAV. Segundo ele, há casos de unidades que foram obrigadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) a reduzir a velocidade de abates em 20%, de dez mil frangos por hora para oito mil. Nesse cenário, o setor ainda patina. “A recuperação que percebemos é bastante tímida”, afirmou.
Fonte: Valor Econômico