No primeiro semestre de 2014, a receita superou os custos da produção da cadeia leiteira graças ao aumento do valor pago ao produtor. Com isso, o poder de compra deste pecuarista, que é avaliado pela relação “comprar mais insumos com menos litro de leite”, cresceu no mesmo período.
O desempenho do setor no País faz parte do levantamento do boletim “Ativos da Pecuária de Leite”, divulgado recentemente pela Superintendência Técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP).
Para avaliar os resultados referentes ao período de janeiro a junho de 2014, o Cepea considerou os sete principais Estados produtores de leite no Brasil, responsáveis por quase 81% do total da produção nacional. São eles Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Quanto ao preço médio do leite líquido pago ao produtor (sem frete e impostos), levando em conta a “média Brasil”, o acréscimo foi de 5,5% (ou de cinco centavos por litro), o que contribuiu para o aumento da margem do pecuarista.
Na média do período, as cotações do leite bruto (com frete e impostos) ficaram 5,01% superiores à “média Brasil”, valores reais deflacionados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que é uma prévia da inflação oficial do País) de junho de 2014. Além disso, a valorização do leite neste ano foi superior ao aumento dos custos, assegura Daniel Marcelo Velazco-Bedoya, analista de mercado da equipe Gado de Leite do Cepea.
“No segundo semestre de 2013, os custos com insumos, principalmente ração para os animais, subiram bastante. Com a seca prolongada, também houve um aumento no preço do milho, item mais usado na alimentação das vacas”, destaca o especialista.
De acordo com ele, a alta dos preços dos insumos ao produtor de leite, que ocorreu de julho a dezembro de 2013, permaneceu até meados de março deste ano, mas em abril se estabilizou.
“A relação entre os gastos com insumos e litros de leite vem diminuindo ao longo do semestre, mas pode se elevar nos próximos seis meses de 2014. Isto porque a seca prolongada no primeiro semestre, em alguns Estados da região Centro-Sudeste, prejudicou a qualidade e a disponibilidade de forragens para a alimentação das vacas. A seca também atrapalhou o cultivo de milho, de janeiro a junho de 2014, o que pode afetar de forma negativa na produção e no aumento dos custos no segundo semestre”, relata Bedoya.
Frente ao concentrado (equivalente a 22% da produção bruta de leite), o poder de compra do pecuarista aumentou em todos os sete Estados avaliados, no primeiro semestre de 2014 . As altas mais expressivas no poder de compra foram observadas no Paraná (27%) e no Rio Grande do Sul (22%).
O insumo concentrado se distingue do mais básico (que usa, por exemplo, cana-de-açúcar picada, entre outros subprodutos) por causa dos suplementos utilizados na ração das vacas, com baixo teor de água: farelos de milho, de soja e de algodão. Ele é responsável por 43% do custo operacional da “média Brasil”.
Para explicar ainda o aumento do poder de compra do pecuarista leiteiro, Bedoya cita o caso de Minas Gerais, que em 2013 precisou gastar 1,16 litro para cada um quilo de concentrado, que contém 22% de proteína bruta.
“Neste ano, a relação caiu para 1,07 litro na média de Minas. O Estado, entre outros, contribuiu para que os patamares da receita na média nacional variassem de 7% a 10% para cima, de janeiro a junho de 2014, se comparados com igual período do ano passado.”
Outro dado importante que o especialista destaca foi o ritmo menos acelerado das exportações, o que resultou em uma troca mais favorável ao produtor de leite.
Dentre os sete Estados acompanhados pelo Cepea, a melhor relação de troca para o pecuarista leiteiro ocorreu em Santa Catarina que, na média do primeiro semestre deste ano, gastou 0,93 litro de leite por quilo de concentrado. Já em São Paulo, o produtor precisou de 1,28 litro de leite para comprar um quilo de insumo concentrado.
OUTROS DADOS
Conforme o boletim da CNA/Cepea, na “média Brasil” o Custo Operacional Efeito (COE), que leva em conta os gastos correntes da propriedade rural, registrou elevação de 2,72% de janeiro a junho deste ano. Já o Custo Operacional Total (COT) – composto pelo COE, acrescido da depreciação e pró-labore da atividade – teve um aumento de 2,66%.
O boletim mostra ainda que a elevação dos custos ocorreu por causa dos grupos “mão de obra”, “suplementação mineral” e “concentrados”. Quanto aos preços dos adubos e corretivos, foi registrada elevação de janeiro a junho deste ano, embora tenha ocorrido queda no decorrer do mesmo período, o que freou o aumento no acumulado do primeiro semestre de 2014.
De acordo com o boletim CNA/Cepea, o grupo “mão de obra” acumulou acréscimo de 7,9% de janeiro a junho deste ano, impulsionado pelo reajuste nacional do salário mínimo no início de 2014 (de 6,78%) e pelos reajustes específicos estaduais: 7,28% em São Paulo; 7,51% no Paraná; 9,15% em Santa Catarina; e 12,73% no Rio Grande do Sul. Na média do período, o mesmo grupo correspondeu a 24% do COE da pecuária de leite, na “média Brasil”.
Responsável por 3% do COE da produção de leite no primeiro semestre, o grupo “suplementação mineral” teve um importante impacto nos custos com a produção ao registrar alta de 7,2% na “média Brasil”. Segundo Bedoya, de janeiro a junho de 2014, houve aumento considerável da demanda por este tipo de insumo, especialmente por parte dos pecuaristas de corte.
“Estes agricultores queriam evitar as perdas na produção por causa da baixa qualidade e de menor disponibilidade de forragens para alimentar os bovinos. Isto acabou refletindo nas cotações do referido insumo, que também é usado pela pecuária leiteira”, salienta o analista.
MÃO DE OBRA
Como Bedoya já mencionou, um dos itens que integram a cadeira leiteira no Brasil e que mais pesa para o produtor é a mão de obra, mas em alguns Estados foi observada queda na relação litro de leite gasto para pagar a mão de obra.
É o caso de Santa Catarina que, de janeiro a junho do ano passado, gastou 917,37 litros de leite para pagar um salário mínimo para o trabalhador. Em igual período de 2014, a relação caiu para 891,75 litros, resultando em um aumento no poder de compra de 2,8%.
Bahia foi a região que mais registrou melhora nesta relação: em 2013, gastou 815,27 litros para pagar um salário mínimo ao trabalhador; e, no segundo semestre deste ano, gastou 732,87 litros, o que favoreceu o poder de compra do pecuarista leiteiro com um aumento de 10,1%.
O boletim do CNA/Cepea ainda destaca que a mão de obra é o principal item da cesta de insumos da Bahia, por exemplo, representando 40,9% do Custo Operacional Efeito (COE).
O pior desempenho no mesmo comparativo foi de Goiás: gastou 745,11 litros para pagar o mínimo e teve alta de janeiro a junho de 2014 para 746,99 litros, ou seja, queda de 0,3% no poder de compra do produtor (veja outros comparativos no quadro abaixo).
PERSPECTIVAS PARA SEGUNDO SEMESTRE DO ANO
Bedoya acredita que, com o início do plantio da safra 2014/15, as especulações em torno de uma safra recorde podem provocar relativo aumento nos preços dos insumos. A produção de leite deve ser mais alta e, com mais oferta no mercado, a tendência é de queda de preços do produto.
“Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina já começaram a produzir mais leite nos últimos dois meses avaliados pelo Cepea (junho e julho de 2014), com efeitos a serem observados em setembro e outubro. Enquanto isso, o Centro-Oeste e o Sudeste ainda sofrem com os efeitos da seca prolongada. Porém, com o início da safra nestas regiões, deve também aumentar a oferta de leite, entre outubro e novembro”, informa o analista de mercado.
De acordo com Bedoya, considerando os resultados já apurados junto à captação de leite feita pelas indústrias da região Sul, nos meses de junho e julho passados, Rio Grande do Sul já produziu 18% mais leite; Santa Catarina, em torno de 13%; e Paraná, aproximadamente 12%.
“No Sudeste, conforme o analista de mercado, a produção de São Paulo subiu 3,2%; e Minas Gerais, em torno de 6%. No Nordeste, Bahia teve acréscimo de 7%; e, no Centro-Oeste, Goiás está desacelerado, com queda de 3% na produção leiteira”, pontua o especialista.
Segundo Bedoya, a alta da produção de leite no segundo semestre, que deve gerar queda de preços do item e, como consequência, do poder de compra dos pecuaristas da cadeia, é praticamente inevitável.
“O período coincide com o ciclo de nascimentos de bezerros. Com o aumento da lactação das vacas, os produtores precisam ordenhar e liberar o leite em um, no máximo dois dias da propriedade.”
Por isso, de acordo com o analista de mercado, 60% de 250 colaboradores do Cepea, entre indústrias e cooperativas da cadeia leiteira, acreditam que a receita em relação aos custos da produção deva permanecer estável; 30% preveem queda; e 10% apostam em alta da margem de lucro.
As entrevistas foram feitas em agosto, tendo o mês de setembro como referência para o pagamento da produção do setor. O boletim CNA/Cepea da equipe Gado de Leite é divulgado mensalmente, mas o documento de agosto trouxe um diferencial por ter avaliado o primeiro semestre de 2014.
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Por equipe SNA/RJ