Clima prejudica produção de leite; preço sobe no varejo

Consumidores já sentem alta de preços do leite nas gôndolas dos supermercados. Cenário favorece melhores ganhos para o produtor rural. Foto: Divulgação
Consumidores já sentem o aumento de preços do litro de leite nos supermercados. Cenário favorece melhores ganhos para o produtor rural. Foto: Divulgação

As condições climáticas, principalmente por causa do excesso de chuvas no Sul do País e seca no Centro-Oeste, reduziram a oferta de leite nos laticínios, forçando um aumento de preços do produto. De certa forma, o cenário favorece os ganhos para os produtores rurais, mas os consumidores já podem sentir o impacto nas gôndolas dos supermercados.

No atacado, levando em consideração a média de todos os produtos lácteos pesquisados pela Scot Consultoria, os preços do leite e derivados tiveram alta de 4,4% na segunda quinzena de junho, em relação à primeira metade daquele mês. Com o mês de junho fechado, o preço médio do litro de leite sofreu um reajuste de 24,1% em comparação a maio deste ano. No acumulado do ano (até o sexto mês), o leite longa vida subiu 18,52%. Por causa disto, depois do feijão, o leite já vem sendo apontado como o “novo vilão” da inflação dos alimentos no Brasil.

No mês de julho, o Conselho Paritário Produtor/Indústria de Leite do Estado de Santa Catarina (Conseleite) anunciou um reajuste de 16% nos valores de referência para o mês, o que deve resultar em alta de 19 a 24 centavos sobre os valores praticados em junho.

“A redução na oferta de leite é temporária e decorre, basicamente, das condições climáticas. Nos próximos meses, vamos recuperar o nível de produção e normalizar o abastecimento. Neste quadro, fica difícil uma intervenção governamental, porque esta escassez não é culpa do produtor”, afirma, em entrevista à equipe SNA/RJ, Adelar Maximiliano Zimmer, presidente do Conseleite de Santa Catarina.

 

“A redução na oferta de leite é temporária e decorre, basicamente, das condições climáticas”, ressalta o presidente do Conseleite-SC, Adelar Maximiliano Zimmer. Foto: Divulgação
“A redução na oferta de leite é temporária e decorre, basicamente, das condições climáticas”, ressalta o presidente do Conseleite de Santa Catarina, Adelar Maximiliano Zimmer. Foto: Divulgação

Em Rio Grande do Sul, também há previsão de aumento de preços do produto: algo em torno de 11%, devendo chegar a R$ 1,3170, quase 13 centavos a mais em comparação ao valor de R$ 1,1849 fechado em junho. O aumento é o maior já registrado pelo Conseleite-RS.

“Registramos em julho o maior valor projetado para o leite no histórico do Conseleite. É verdade que tivemos picos nos anos de 2007, 2009 e 2013. No Rio Grande do Sul, os preços aumentaram, especialmente puxados pelo leite UHT. Há outros itens nesta sequência crescente, como queijo prato, o leite condensado e leite em pó”, comenta Alexandre Guerra, presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado de Rio Grande (Sindilat-RS), em entrevista à equipe SNA/RJ.

Em sua avaliação, os preços deverão seguir altos em agosto e, em seguida, a tendência é se ajustarem: “Mesmo assim, não deverão retornar aos patamares de 2015. Esse panorama é influenciado, especialmente, frente a um cenário impactado pela queda da produção no campo”.

Sobre a queda de produção, Guerra comenta que ela tem caído desde o ano passado. “O setor vem sendo impactado por diferentes fatores: pelo clima severo no último ano, primeiro com o excesso de chuvas e depois com o calor; e agora com o frio intenso, que prejudicou a pastagem”.

Por causa deste cenário, o presidente do Sindilat-RS diz que a alimentação dos animais precisou ser reforçada. “Tivemos ainda o impacto do aumento nos custos na produção no campo, com o elevado aumento dos insumos. Além disso, tivemos desistências no campo de produtores que optaram pelo gado de corte, pelos valores maiores. O conjunto representou um impacto considerável na produção da região Sul que, pelas pesquisas, passa de 6% o percentual de queda comparando com o ano passado.”

 

DÉFICIT NA BALANÇA

O déficit na balança comercial de lácteos do Brasil, no primeiro semestre, já é o dobro do registrado em todo o ano passado. De janeiro a junho, o País importou US$ 268,6 milhões em produtos lácteos e exportou US$ 62,7 milhões (déficit de US$ 205,9 milhões).

 

“É preciso, no entanto, desenvolver uma série de ações como, por exemplo: precisamos diminuir o custo de logística, aumentar a produtividade junto ao produtor e trabalhar no controle da sanidade; buscar isonomia fiscal e terminar com a guerra fiscal entre Estados”, pontua o presidente do Sindilat-RS, Alexandre Guerra. Foto: Divulgação
“É preciso, no entanto, desenvolver uma série de ações como, por exemplo: precisamos diminuir o custo de logística, aumentar a produtividade junto ao produtor (de leite) e trabalhar no controle da sanidade; buscar isonomia fiscal e terminar com a guerra fiscal entre Estados”, pontua o presidente do Sindilat-RS, Alexandre Guerra. Foto: Carolina Jardine

“A queda interna da produção fez com que o mercado buscasse mais produtos junto a outros países exportadores, principalmente no Mercosul, como Argentina e Uruguai, volume este para complementar a demanda interna. Mas é importante que seja mantido o controle das importações para não desequilibrar o mercado interno e prejudicar o setor quem vem buscando minimizar os seus elevados custos de produção”, alerta Guerra.

Sobre possível intervenção do governo federal para sanar os atuais problemas do mercado de lácteos, o presidente do Sindilat-RS destaca que tem muito trabalho sendo feito pelas entidades representativas da cadeia leiteira, juntamente com o poder público, com o objetivo de criar políticas de Estado para o desenvolvimento do setor.

“É preciso, no entanto, desenvolver uma série de ações como, por exemplo: precisamos diminuir o custo de logística, aumentar a produtividade junto ao produtor e trabalhar no controle da sanidade; buscar isonomia fiscal e terminar com a guerra fiscal entre Estados”, pontua Guerra.

Para ele, estas ações são as mais urgentes para “termos condições de sermos mais competitivos, para abertura de novos mercados e nos consolidarmos no mercados externos”. “Já na indústria, nossa atenção gira em torno de produzir ainda mais itens de valor agregado, inovar com produtos que mostrem mais benefício à saúde, para despertar novos hábitos alimentares e, assim, aumentando o consumo interno.”

 

ANÁLISE DA SNA

Diretor da Sociedade Nacional de Agricultura, Alberto Figueiredo destaca que, só em 2016, o valor do leite UHT no atacado já registrou aumento de quase 60% que foi, em parte, absorvido pelos varejistas, que só repassaram menos da metade deste percentual aos consumidores.

“Isto se deu pela estagnação da economia brasileira, que diminuiu o poder de compra dos consumidores, por um lado, e pela estratégia de uso pelas grandes redes, que realizaram promoções do produto como forma de atrair os consumidores para suas lojas”, salienta.

Figueiredo alerta, no entanto, que “precisamos ter em mente que o leite sempre esteve com preços baixos para o consumidor, historicamente, por ação do próprio poder público, que sempre tutelou o setor com portarias de definição de preços, em proteção ao consumidor”. “Com estas leis de mercado, novos patamares vieram para ficar.”

“Comparados com outros produtos ofertados no mercado de alimentos, o que precisa ser verificado é quanto está sendo pago pela proteína e outros importantes ingredientes nutricionais presentes no leite, em relação aos presentes em outros produtos, não tão ricos e completos”, destaca o diretor da SNA.

 

“Precisamos ter em mente que o leite sempre esteve com preços baixos para o consumidor, historicamente, por ação do próprio poder público, que sempre tutelou o setor com portarias de definição de preços, em proteção ao consumidor”, ressalta o diretor da SNA Alberto Figueiredo. Foto: Raul Moreira/Arquivo SNA
“Precisamos ter em mente que o leite sempre esteve com preços baixos para o consumidor, historicamente, por ação do próprio poder público, que sempre tutelou o setor com portarias de definição de preços, em proteção ao consumidor”, afirma o diretor da SNA Alberto Figueiredo. Foto: Raul Moreira/Arquivo SNA

CUSTO DA PRODUÇÃO

Segundo ele, em análises publicadas em revistas especializadas, é observado que o custo da produção do leite teve um incremento de quase 30%, entre junho de 2015 e igual mês neste ano, enquanto o valor pago ao produtor foi reajustado em patamares inferiores a 20%.

“Desta forma, existe processo natural de desestímulo à produção, que já se reflete nas estatísticas, verificando-se tendência de índices negativos de captação de leite pelas indústrias, desde meados de 2015, com maior evidência no primeiro semestre de 2016”, diz Figueiredo.

Ele avalia que, pelos princípios da lei natural mais antiga – o da oferta e procura –, a diminuição da oferta tem provocado aumento de preço. “Estamos em plena entressafra, momento em que as baixas temperaturas e a redução dos índices pluviométricos provocam significativa redução da produção das pastagens, principais fontes nutricionais dos rebanhos bovinos, resultando na queda da produção e no aumento de custos, pela necessidade da utilização de suplementos alimentares para o rebanho, tanto volumosos como concentrados.”

 

REALIDADE BRASILEIRA

Figueiredo pontua que a realidade brasileira pode, assim, ser resumida:

– Pelo lado do produtor: baixa produtividade média, uso insignificante de agricultura de produção de alimentos mais econômicos nas fazendas e falta de integração com os “compradores” ou até mesmo cooperativas.

– Pelo lado das indústrias: ociosidade nas plataformas, aumentando custos de industrialização.

– No comércio: o Brasil está praticamente de fora do mercado internacional, por inércia do próprio setor e falta de uma política internacional adequada por parte do poder público, no que diz respeito às relações diplomáticas de interesse econômico.

 

AÇÕES DO GOVERNO

Quanto às ações de governo, o diretor da SNA entende que, em curto prazo, a não ser pela redução de tarifas e exigências legais à importação, poucas opções restam no sentido de reverter o quadro de elevação de valores do leite no mercado.

“Algumas iniciativas, como é o caso do programa Balde Cheio, tem sido desenvolvidas, no sentido de ampliar o número de profissionais aptos a transferirem, para os produtores rurais, tecnologias visando ao aumento de produção e produtividade”, destaca.

Figueiredo pondera que “a resistência às mudanças por parte dos próprios produtores, talvez pelo receio de maior risco com a incorporação de investimentos e custos fixos e variáveis, tem dificultado o aumento de abrangência dessas iniciativas”.

Para o diretor da SNA, “o Brasil tem enorme potencial de aumento de produção da cadeia de lácteos, principal por causa da melhoria da produtividade, tanto e principalmente das áreas ocupadas quanto dos rebanhos, à medida em que se especializam mais”.

 

POTENCIAL BRASILEIRO

Apesar disto, continua Figueiredo, “o descompasso entre custos de produção e valores de venda do produto tem feito com que grandes, médios e/ou pequenos produtores diminuam suas produções, ou mesmo desistam do processo, com sucessivas liquidações totais de plantéis, alguns de elevado valor genético, muitas vezes para os matadouros”

“A melhoria sonhada da economia brasileira, com a consequente possibilidade de aumento de consumo de alimentos, dentre eles o leite, por um lado, e a mudança de postura do setor em relação ao mercado mundial, por outro, podem provocar o estímulo que a atividade necessita para ocupar o espaço natural que lhe é reservado no mercado brasileiro e internacional”, analisa o diretor da SNA.

 

Por equipe SNA/RJ

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