Doença é considerada a inimiga número um da citricultura no mundo. Até hoje não foram identificadas variedades comerciais resistentes
Após dez anos do primeiro relato do huanglongbing (HLB) no Brasil, foram finalizadas ferramentas e tecnologias que podem ser utilizadas pela defesa fitossanitária para exclusão, diagnóstico e erradicação do HLB, como um software que simula epidemias. São resultados de uma rede estruturada para detecção da bactéria causadora do HLB em regiões onde a doença ainda não estivesse presente. Para isso, foi feito um trabalho de monitoramento do inseto-vetor, a Diaphorina citri, da presença da bactéria e dos sintomas em cinco regiões citrícolas: no Amazonas, Pará, Rio Grande do Sul, na Bahia (Recôncavo e Litoral Norte) e no semiárido, em Petrolina (PE).
O pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Francisco Laranjeira afirma que a segunda fase da pesquisa não é uma simples continuação. “As ferramentas foram desenvolvidas, as metodologias, tanto de campo como biomatemáticas, foram criadas e agora precisamos trabalhar na adoção disso.” Laranjeira acrescenta que, com esse projeto, denominado HLB BioMath, a Embrapa amplia a interação com grupos de pesquisa de outros países, como a Universidade de Cambridge e o Rothamsted Research (Inglaterra), o Instituto de Pesquisa em Fruticultura Tropical Cuba) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A doença ainda causa perdas expressivas em importantes regiões produtoras, colocando em xeque a sustentabilidade da cadeia citrícola.
O HLB é considerado o inimigo número um da citricultura hoje no mundo. Esse status é garantido principalmente por um fator: não foram identificadas variedades comerciais resistentes. Então, o que fazer diante de uma doença extremamente difícil de ser controlada? Além de batalhar em busca de uma saída pela via do controle genético, a Embrapa vem desenvolvendo, ao longo desse período, em conjunto com importantes parceiros, uma série de ações que abrangem, por exemplo, prevenção, controle do inseto que transmite a doença, práticas culturais e diagnóstico precoce de plantas infectadas. Uma das principais contribuições da Empresa nesses dez anos de luta contra a doença — identificada nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná — é o projeto HLB BioMath, que criou a chamada Rede Sentinela.
Mais iniciativas
Também se destaca nesse conjunto de ações o desenvolvimento de um equipamento de diagnose precoce — o aparelho portátil está em fase de validação —, sob a liderança da pesquisadora Débora Milori, da Embrapa Instrumentação (SP), a primeira tecnologia gerada pela Embrapa a ser entregue para o HLB. Essa tecnologia utiliza a fotônica para identificar sinais da doença antes do aparecimento dos sintomas, “o que é muito importante porque o HLB é uma doença traiçoeira, que evolui lentamente. Pode levar meses, anos, até que os primeiros sintomas apareçam”, explica o pesquisador Eduardo Girardi, coordenador do Arranjo HLB dos Citros, que engloba 11 projetos finalizados e 17 novas propostas, agrupadas em sete linhas temáticas (analítica, biomatemática, controle biológico, sistemas de produção, melhoramento convencional, biotecnologia e gerenciamento/comunicação do arranjo), e conta com a participação de 20 centros de pesquisa da Embrapa, além da parceria de 17 instituições externas.
Já a pesquisadora Juliana Astúa, responsável pelo campo avançado da Embrapa Mandioca e Fruticultura localizado em Cordeirópolis (SP), no Centro de Citricultura Sylvio Moreira (CCSM), vinculado ao Instituto Agronômico (IAC) — instituição que identificou pela primeira vez o HLB no Brasil —, vem desenvolvendo projetos na área de controle biológico e transgenia. Concluiu recentemente testes isolados de Bacillus thuringiensis (BT) para controlar a Diaphorina citri (nome do inseto-vetor). Nessa parte inicial, foram identificados três isolados interessantes. “Uma bactéria de BT pode ter vários genes de toxinas diferentes. Um dos isolados que identificamos como potencial continha cinco toxinas. Uma delas mata em torno de 90 a 93% de ninfas do inseto depois de cinco dias. O importante é que a eficiência é bem alta, similar à de controle químico. Agora temos de ver como disponibilizar esse material para os produtores. Precisamos sair também do laboratório e testar em campo. É o que vamos fazer no novo projeto”, informa a pesquisadora.
Esse trabalho terá continuidade, agora com foco na transgenia. “Com as informações de como a planta está respondendo, quais genes estão sendo induzidos ou reprimidos, nossa estratégia agora é usar alguns desses genes que responderam de forma interessante à inoculação da bactéria causadora do HLB para produzir plantas transgênicas. A ideia, na verdade, é de cisgenia, trabalhar com genes de citros mesmo, em busca da resistência ao HLB”, explica Juliana. Há também a ressaltar o trabalho do pesquisador Eduardo Stuchi, que conseguiu caracterizar uma série de acessos genéticos para o HLB. “Infelizmente pode-se dizer hoje que nenhum material conhecido até o momento tem efetiva resistência à bactéria, todos são suscetíveis. Mas, por esses estudos, porta-enxertos ananicantes parecem postergar a epidemia”, conta Girardi. O programa de melhoramento genético, liderado pelo pesquisador Walter Soares, está próximo de fazer o lançamento e a recomendação de porta-enxertos ananicantes (porta-enxerto é a parte inferior que corresponde ao sistema radicular, que dá suporte à planta; e ananicante é a capacidade que o porta-enxerto tem de reduzir o tamanho da árvore). “A Embrapa tem hoje mais de 300 híbridos em avaliação no campo em São Paulo. Desses, a equipe acredita que pelo menos de seis a dez porta-enxertos poderão ser lançados nos próximos anos”, informa Girardi.
As ações da Embrapa envolvem ainda importantes colaborações internacionais. O pesquisador Eduardo Andrade é responsável por outro projeto na área de controle biotecnológico do vetor, conduzido no Laboratório Virtual da Embrapa nos Exterior, Labex-EUA. Andrade desenvolve sua pesquisa no USDA em Fort Pierce, na Flórida, em colaboração com o pesquisador Wayne Hunter, voltada para a identificação de alvos genéticos (genes essenciais) no inseto-vetor para o desenvolvimento de estratégias de controle desse inseto pela tecnologia de RNA interferente. “O objetivo é desenvolver moléculas [remédio] que serão aplicadas às plantas de citros e quando ingeridas pelo vetor causem sua morte, sem a necessidade de transformação genética da planta de citros, ou seja, sem estabelecer plantas transgênicas, mas ‘vacinadas’ contra o vetor”, explica Andrade.
O HLB no Brasil e no mundo
Surgido na Ásia há mais de cem anos, o HLB foi identificado no Brasil em 2004, em São Paulo, estando presente, de acordo com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), em todas as regiões citrícolas do estado. Em 2005, foi detectado no sul do Triângulo Mineiro e, em 2006, no norte do Paraná. Está, por enquanto, restrito a essas regiões, mas o perigo de se espalhar pelo País é iminente. Conforme o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), cerca de 74% das plantações de citros estão nesses estados, mas 88% das microrregiões brasileiras produzem algum tipo de citros, e o inseto-vetor, a Diaphorina citri, está presente em praticamente todo o Brasil.
Dados da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA) do estado de São Paulo dão conta de que 34 milhões de plantas com HLB foram eliminadas no estado desde 2004. “Em algumas regiões, o número de talhões contaminados supera os 60%. O monitoramento é fundamental para evitar que a doença se espalhe”, afirma Girardi. Segundo o fitopatologista Renato Bassanezi, pesquisador do Fundecitrus, estima-se que, este ano, 14% das plantas de laranja do parque citrícola paulista estejam com sintomas no campo.
O engenheiro-agrônomo Reinaldo Corte, consultor em citricultura e coordenador da comissão técnico-científica do Grupo de Consultores em Citros (Gconci), salienta que, desde a detecção da doença, grandes esforços têm sido feitos e grandes quantias de dinheiro têm sido empregadas nas pesquisas com o HLB. “Isso tem nos permitido primeiramente conhecer melhor a doença, para, em seguida, desenhar estratégias de manejo. Pelas características da planta, que é perene, e da doença, que tem longo período de incubação, os resultados iniciais vêm de forma mais lenta do que o avanço da doença. Vemos com boas perspectivas o trabalho da Embrapa de coordenação de um projeto maior para fazer face a essa devastadora doença”.
Desde os anos 1980, quando a Flórida (EUA) teve queda na produção por causa das geadas, o Brasil assumiu o primeiro lugar como maior produtor de laranja do mundo e nunca mais perdeu essa posição. Girardi explica que o País responde aproximadamente por 35% de toda a laranja do mundo e mais da metade (52%) do suco produzido, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Em termos de mercado, o Brasil detém 80% do mercado mundial de suco. Esses números dão a dimensão da importância do negócio citrícola para o Brasil, o que justifica a preocupação que gira em torno do HLB.
A doença está presente em quase todas as regiões produtoras do mundo, exceto nos países mediterrâneos e na Austrália. Pode ser causada pela bactéria asiática (a mais agressiva e presente no Brasil), a americana ou a africana. Nos locais em que ocorre há muitas décadas, provoca perdas expressivas, reduzindo a produtividade à faixa de 10 a 15 toneladas de frutos por hectare em áreas com HLB endêmico. “Por outro lado, em áreas onde não ocorre a doença ou sua incidência é mantida em níveis muito baixos, a produtividade pode ser muito superior, chegando a quantidades acima de 50 toneladas por hectare”, conta Girardi. Bassanezi acrescenta que, na Flórida, onde não foram adotadas medidas de eliminação de plantas doentes, estima-se que mais de 60% das plantas estejam com sintomas de HLB, e nos dois últimos anos as safras de laranja foram reduzidas em mais de 20% cada ano. São notícias muito ruins, porque, como enfatiza Girardi, não é interessante um cenário em que os problemas comecem a restringir demais a produção, pois isso também se reflete no consumo.
Drama social
O pesquisador afirma que vários produtores já saíram do negócio citrícola em função do HLB. “É um drama social. Há desde o pequeno produtor que perdeu áreas até grandes grupos tradicionais,” diz Girardi. A legislação brasileira determina que, se houver a incidência de 28% de HLB, o produtor é obrigado a eliminar a área toda para não contaminar plantações vizinhas. Ospequenos produtores são os mais prejudicados, como avalia Reinaldo Corte. “A pequena dimensão da propriedade faz com que não haja uma bordadura onde se possa diminuir a velocidade de avanço da doença e proteger as áreas internas. Há ainda o menor acesso à informação, o menor poder de barganha na negociação de insumos e na venda da produção, a existência de outros pequenos produtores vizinhos nas mesmas condições e os baixos preços atualmente praticados”, analisa o consultor.
Alessandra Vale, Embrapa Mandioca e Fruticultura