China quer maior produção própria de sementes para conter a Monsanto

Uma disputa ocorrida no ano passado por uma pequena fabricante de sementes agrícolas na China revela como o governo planeja garantir suas fontes de alimentos: criando uma rival para a Monsanto Co.

A segunda maior economia do mundo precisa de uma empresa que possa sobreviver sozinha no mercado de sementes da China — que movimenta US$ 17 bilhões por ano — contra as gigantes do agronegócio mundial, que também incluem a DuPont Co. e a Syngenta AG.

No ano passado, a empresa estatal Hunan Xindaxin Co. fez uma oferta hostil de U$$ 60 bilhões pela Origin Agritech Ltd., uma fabricante de sementes listada na Nasdaq que controla os direitos do primeiro milho modificado geneticamente na China.

A Agritech acabou recusando a oferta em novembro. Mas os principais executivos da empresa sediada em Pequim acreditam que a Xindaxin está preparando uma outra investida, já que a China está tentando encontrar uma potência nacional que consiga conter as gigantes estrangeiras, ao mesmo tempo em que o país eleva significativamente os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

“A Xindaxin tem seus pontos fortes — a questão é se ela é capaz de gerar algum ganho para a Origin”, disse o presidente da Origin, Han Gengchen, em entrevista ao The Wall Street Journal. A Xindaxin não respondeu a pedidos de comentário.

Por 20 anos, as grandes produtoras de sementes estrangeiras vêm se voltando para a China, atraídas por um mercado tão grande que deve ultrapassar os Estados Unidos como o maior consumidor de alimentos do mundo em 2018, segundo a Associação das Indústrias de Alimentos.

Sendo o maior mercado mundial de sementes depois dos EUA, a China limita a participação de produtores estrangeiros a fatias minoritárias em joint ventures.

Sementes de empresas estrangeiras abastecem cerca de 20% do mercado, mas é provável que esse percentual cresça à medida que as diferenças na qualidade entre os produtos nacionais e estrangeiros aumentem, dizem agricultores e analistas.

“Há um receio de que as empresas chinesas de sementes não sejam capazes de concorrer com a Monsanto, DuPont, Syngenta porque não têm força e tecnologia”, diz Loren Puette, diretor da consultoria agrícola ChinaAg.

O esgotamento das terras próprias para o plantio e o avanço mais lento da produtividade das sementes locais levantaram questões entre as autoridades sobre a viabilidade de atender a demanda da China por alimentos só com recursos domésticos. Mas o governo quer que suas fabricantes sejam capazes de produzir sementes que possam competir com produtos estrangeiros antes da abertura do mercado, dizem autoridades.

Apesar do tamanho do consumo do país, as fabricantes de sementes da China são muito pequenas e dispersas, o que torna difícil para o governo controlar a biotecnologia que sustenta a força competitiva das produtoras mundiais de sementes.

“A China irá se abrir — a questão é quando”, diz Pierre Cohadon, diretor regional da Syngenta no país. “Provavelmente será quando a China estiver suficientemente segura de que possui a tecnologia e a capacidade.”

O plano de desenvolvimento de Pequim prevê que as 50 maiores fabricantes de sementes da China dobrem sua participação no mercado interno para 60% até o fim desta década. “Até 2020, um novo sistema será formado para a criação de novas variedades de sementes com alta produtividade, boa qualidade e resistentes a doenças”, afirmou no ano passado o Conselho de Estado, o gabinete chinês.

As mudanças estão em andamento. O governo chinês reduziu o número de empresas domésticas de sementes de 8.700 em 2011 para 5.200 no ano passado. Pequim está pressionando as empresas para que tripliquem o número de patentes de tecnologia agrícola até 2020 em comparação aos números de 2013. As estatais, diz o governo, vão liderar esse processo.

O número de aquisições no setor de sementes da China realizadas no ano passado triplicou em relação a 2012, segundo a firma de pesquisa CCM. A Yuan Longping High-Tech Agriculture Co., cujas ações são negociadas na bolsa de Shenzhen, foi uma das mais agressivas, tendo comprado pelo menos três fabricantes de sementes de menor porte desde 2013. Ainda assim, é irrealista esperar o nascimento de uma Monsanto chinesa dentro de cinco anos, afirma a ChinaAg.

Mas o tamanho da China é uma vantagem. Sua maior produtora de sementes, a Longping, tem um valor de mercado de 20.2 bilhões de yuans (US$ 3.26 bilhões), o que a torna a quarta maior fabricante de sementes do mundo nesse critério. O problema é que a Longping — cuja holding é a Hunan Xindaxin — atua mais como uma colcha de retalhos de produtores vinculados do que uma única corporação de grande porte, diz Cohadon, da Syngenta. A Longping não respondeu a solicitações de comentários.

O principal déficit da China está em pesquisa e desenvolvimento, dizem analistas.

As fabricantes de sementes locais não deram muita atenção à pesquisa até cerca de 2011, quando uma diretriz estatal forçou as empresas de sementes a divulgar investimentos em pesquisa e desenvolvimento em seus relatórios anuais. A Longping informou que seus investimentos em P&D em 2013 somaram US$ 15 milhões — menos de 1% do que a Monsanto investe.

Se as produtoras chinesas não ampliarem seus investimentos em P&D, os analistas acreditam que elas ficarão reduzidas à condição de intermediárias quando a China abrir seu mercado de sementes.

“Quando o [milho geneticamente modificado] for introduzido, ficaremos mais que felizes de ser parte do jogo”, diz Thierry Boyer, líder da Monsanto na China, que estima em 3% sua fatia do mercado de milho no país. “Por enquanto, atuamos dentro das regras existentes.”

As empresas de sementes da China veem a si mesmas como reservas de valor. A China atualmente permite a importação de ração animal geneticamente modificada e proíbe organismos transgênicos para consumo humano, com exceção de mamão.

Os executivos estimam que a produção comercial de alimentos geneticamente modificados para uso humano deve ser permitida na China até 2020; os produtores locais estão preparados para se beneficiar do acesso a variedades geneticamente modificadas internamente.

“Eu digo para as pessoas que o valor desta empresa é o da Monsanto multiplicado pelo Baidu e dividido pelo Google, diz James Chen, diretor financeiro da Agritech. Ele ri, mas a comparação é séria: a Agritech acha que está para a Monsato como o Baidu Inc., gigante chinês das buscas na internet, está para o Google Inc.

 

 

Fonte: The Wall Street Journal

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