As importações chinesas de soja dos Estados Unidos dispararam em agosto e novas compras continuam sendo fechadas. Segundo analistas, são sinais de que, apesar das incertezas que cercam o futuro das disputas comerciais entre Washington e Pequim, o grão americano está com preços competitivos neste início de colheita da safra 2019/20 naquele país e que as exportações brasileiras no ano poderão ficar abaixo do que indicam as atuais estimativas.
Segundo dados da Administração Geral das Alfândegas da China destacados pela agência Reuters, o país importou 1.68 milhão de toneladas de soja dos EUA no mês passado, seis vezes mais que em agosto de 2018 (265.400 toneladas).
É verdade que a base de comparação é baixa, uma vez que a troca de golpes entre as duas potências começou em julho do ano passado e o grão entrou logo na primeira lista de produtos americanos taxados pela China em 25%. Mas o volume também foi 84% superior ao de julho, o que é uma demonstração de que as forças do mercado ainda se fazem sentir.
Antes do início da “trocação”, era normal a China acelerar as importações de soja dos EUA no início do segundo semestre, quando têm início a colheita de grãos no Hemisfério Norte, e virar o foco para Brasil e Argentina no começo do ano, quando a produção do Hemisfério Sul começa a entrar no mercado. Disfarçado de armistício, o movimento volta a dar o tom em 2019 após ter sido desvirtuado em 2018.
Maior exportador de soja do mundo, à frente de EUA, o Brasil foi o maior beneficiado pelas compras fora de hora da China, responsável por quase 60% das importações globais, segundo dados do USDA.
Com demanda aquecida e prêmios elevados, os embarques brasileiros do grão, também viabilizados por uma produção recorde no ciclo 2017/18, cresceram 22,60% e alcançaram o pico de 83.6 milhões de toneladas no ano passado, de acordo com a Associação Brasileiras das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Com o arrefecimento da demanda chinesa, em boa medida em razão da epidemia de peste suína africana – que reduziu o plantel de porcos do país asiático e, consequentemente, afetou a demanda por ração – desde o início deste ano é esperada uma queda das exportações brasileiras.
Em julho, a Abiove estimou os embarques de 2019 em 68.1 milhões de toneladas, uma queda de 18,50%, mas a previsão poderá ficar comprometida caso as “compras amigáveis” de soja dos EUA pela China permaneçam mais regulares.
Ontem, o USDA informou que exportadores americanos venderam 581.000 toneladas para a China. Como no caso dos volumes entregues no país asiático em agosto, são negócios fechados sem a incidência da tarifa de 25%. Um gesto de boa vontade, segundo Pequim, mas cercado de bons motivos econômicos. Tanto que os prêmios pelo grão brasileiro, que ficaram próximos de US$ 0,90 por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos) em setembro de 2018, neste mês estão abaixo de US$ 0,40, segundo análise do banco Rabobank.
Esses prêmios significam o valor que os importadores estão pagando a mais pela soja brasileira acima das cotações na bolsa de Chicago. E essas continuam em baixo patamar – daí a preferência chinesa. Na terça-feira, o contrato futuro com vencimento em janeiro de 2020 encerrou a sessão em Chicago cotado a US$ 9,07¾ o bushel, já com uma alta acumulada em 12 meses de 6% mas em queda ainda de quase 9% em relação a agosto de 2017.
Se depender de Chicago, portanto, a China tem boas possibilidades de fechar bons negócios nos EUA, principalmente se a estratégia das “compras amigáveis”, sem data certa para serem fechadas, continuar sendo explorada.
São grandes as reservas americanas. Os estoques finais da safra 2018/19, encerrada em agosto, alcançaram quase 30 milhões de toneladas, três vezes mais que em 2017/18, e a evolução da colheita do país em 2019/20, mesmo que de fato seja 20% menor (100.2 milhões de toneladas, segundo o USDA), tende a manter o mercado abastecido nos próximos meses.
Ontem o vencimento janeiro fechou em baixa de 1,90% em Chicago, apesar das notícias que confirmaram o aumento das importações chinesas do produto americano em agosto e das novas aquisições fechadas. Mas os mercados estavam contaminados pelos problemas políticos domésticos que cercam o presidente Donald Trump.
De qualquer forma, o mercado não espera que as cotações superem muito o nível atual. Principalmente se os chineses, com mais de 5.000 anos de comércio nas costas, continuarem a administrar suas “compras amigáveis” com a costumeira eficiência.
Valor Econômico