Carne de frango no fundo do poço

A crise enfrentada pela indústria brasileira de carne de frango, em especial a líder BRF, atingiu o fundo do poço. Tanto que os preços do produto, que caíram quase 8% em abril, já esboçam alguma reação. A expectativa é que, aos poucos, a sobreoferta de frango provocada pelo embargo da União Europeia a 20 abatedouros de aves do país deverá ser amenizada, na medida em que a produção se ajustar a partir da paralisação temporária de diversos frigoríficos.

Do lado dos custos de produção, que também pressionam a rentabilidade das empresas do segmento, o cenário igualmente dá sinais de melhora. Após disparar nos primeiros meses de 2018, o preço do milho cedeu um pouco em abril, o indicador Esalq/BM&FBovespa recuou 2,3% no mês, e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já alertou os agricultores que estão segurando suas vendas de que poderá haver “pressão de baixa” no médio prazo”. Desde o início do ano, o cereal acumula valorização de 22%.

O próprio movimento de redução da produção de frangos reduz a demanda por grãos, gerando reflexos positivos nos preços da ração, composta basicamente por milho e farelo de soja. Considerando apenas a BRF, que reduzirá seus abates diários em cerca de 1 milhão de frangos durante um mês, a demanda por milho poderá diminuir até 90.000 toneladas, o volume depende do tamanho das aves que deixarão de ser vendidas, segundo três especialistas consultados pelo Valor.

“A gente já bateu no fundo do poço em termos de preço e prazo de resposta das empresas”, disse ao Valor o vice-presidente de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. De acordo com o dirigente, abril foi o período mais difícil do ano para o segmento. Foi quando os reflexos negativos da Operação Trapaça, que investiga fraudes em testes de salmonela que teriam sido cometidas pela BRF e laboratórios de análises, se mostraram mais claramente.

Em abril, o preço da carne de frango congelada no atacado da Grande São Paulo recuou 7,9%, para R$ 2,91 o quilo, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). “O descredencimento de 20 unidades frigoríficas [pela UE, que reduziu as exportações], mexeu no mercado e pressionou os valores”, disse Juliana Ferraz, analista de carnes do Cepea.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic) sobre as exportações de carne de frango in natura mostram o quão perturbador foi abril. Os embarques totalizaram 252.000 toneladas, quase 100.000 toneladas a menos que em março e volume 14% mais baixo que em abril de 2017.

Mas, ainda que o quadro permaneça delicado, visto que dificilmente a UE reabilitará os frigoríficos embargados no curto prazo e que a Arábia Saudita, maior importadora do produto brasileiro, também impôs dificuldades ao exigir mudança no abate das aves, a avaliação da ABPA é que, com o fechamento temporário de unidades, a oferta deverá se ajustar. E, segundo Santin, os impactos dessa redução deverão começar a ser sentidos em junho.

A partir deste mês, funcionários da linha de abate de três frigoríficos da BRF entrarão em férias coletivas, o que deverá reduzir o abate diário de frango da companhia em 15%. A central catarinense de cooperativas Aurora também anunciou férias coletivas em duas unidades, uma vai parar em junho e outra em julho. Empresas menores do Sul também decidiram reduzir o ritmo.

Com isso, a relação entre oferta e demanda caminha para um ajuste. Mas isso é só um alento, disse Santin. Se ao longo do segundo semestre não houver uma evolução nas negociações com a UE, e caso as regras de abate para o frango exportado para a Arábia Saudita não sejam flexibilizadas, inevitavelmente haverá demissões, afirmou ele.

A avaliação de Santin é que, em um primeiro momento, empresas de menor porte sofrerão mais, devido à falta de flexibilidade para reduzir a produção de carne de frango sem demitir. No caso das grandes, BRF, Seara (JBS) e Aurora, que têm vários frigoríficos, é possível evitar demissões por mais tempo mesmo mantendo a produção reduzida.

Em recente entrevista ao Valor, o presidente do Santander no Brasil, Sergio Rial, também destacou que os efeitos mais negativos da crise setorial poderão recair sobre os avicultores de menor porte, e que alguns poderão não sobreviver.

 

 

Fonte: Valor

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