A Câmara dos Deputados aprovou ontem (22 de março) o projeto de lei de 1998 que libera a terceirização de todos os setores das empresas, seja atividade fim ou atividade meio, e também no serviço público, com exceção de carreiras de Estado, como auditor e juiz. O texto, criticado pela oposição sob a acusação de não apresentar garantias para os trabalhadores, foi aprovado por 231 a 188 e seguirá para sanção do presidente Michel Temer.
Diferentemente do texto votado há dois anos pela Câmara, essa proposta não tem dispositivos para impedir a chamada “pejotização” – demissão de trabalhadores no regime de CLT para contratação como pessoas jurídicas (PJ) – e restringir os calotes nos direitos trabalhistas. O texto anterior obrigava o recolhimento de impostos antecipadamente e a retenção de valores. Não há também no projeto garantia de que os terceirizados terão os mesmos direitos a vale-transporte, refeição e salários dos demais.
O relator da proposta, deputado Laércio Oliveira (SD-SE), ex-empresário do setor de serviços e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), afirmou que o mercado se autorregula.
“As contratantes já exigem os comprovantes de pagamentos dos direitos trabalhistas antes de quitarem a fatura. Não precisa estar escrito na lei”, disse.
Para ele, o importante é diminuir a judicialização sobre quais setores podem ser terceirizados. Os direitos trabalhistas estarão garantidos na CLT e em acordos coletivos, afirmou.
Assessor informal de Temer, o ex-deputado Sandro Mabel afirmou ao Valor que vai sugerir à Casa Civil a edição de um Medida Provisória (MP) para criar um fundo “anti-calote”, que preserve a arrecadação do governo e os pagamentos dos direitos trabalhistas.
“Será necessária uma MP para fazer alguns ajustes, como uma garantia, um seguro de que as contribuições previdenciárias e encargos trabalhistas serão pagos”, afirmou.
Mabel é autor do projeto 4330/04, que está parado no Senado e que contém a previsão de um fundo, com um percentual de 4% do valor do contrato, para garantir o pagamento dos encargos, caso a empresa terceirizada deixe de honrar com seus compromissos. “O 4330 era mais firme na questão do calote”, disse.
O projeto aprovado ontem é de 1998 e ficou paralisado na Câmara durante todo o governo Lula, apesar da pressão de empresários para que o assunto avançasse. Hoje, os contratos de terceirização são regulados apenas por súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que impede o uso na atividade-fim das empresas (aquela para a qual foi criada). Os terceirizados eram permitidos apenas para funções secundárias, como limpeza e segurança.
Ontem, os partidos da base orientaram quase todos os votos a favor do projeto para liberar a terceirização em todos os setores das empresas (exceto o de transporte e vigilância de valores) e do funcionalismo público, excluindo carreiras de Estado.
Dos 330 deputados da base que votaram, contudo, 93 ignoraram a posição do governo, número que pode comprometer na análise da reforma da previdência, que exige no mínimo 308 votos. Mais de um terço de PSB, DEM, PR e PV votaram contra.
O projeto promove ainda profundas mudanças na legislação do trabalho temporário, objetivo inicial do projeto encaminhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998. Esse tipo de contrato terá o prazo triplicado, de três meses para nove meses, com possibilidade de ser ainda maior por acordo ou convenção coletiva.
Também torna muito mais abrangente o uso, permitindo a contratação para “demanda complementar” que seja fruto de fatores imprevisíveis ou, quando previsíveis, que tenham “natureza intermitente, periódica ou sazonal”. A lei hoje permite apenas para substituição temporária de funcionários – doença ou férias, por exemplo – e acréscimo extraordinário de serviços.
Pela versão aprovada, a responsabilidade da empresa que contratar outra para terceirizar serviços será subsidiária. Ou seja, ela só poderá ser acionada quando esgotadas todas as tentativas de acionar judicialmente a contratada. Sindicatos e a oposição defendiam a responsabilidade solidária, como ocorre atualmente, em que a tomadora de serviço – e que costuma ter mais bens – pode responder a qualquer momento.
Os deputados favoráveis ao projeto só recuaram em um ponto: a anistia para as empresas que cometeram irregularidades que se tornariam legais com a aprovação do projeto. Com isso, poderiam pedir devolução de multas pagas. O relator retirou esse trecho do relatório, dizendo que aumentaria a polêmica em plenário, mas que o governo informou que o impacto seria na ordem de R$ 12 bilhões. A anistia acabou rejeitada por 275 a 28.
Para a oposição, a terceirização aumentará o número de acidentes de trabalho e precarizará direitos. “O trabalhador, que agora será tratado como pessoa jurídica, deixará de ter 13º, férias. Ele passará de uma relação trabalhista para uma relação civil, de contrato. Não haverá proteção ao trabalho insalubre, ao trabalho noturno”, criticou a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
Relator da reforma trabalhista, que será votada no próximo mês, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) criticou o PT por usar a terceirização quando estava no governo, mas agora se manifestar contra.
“A Petrobras, de cada quatro funcionários, três são terceirizados. A Caixa Econômica também. O problema é que eles [PT] fazem de maneira malfeita e envergonhada”, disse. Na avaliação do tucano, a modernização gerará mais empregos.
Fonte: Valor Econômico