Brasil pressiona União Europeia na OMC sobre programa francês de incentivo à produção de soja

O Brasil começou a pressionar a União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a ampliação da produção de soja pela França, com questionamentos a respeito da sustentabilidade desse crescimento e sobre a legalidade dos subsídios usados para essa produção.

As questões, apresentadas pelo Brasil no Comitê de Agricultura da OMC, vão bem além do contexto técnico e têm um componente político, diante das tensões nas relações entre Brasília e Paris envolvendo a proteção da Amazônia.

Recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron voltou a vincular a produção brasileira de soja ao desmatamento no bioma. E confirmou estímulos à produção da commodity na França para não depender mais do Brasil nesse mercado.

Macron chegou a divulgar um vídeo nas redes sociais no qual afirma que “continuar a depender da soja brasileira seria endossar o desmatamento da Amazônia”, e que “não somos coerentes quando importamos” a soja produzida em ritmo acelerado a partir da floresta destruída.

O plano francês de “produzir a soja europeia ou (grãos) equivalentes” prosperou no governo de Macron, que tem uma tensa relação com o presidente Jair Bolsonaro.

Compatibilidade

Agora, o Brasil aproveitou a reunião periódica do Comitê de Agricultura para questionar a UE sobre a nova “estratégia nacional para proteínas vegetais” da França. O plano é aumentar em 40% a área total cultivada com proteínas vegetais no país até o fim de 2022, com custo inicial de 100 milhões de euros.

O Brasil questionou também o aumento acentuado na produção francesa entre 2008 e 2019, de 63.100 para 428.500 toneladas, e como o apoio para essa atividade estava sendo notificado à OMC. Nesse caso, o que Brasília quer saber é se os subsídios para o aumento da produção estão compatíveis com as regras internacionais.

Se o plano francês aparecer na “chamada caixa azul”, então algo estará errado, porque a ajuda por essa caixa visa justamente a limitar a produção.

Além disso, o Brasil perguntou sobre o acordo assinado pelos dez maiores grupos de supermercados da França, que prevê menções visíveis aos consumidores sobre a origem das mercadorias e espaços reservados aos produtos locais nas prateleiras dedicadas a “ofertas especiais”.

Respostas

Em relação à estratégia francesa para proteínas vegetais, a UE respondeu que os fundos proveem do plano de recuperação francês (orçamento da França e da UE) e de outros recursos a serem fornecidos por meio da Política Agrícola Comum (PAC) da UE.

As respostas europeias certamente não vão satisfazer o Brasil, e é de se esperar um aumento progressivo de questionamentos sobre o plano francês. Se, de um lado, Paris mantém críticas sobre a proteção da Amazônia e a produção de soja na floresta, de outro Brasília claramente sinaliza que os franceses também têm explicações para dar.

Quanto à carta de supermercados na França, a UE afirmou no Comitê de Agricultura da OMC que as autoridades do país europeu não contribuem para esse movimento e que não existe qualquer disposição para validação e controle, por parte das autoridades públicas, dos compromissos que as empresas assumiram.

O Paraguai acompanhou o Brasil na preocupação sobre como a França turbina sua produção de soja. A Argentina tem sido tímida até agora, não por discordar de seus sócios do Mercosul, mas porque toda sua missão em Genebra está em processo de mudanças.

Ceticismo

Quando o ministro francês da Agricultura, Julien Denormandie, anunciou, no ano passado, o plano de mais produção de proteínas vegetais, argumentou que a França não podia aceitar ser tão dependente das importações de soja brasileira.

No entanto, em entrevista ao Valor o presidente do Sindicato Nacional da Industria da Nutrição Animal (SNIA), François Cholat, pareceu cético. “O objetivo é bom, mas não acredito. É o quinto projeto nos últimos 20 anos. E cada vez esbarra no problema econômico”, disse ele na ocasião.

Segundo Cholat, a soja francesa é 25% mais cara que a brasileira ou a americana. Em um contexto econômico complicado, é difícil o produtor abrir mão da soja do Brasil, especialmente rica em proteínas.

Cenário

As importações de soja brasileira pela UE caíram de cinco milhões para três milhões de toneladas nos últimos anos. Parte do farelo importado foi substituído por farelo de canola produzido na Europa.

A área destinada à soja na Europa dobrou para mais de 1 milhão de hectares desde a reforma da Política Agrícola Comum, em 2013, e a produção atingiu o recorde de 2.8 milhões de toneladas na safra em 2017/18.

Os principais produtores europeus de soja são Itália, França e Romênia. Cerca de 93% da soja na Europa é destinada à produção de rações. Já a demanda por proteínas vegetais cresceu dois dígitos entre os consumidores, na busca de substituição de carnes e produtos lácteos no cardápio.

Em 2017, foi iniciado o projeto “Soja do Danúbio”, com a participação de 8.500 agricultores de 21 países, boa parte deles no Leste Europeu, incluindo Ucrânia e Rússia. A produção já atinge 700.000 toneladas.

A avaliação é que a soja produzida em países como Romênia ou Hungria tem condições de concorrer com a do Brasil em termos de preço.

 

Fonte: Valor

Equipe SNA

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp