Os problemas vividos hoje pela economia argentina fizeram o peso das exportações brasileiras para o país despencar a níveis não vistos nem mesmo em 2002, no auge da crise da nação vizinha. Como resultado, a China cada vez mais ameaça a liderança do Brasil nas vendas para o seu principal mercado na região.
As compras argentinas de produtos brasileiros recuaram 41,70% no primeiro semestre, para US$ 5.3 bilhões, o que representa 21% das importações totais do país (eram 26% no mesmo período de 2018) – menor participação desde 2002, período em que foi iniciada a série histórica do Indec, o instituto local de estatísticas.
Naquele ano, os argentinos vinham de sucessivas trocas de presidente, da disparada do desemprego e da pobreza e de um calote histórico em sua dívida externa. As importações de artigos do Brasil representavam 25,60% do total.
Os cálculos brasileiros mostram um cenário parecido: queda de 41,60% no primeiro semestre deste ano, a segunda maior entre os 60 maiores destinos dos embarques, só atrás da registrada pela Venezuela (52,90%). A participação da Argentina nesse período caiu de 7,70% para 4,70%, ainda a terceira maior, atrás das China (27,60%) e dos Estados Unidos (13,40%), e com pequena vantagem sobre a Holanda (3,90%).
Uma das consequências dessa baixa é que o Brasil nunca esteve tão perto de perder para a China a sua supremacia no mercado argentino. Ainda que suas vendas tenham caído mais que a média (30,40%, contra 27,90% do geral no primeiro semestre), os chineses detêm 17,70% das importações argentinas e só 3,30% os separam da liderança brasileira – menos da metade da observada no primeiro semestre do ano passado (7,70%).
A perda de espaço do Brasil neste ano, porém, é menos explicada pela concorrência chinesa e mais pela dependência dos negócios do setor automotivo, segundo José Botafogo Gonçalves, ex-ministro de Indústria e Comércio no fim dos anos 90, no governo Fernando Henrique Cardoso, e posteriormente embaixador na Argentina.
Mais de um terço da venda brasileira (US$ 1.9 bilhão) de janeiro a junho envolveu esse segmento – US$ 2.5 bilhões menos que em igual período de 2018, e a participação do país pouco mudou nesse período: caiu de 64% para 62%.
De acordo com o diplomata, Brasil e Argentina preferiram manter uma indústria pouco eficiente na comparação internacional. “É um setor que é artificialmente mantido pelos subsídios dos dois países”, disse Gonçalves, em referência ao acordo que prevê vantagens para veículos e autopeças dos parceiros.
O declínio da demanda argentina especialmente em veículos explica também por que a indústria de transformação de alta-média tecnologia perdeu espaço na pauta exportadora brasileira, com queda, no geral, de US$ 2.90 bilhões do primeiro semestre de um ano para outro, sendo que o país vizinho respondeu por retração de US$ 2.89 bilhões. O peso dessa categoria caiu no período de 17,40% do total para 15,40%.
A solução para melhorar esses números, segundo Gonçalves, passa pela busca da convergência das políticas comerciais, em que os dois países “deixem de olhar para seus próprios umbigos”, e especialmente pela abertura econômica, como o acordo anunciado entre o Mercosul e a União Europeia, em junho, visando à melhora da produtividade.
“É preciso vender com mais eficiência não um para o outro, mas para o resto do mundo. Trata-se de uma mudança de mentalidade. Os quatro (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) têm de conquistar o resto do mundo”, disse o vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o país precisa olhar para fora, sem descartar a Argentina. Mas, para isso, ele destaca que é fundamental que as reformas tributária e da Previdência sejam bem-sucedidas e que os investimentos em infraestrutura ganhem força.
“Tudo gira em torno do Custo Brasil. Não temos competitividade hoje para vender para fora da América Latina”, afirmou Castro, ressaltando que, com o sucesso das reformas, o Brasil será um novo país, mas que os resultados no comércio exterior só serão sentidos em ao menos dois anos.
O presidente da AEB alerta que o aumento da competitividade é fundamental para o país reduzir a dependência das vendas para a China. “Precisamos parar de rezar em mandarim, porque a economia chinesa está desacelerando.”
Valor Econômico