Um bloqueio de R$ 118,5 milhões atingiu em cheio os planos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Anunciado aos chefes de unidades da estatal na sexta-feira, o corte no orçamento de 2020 foi solicitado pelo Ministério da Agricultura. Na Embrapa, a medida é avaliada como um “desmonte” capaz de prejudicar pesquisas e afetar o custeio de despesas básicas como pagamento de funcionários, energia e compra de insumos.
O Ministério da Economia já havia bloqueado outros R$ 266,5 milhões do orçamento da empresa no mês passado. O volume de recursos poderá ser recomposto até o fim do ano, mas, neste momento, vão gerar “atrasos irreversíveis” de ações em campo, segundo pesquisadores ouvidos pelo Valor.
“Esse corte é definitivo e de impacto irreversível, mesmo que o orçamento seja recomposto em parte lá na frente. O tempo de fazer contratos, licitações e compras é agora. O relógio biológico das plantas não para”, afirmou um pesquisador.
Espera-se que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, reverta a redução nas negociações com a equipe econômica, mas a situação fiscal do país sugere que haverá dificuldades.
Cancelamento
Um documento da Gerência Financeira e Fiscal da Embrapa, obtido pelo Valor, mostra a dimensão do bloqueio na principal subsidiária do Ministério da Agricultura – a Coordenação-Geral de Execução Orçamentária e Financeira (CGOF), que solicitou na quinta-feira à estatal a lista de áreas que serão alvo do cancelamento de R$ 118,5 milhões.
A Embrapa dividiu o cancelamento entre o crédito disponível da sede (R$ 74,5 milhões), recursos das unidades descentralizadas (R$ 29 milhões) e empenhos das unidades (R$ 15 milhões), que significa a suspensão de aplicações que já estavam sendo executadas. Contratos e licitações em curso terão de ser anulados com o bloqueio.
Sem os recursos, a Embrapa alega “incapacidade do cumprimento dos contratos de gestão e de despesas de funcionamento da empresa”.
Paralisação
O documento também informa que haverá a “paralisação dos projetos de pesquisa, inclusive em temas estratégicos”, bem como a suspensão da implantação do sistema operacional de gestão integrada. “Deixamos de usar o sistema antigo em agosto e estávamos migrando para o novo. Ficaremos no limbo, com a gestão toda paralisada”, disse um pesquisador.
O bloqueio orçamentário ainda poderá inviabilizar a manutenção de rebanhos e campos experimentais ao redor do país e forçar a interrupção de projetos de pesquisa em parceria com o setor privado, uma das prioridades da estatal.
Na área de investimentos, o cancelamento vai forçar a interrupção de ações emergenciais para a manutenção do patrimônio público, como a segurança de equipamentos e laboratórios, e afetar a realização de “reformas essenciais” para manutenção de campos experimentais.
A Embrapa também corre o risco de pagar multas e autuações por descumprir a legislação ambiental, ao ficar sem acesso a outorgas de poços e açudes e o tratamento de resíduos.
Crise
No ano passado, enquanto ainda escolhia o substituto do ex-presidente da estatal, Sebastião Barbosa, exonerado em julho, o presidente Jair Bolsonaro disse que queria repotencializar a Embrapa, evocando os primórdios da empresa, criada no governo militar. O discurso é contestado por quem acompanha área.
“Nunca vi uma crise desse tamanho na Embrapa”, disse um pesquisador com 50 anos de casa. Em torno de 80% dos projetos de pesquisa da Embrapa ganham força a partir de setembro, quando é iniciada a safra de verão na maior parte do país. Mas contratos e licitações poderão ser interrompidos e prejudicar as atividades. “Não teremos como comprar e armazenar insumos, fazer viagens e pagar” completou o funcionário.
Corte de gastos
Pedro de Camargo Neto, uma das principais lideranças do agronegócio nacional e ex-integrante do Conselho de Administração (Consad) da Embrapa, disse que a empresa terá de aproveitar o cenário de aperto fiscal para enxugar gastos desnecessários. “Ou enfrenta reduções de custo internas ou caminha para o precipício. A primeira seria o corte imediato de todos os cargos comissionados”.
Camargo Neto também cobrou um estudo transparente para a identificação de cargos “realmente necessários”, e defendeu a queda do valor de alguns salários. Outra forma de reduzir custos seria dar mais autonomia às unidades. “Isso reduziria controles burocráticos, eliminaria graus hierárquicos e ampliaria a responsabilidade dos pesquisadores. Certamente acarretará importante redução de custos, sobretudo na sede”, afirmou o produtor.
Valores não executados
Procurado, o Ministério da Agricultura não se pronunciou oficialmente. Um técnico que atua na área de orçamento do governo minimizou o bloqueio. Segundo ele, “não houve corte nem contingenciamento, mas apenas um bloqueio de valores não executados, enquanto possíveis remanejamentos estão sendo definidos”.
Ele explicou que “ações com baixa execução orçamentária e valores disponíveis são utilizadas para suplementar ações que estão necessitando de mais recursos”.
Em 2020, o recurso inicial previsto para as ações de pesquisa e desenvolvimento, de transferência de tecnologias e de modernização da infraestrutura era de R$ 277,5 milhões. O orçamento total da Embrapa é de R$ 3,7 bilhões, a maior parte comprometido com salários.
Fonte: Valor Econômico
Equipe SNA