Barreiras não tarifárias e a relação com a China

Maurício Moreira e André Soares***

 

A visita do governo brasileiro à China para a reunião do G-20 traz uma oportunidade importante para o Brasil dar uma nova largada na relação comercial com o gigante asiático. É indiscutível a importância estratégica da China como parceira comercial e de investimento do Brasil. Espera-se dos chineses uma participação ativa nas concessões de infraestrutura que o governo brasileiro está para lançar nos próximos meses.

Já no lado comercial, após o fim do ciclo das commodities, o grande desafio do Brasil é diversificar e agregar valor às suas exportações para a China, em particular na área em que é mais competitivo: o agronegócio. As crescentes restrições de oferta, ditadas pela escassez relativa de terras e água, e a perspectiva de uma demanda crescente, empurrada pelo aumento da renda per capita e pela urbanização, sugerem que o fim do ciclo não é mais do que isso; ou seja, uma breve interrupção em uma tendência crescente na importação de alimentos. Já o Brasil, como grande e competitivo produtor agrícola, teria todas as condições de elevar a oferta e atender as necessidades da demanda chinesa.

Entretanto, isso dificilmente ocorrerá sem que o país adote uma política comercial mais pragmática e ativa, guiada principalmente por avaliações técnicas sobre os principais obstáculos a enfrentar. Como mostra um novo estudo do BID que circulará em breve, os ganhos fáceis do passado dificilmente se repetirão. A China, por exemplo, impõe uma vasta gama de barreiras tarifárias e não tarifárias que impõem sérios limites à expansão, diversificação e sofisticação das nossas exportações.

As tarifas de importação impostas às exportações brasileiras de produtos agrícolas e manufaturados chegam a uma média ponderada de 17% e 9%, respectivamente; mais do que o dobro da média da OCDE. A política tributaria e os subsídios também impõem danos significativos às exportações agrícolas, ainda que menos visíveis. A politica tributária gera uma significativa proteção adicional ao conceder a isenção do imposto sobre valor adicionado (IVA) aos produtores locais. No que diz respeito aos subsídios, a OCDE, por exemplo, listou 124 programas ativos, que vão de pagamentos atrelados ao uso de insumos a pagamentos baseados em área, tipo de animal criado ou renda.

Calcula-se que esses programas tenham atingido US$ 54.2 bilhões em 2014, o equivalente a 4% da produção agrícola. É um número substancial, mas ainda consideravelmente inferior à receita que deixa de ser auferida por conta da isenção do IVA. Esta última pode chegar a US$ 1.1 trilhão, ou 13% da produção agrícola – supondo que esteja sendo totalmente implantada.

Como se já não bastassem os difíceis obstáculos impostos pelos subsídios e pelas tarifas, os exportadores agrícolas têm que enfrentar um desafio ainda mais complexo: as barreiras não tarifárias (BNTs), que incluem medidas técnicas (normas e medidas sanitárias e fitossanitárias) e não técnicas (distribuição estatal, quotas tarifárias e controles de preço). O impacto dessas medidas pode ser aproximado por uma análise da diferença entre os preços internacionais e domésticos dos produtos agrícolas na China, algo que chamamos do “hiato de preços ou proteção nominal”.

Ainda que as tarifas de importação e os subsídios continuem em patamar elevado, eles tiveram um declínio acentuado depois da adesão da China à OMC em 2001; no entanto, o hiato de preços vem crescendo quase exponencialmente desde 2008. Um movimento que só pode ser explicado pela crescente importância relativa das BNTs. Em 2014, o hiato de preços agrícolas chegava a 24% (ou seja, os preços na China era 24% mais altos do que no mercado internacional), em comparação com uma tarifa média de 13,4%. Esse hiato de preços é particularmente relevante para produtos-chave da pauta brasileira, como carne bovina e de frango.

Nossas estimativas sugerem que se, por exemplo, a frequência e o alcance das barreiras técnicas impostas pela China fossem reduzidos ao nível da OCDE (o que significaria reduzir o seu número pela metade) as exportações agrícolas da América Latina poderiam aumentar entre 13 a 17%. O Brasil já possui avanços nessa área, com a abertura do mercado chinês de carnes e a elevação do número de estabelecimentos autorizados a exportar. Esses avanços, no entanto, estão longe de superar as restrições existentes. Se o Brasil, por exemplo, conseguiu aprovar 16 estabelecimentos de exportação de carne bovina, seus grandes competidores internacionais, como Austrália e Nova Zelândia, já possuem entre 40 e 50 estabelecimentos aprovados.

 

quadro

 

Esses desafios só poderão ser superados se o governo brasileiro adotar uma postura profissional e técnica na definição dos seus objetivos de política comercial, particularmente no que diz respeito ao mercado chinês. O Brasil, assim como a maioria dos países da América Latina, carece de uma estrutura institucional mais robusta, que envolva governo, setor privado e academia, capaz de produzir e analisar uma massa crítica de inteligência comercial.

Não se trata apenas de fazer promoção comercial, por mais importante que essa atividade possa ser. É fundamental que técnicos no governo e na academia sejam capazes de investir na coleta e análise de dados de barreiras comerciais – que na maioria dos mercados asiáticos é de difícil acesso – de maneira a informar as decisões de política comercial.

Continuar a tomar decisões com base em ideologia ou percepções é condenar o país a perder oportunidades valiosas de diversificar e sofisticar suas exportações.

 

 

 

***Maurício Mesquita Moreira e André Soares são, respectivamente, economista-chefe

do setor de comércio e integração e economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento

 

Fonte: Valor Econômico

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