O expressivo aumento do número de casos de Covid-19 em Mato Grosso nas últimas semanas preocupa cada vez mais os produtores agropecuários. Por mais que esteja causando problemas nas operações da indústria de carnes desde abril, sobretudo por causa de fácil disseminação entre funcionários de frigoríficos, o novo Coronavírus não atrapalhou a colheita de grãos de verão neste ciclo 2019/20, finalizada com novos recordes.
No entanto, começou a causar transtornos nos trabalhos envolvendo as segundas safras de milho e algodão e poderá afetar o ritmo do plantio de soja da próxima temporada, que começará a ganhar força em meados de setembro, quando a disseminação da doença deverá atingir o pico no estado.
Um estudo da Universidade Federal do Estado (UFMT) projetou que, até setembro, serão mais de 300.000 casos de pessoas infectadas na capital Cuiabá e, sobretudo, nos municípios do interior. Atualmente, são mais de 11.000 casos no estado. Para algumas funções de colheita e plantio, atividades extremamente mecanizadas em Mato Grosso, o afastamento de trabalhadores pode ocasionar interrupções e elevar custos.
“Não é tão simples substituir alguém especializado para dirigir um trator totalmente mecanizado na última hora”, diz Glauber Silveira, vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). Mas, segundo ele, a colheita da atual safrinha mato-grossense do cereal, que já alcançou 16,30% de uma área cultivada de 5.2 milhões de hectares, será, em geral, preservada.
Em polos produtivos importantes, há cada vez mais relatos de afastamento de funcionários das fazendas após testes positivos para a Covid-19. “Estão ocorrendo baixas, até o momento contornadas”, disse Tiago Stefanello, presidente do Sindicato Rural de Sorriso.
“A doença avançou no campo e trabalhadores estão sendo afastados, especialmente em grandes grupos que estão fazendo a colheita de algodão e trouxeram pessoas de outras regiões”, afirma Emerson Zancanaro, presidente do sindicato de Nova Mutum.
A maior safra de soja da história de Mato Grosso, que lidera a produção brasileira de grãos, com mais de 59 milhões de toneladas, exigiu ajustes e cuidados extras nas fazendas, mas fluiu normalmente.
Para garantir bons resultados com as segundas safras de milho e algodão, novas medidas já foram adotadas, incluindo quarentena para quem chega de outros lugares. “Uma grande propriedade contratou 250 pessoas de fora e teve o cuidado de isolar e testar todos eles”, diz Zancanaro. Ele próprio está adotando cuidados extras. “Tenho seis funcionários e não posso correr o risco de ter algum infectado. Caso isso aconteça, minha colheita para”.
Em boa medida, os cuidados foram redobrados em função do grande fluxo de caminhoneiros, que atualmente escoam a produção das segundas safras ou entregam insumos para o próximo ciclo, e também da circulação de representantes de empresas de sementes, fertilizantes e defensivos, que se intensifica até o fim de agosto.
Marcos da Rosa, ex-presidente da Aprosoja Brasil e agropecuarista em Canarana, realça que, além de medidas de higiene e distanciamento, outra tática para evitar a Covid-19 no campo é o agendamento prévio das visitas dos representantes comerciais ou o fechamento de negócios online.
Especialistas do setor consideram que a pandemia não terá poder de reduzir a próxima safra, que deverá ter mais de dez milhões de hectares cultivados com soja, e colheita calculada pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) em 34.7 milhões de toneladas.
Porém, os representantes pedem a melhoria da estrutura de saúde em cidades menores do estado, onde vive grande parte da força de trabalho do agronegócio. Segundo a UFMT, são 691 leitos de UTIs e 1.548 respiradores em todo o estado, onde apenas 14 dos 141 municípios não haviam registrado casos do Covid-19 até ontem.
Estatísticas
Boletim do Ministério da Saúde mostra que, até 13 de junho, 4.590 municípios (82,40%) haviam registrado pelo menos um caso do Coronavírus no Brasil. Em quase 40% das cidades do País houve mortes. Em Mato Grosso, 72% dos casos e dos óbitos ocorreram fora da capital Cuiabá.
Já são 11.400 infectados e 443 mortes no estado, mais que o dobro que há duas semanas. A incidência da doença é de 328,4 casos a cada 100.000 habitantes, contra a média nacional de 565,6. E o crescente percentual de letalidade atingiu 3,80% e se aproximou um pouco da média brasileira, que é de 4,50%.
Polos agrícolas importantes como Sorriso, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde já têm, juntos, mais de 1.100 contaminados. Há duas semanas, eram 377. Em face da escalada, algumas prefeituras adotaram medidas mais restritivas para tentar conter o alastramento do vírus.
Confresa, por exemplo, foi o primeiro município a decretar “lockdown” em Mato Grosso, por falta de leitos hospitalares. As ações impactaram pequenos produtores, que ficaram sem feiras para comercializar produtos hortifrutigranjeiros, e reduziram o abate de bovinos pela metade em alguns dias. Cáceres também aderiu ao fechamento esta semana.
Estimativas
No cenário traçado pela UFMT, o novo Coronavírus deverá se espalhar com maior velocidade nos próximos meses e a reabertura da economia neste momento poderá acelerar a escalada. “A preocupação é grande para o agronegócio. É questão de tempo para a epidemia chegar em algumas regiões”, diz Moisés Cecconello, professor da Universidade e um dos coordenadores do estudo sobre a Covid-19 em Mato Grosso.
Segundo o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Diego Xavier, a disseminação da doença no interior de Mato Grosso, influenciada pelo fluxo de transporte de mercadorias agrícolas, já testa os limites da rede hospitalar pública e privada do estado. “Se for confirmado o crescimento observado de semana passada para cá, o sistema vai entrar em colapso”, adverte.
Diante da piora da situação, o superintendente do Imea, Daniel Latorraca, afirma que também a logística das exportações poderá ser prejudicada, sobretudo por causa das medidas municipais para a restrição da circulação das pessoas. Houve problemas do gênero no início da pandemia, mas o Ministério da Agricultura ajudou a resolvê-los.
Fonte: Valor Econômico