Caso ilustra riscos embutidos na EUDR
O Portal SNA vem cobrindo os desdobramentos da Nova Lei Antidesmatamento europeia, também conhecida pela sigla EUDR. Após ter o início de sua vigência adiado para 2025, o novo regulamento, que restringe a importação de gêneros alimentícios de acordo com critérios de preservação ambiental, já mobiliza estratégias de gigantes do bloco europeu como Nestlé e Unilever. As empresas procuram antecipar a adequação para evitar sanções previstas, como multas multimilionárias, a depender do faturamento anual de cada uma.
Recentemente, em declaração à agência Reuters, o diretor financeiro global da Danone, Jurgen Esser, disse: “Temos um rastreamento muito efetivo e podemos assegurar que só utilizamos ingredientes sustentáveis em nossos processos. Não compramos (mais soja do Brasil)”. A fala foi severamente rechaçada pelo setor, além de ensejar nota oficial do Ministério da Agricultura e manifestação da Danone do Brasil, que rapidamente procurou se distanciar do posicionamento da matriz. A repercussão nas redes sociais também impressionou, com muitos consumidores pregando um boicote aos produtos da empresa.
A Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil) classificou a manifestação de Esser, que também é vice-presidente mundial da companhia, como “um ato discriminatório contra o Brasil e sua soberania”. No mesmo tom, o MAPA, em nota oficial, disse que a fala reflete “posturas intempestivas e descabidas” de empresas europeias que atuam no país. A irritação do setor e do governo vem na esteira do ineditismo na postura do executivo, pois nunca antes um integrante de cúpula do mercado havia banido, por assim dizer, a soja brasileira de suas cadeias produtivas.
Ademais, o CFO da Danone novamente ecoou um desconhecimento sobre o grau de preservação da agricultura brasileira, e do cultivo de soja em particular. O país possui uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo, com o Código Florestal exigindo que produtores mantenham entre 20% e 80% da propriedade com cobertura nativa, uma exigência legal sem paralelos nos concorrentes. Isso sem falar na regeneração da vegetação natural e cuidados com recursos hídricos, sobretudo nas pequenas lavouras, com menos de 50 hectares, que correspondem a mais de 73% dos estabelecimentos agropecuários produtores de soja.
Com efeito, o potencial prejuízo caso uma postura similar à da Danone fosse adotada por outros conglomerados poderia se estender a outros setores que também sofrem com a desinformação sobre sua sustentabilidade e boas práticas adotadas. Não por acaso, o bloco europeu acumula onda de exigências fracassadas ao agronegócio brasileiro, remontando aos anos 90 com a falsa polêmica dos transgênicos, passando pela certificação de origem e a moratória. Em todos os casos, a soja brasileira, abundante, de qualidade e com preços atraentes, solapou o protecionismo envernizado de preocupação ambiental.
Barreiras impostas sem diálogo, com base em mitos já derrubados
Frustrados com essas derrotas e sem mercados alternativos aos quais recorrerem, os europeus novamente fazem uma aposta de risco com a EUDR. Diante da repercussão negativa das autoridades brasileiras, bem como de representantes do setor, a Danone do Brasil emitiu um comunicado reforçando a importância da soja nacional para a cadeia da empresa, bem como negando que o produto deixaria de ser comprado. No entanto, deixava em aberto o sentido da fala de Jurgen Esser.
Ato contínuo, o diretor da empresa no Brasil, Tiago Santos, que assinou a nota juntamente com vice-presidente de Assuntos Jurídicos e Corporativos, Camilo Wittica, telefonou para o presidente da Aprosoja, Mauricio Buffon. Na ligação, parece ter sido mais enfático, de acordo com o relato de Buffon: “A Danone nos procurou para falar que a soja e os negócios no Brasil continuam tudo igual e que não vai mudar nada. A gente vai ficar muito firme nessa questão não admitindo ser discriminado”.
Ainda segundo Buffon, a Danone esclareceu que a suspensão da compra de soja pela matriz francesa se refere à produção de um leite à base desse produto no país, mas não existe, atualmente, compra de soja brasileira para esse fim. A fala de Esser, no entanto, seguiu sem ser formalmente desmentida. O clima de desconfiança, na avaliação de produtores e representantes do setor, não contribui para a evolução de relações comerciais justas, em que o Brasil respeite leis como a EUDR, comprovando com transparência que atende os requisitos; por outro lado, os demais países precisam reconhecer o avanço substancial da cadeia produtiva brasileira em termos de preservação e sustentabilidade.
Mesmo sendo a principal cultura agrícola nacional, a área plantada de soja ocupa menos de 4% do território brasileiro, e somente 0,7% do bioma Amazônia, por exemplo. Em contrapartida, o grão responde por 16% de todas as exportações brasileiras, com US$ 53,2 bilhões em vendas e 101,8 milhões de toneladas exportadas. É o principal item de exportação de 11 estados da federação.