Por Roberto Rodrigues *
A greve dos caminhoneiros cuja maior incidência ocorreu entre os dias 27 de maio e 3 de junho passados ainda não teve suas consequências inteiramente quantificadas do ponto de vista econômico. Só poderemos ter números mais completos depois de três meses do final do movimento, quando o transporte de mercadorias e o abastecimento estiverem mais ou menos restabelecidos em todos os setores, especialmente no varejo e no agronegócio, ou ainda pior, se e quando as discussões em torno de uma tabela de preços chegarem a bom termo.
Mesmo tendo sido realizada com uma coordenação descentralizada e nem sempre articulada, a greve chegou a ter 1300 pontos de bloqueio nos seus picos máximos, segundo a Polícia Rodoviária Federal. Foi uma impressionante demonstração de força e de poder: agora todos sabemos que, se quiserem e se não houver nenhuma reação de força por parte do governo, os caminhoneiros são mesmo capazes de parar o país, seja pelo desabastecimento de combustíveis, seja pela escassez de gêneros de primeira necessidade para toda a população, seja pelo assustador colapso no fornecimento de medicamentos em hospitais, entre outras consequências dramáticas para a economia.
As causas da greve são bastante conhecidas, mas podem ser resumidas em:
– preço do diesel, em função do aumento do petróleo no mercado internacional, do câmbio desfavorável às importações de óleo e da política da Petrobrás de acompanhar o preço internacional do produto. Este fator, que claramente tirava margem dos caminhoneiros, foi também a principal razão do apoio dos agricultores de muitas regiões aos grevistas: o diesel tem importante participação nos custos de produção, de modo que seu aumento reduz ou elimina as margens da atividade.
– causa do lado da demanda: a forte recessão de 2015 e 2016 reduziu o PIB em 7,2%, o que teve impacto direto na diminuição da demanda por transporte de mercadorias.
– causa do lado da oferta: aumento significativo da frota de caminhões entre 2006 e 2014, quando o número de veículos saiu de 1,38 milhão para 1,86 milhão de unidades, ou mais 35% à disposição do mercado. É bem verdade que de 2014 em diante esta oferta ficou estagnada, mas o crescimento anterior estava dado.
Embora avisado pelas lideranças dos caminhoneiros da iminência do movimento paredista, o governo federal não se organizou para enfrentar o evento e ficou a reboque do processo. A forte solidariedade de amplos setores sociais aos grevistas foi, esta sim, uma surpresa. Brasileiros de todos os quadrantes, exasperados com os recorrentes problemas de segurança pública, cansados de protestar pelas deficiências em educação, saúde e transporte, frustrados pelas frequentes denúncias de corrupção ou fragilidade dos poderes, “descarregaram” sua irritação apoiando a greve, reconhecendo nela uma legitimidade plausível, e nem raciocinaram sobre os eventuais reflexos no desabastecimento de alimentos, produtos de limpeza, remédios ou gasolina.
O governo, acuado, acabou cedendo à maior parte das demandas dos representantes dos caminhoneiros, por mais que suas lideranças nem sempre falassem a mesma língua.
E assim reduziu o preço do litro do diesel na bomba e o congelou por 60 dias, após o que os reajustes eventuais seriam mensais para garantir previsibilidade aos usuários, acabando assim com uma das políticas da Petrobras. Para isso teve que reduzir impostos, zerando a CIDE incidente sobre o diesel e baixando o PIS/COFINS de R$ 0,46 para R$ 0,35 por litro.
Emitiu três Medidas Provisórias, isentando de pedágio o terceiro eixo suspenso de caminhões, obrigando a CONAB a contratar 30% de seus fretes com autônomos, e montando uma tabela e preços dos fretes.
E por fim se comprometeu a não reonerar a folha de pagamento das empresas de transporte rodoviário.
De todas as medidas, duas tiveram reações imediatas. A redução dos tributos sobre o diesel trouxe um custo fiscal avaliado em 13,5 bilhões de reais, o que teve que ser compensado com aumento de tributos sobre bebidas e outros produtos (aproximadamente 4 bilhões de reais), com corte de despesas (3,3 bilhões) e com realocação de recursos de outros setores (6,2 bilhões). Uma bela confusão…
Mas a outra, a tal tabela, continuou sendo discutida, e até o STF se envolveu nessa conversa. Ora, tabelamento nunca deu certo, será desta vez que vai dar? Mas há uma tabela em vigor, e os prejuízos no campo são impactantes.
Cinco entidades representativas do setor agro informaram perdas já contabilizadas, e o Centro de Projetos da FGV resumiu estas informações.
A Associação Brasileira de Proteína Animal, responsável pelas cadeias produtivas de aves e suínos informa perdas de 3 bilhões de reais. Como a ração não chegava para os produtores, cerca de 64 milhões de pintinhos ou aves adultas tiveram que ser sacrificados. Até reorganizar a cadeia toda, com nascimento de novas aves e seu crescimento ao ponto de abate, alguns meses ainda decorrerão. Não temos ainda as perdas com exportações, seja por falta de caminhões frigoríficos para levar cargas aos portos, seja pela paralisação de abates.
A CNA dá notícia de que 280 milhões de litros de leite foram descartados, a um valor mínimo de 360 milhões de reais. Mínimo porque não é possível contabilizar as perdas de produção por falta de comida para as vacas em lactação. Recompor o processo todo leva mais de três meses.
A Abrafrutas contabiliza prejuízos da ordem de 920 milhões de reais, principalmente no Vale do São Francisco. Produtos com alta perecibilidade, a falta de transporte levou a destruição de centenas de toneladas de mamão, manga, acerola, manga, uva e goiaba. Vale a pena uma referência específica: a grande maioria de produtores de frutas e hortaliças, bem como de aves e suínos, é de pequenos.
A cadeia produtiva de carne bovina também foi duramente afetada: bois gordos não foram para os frigoríficos, as exportações perderam cerca de 40 mil toneladas de carne e os prejuízos superam 630 milhões de reais.
Segundo a ÚNICA, a safra de cana, que tem seu apogeu nesse período, foi muito prejudicada, com 13 milhões de toneladas a menos processadas, o que reduziu a produção de etanol hidratado em 15,5% e anidro em 16,2%.
A ANEC, por sua vez, informa que os exportadores de cereais tiveram perdas que variam de 10 a 30%, dependendo da região onde atuam.
Outro segmento com perdas pesadas foi o de fertilizantes. As entregas foram paralisadas, produtores não receberam seus insumos. Pior: dezenas de navios carregados de matéria prima para fertilizantes não foram descarregados, pagando uma multa altíssima por “congestionarem” nossos principais portos. Com isso, as fábricas e misturadoras pararam. E a soja e o milho que deveriam ser embarcados nestes mesmos navios ou não chegaram aos portos por falta de transporte ou chegaram e não puderam ser descarregados. Quem vai pagar estes enormes custos? O produtor rural, claro! Aliás, 39 das mais importantes instituições de representação do agronegócio já se manifestaram contra qualquer tipo de tabela de fretes.
E a indústria fala em perda de 10,6% de seu faturamento só no mês de maio!
Mas a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram na semana passada, em tempo recorde, uma lei estabelecendo preço mínimo para o frete. As entidades referidas acham que tentaram revogar a lei da oferta e da procura. Com uma consequência: os custos vão aumentar para o produtor, mas também a inflação para o consumidor.
Enfim, um prejuízo elevado para todos os setores econômicos, ainda não completamente contabilizado. E que terá influência capital na formação do PIB agropecuário e, obviamente, no PIB nacional.
* Coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, foi ministro da Agricultura e escreve artigos todo segundo domingo do mês
Broadcast Estadão – JUL/2018