A necessidade de economizar água, tanto no campo como na cidade está na ordem do dia. Pesquisadores da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) iniciaram projeto de pesquisa inédito para o desenvolvimento do Sistema Aquapônico, nas condições do Estado de São Paulo. No sistema, são cultivadas hortaliças de forma hidropônica, em conjunto com a criação intensiva de peixes. O resultado é a economia de dez a 20 vezes no consumo de água.
Apresentado ao público durante a Agrishow 2014, em Ribeirão Preto, o sistema, segundo o pesquisador do Polo Regional Centro-Leste, da APTA, Fernando André Salles, agrupa todas as vantagens da produção intensiva de peixes com a hidroponia, em que as plantas não têm contato com o solo, são cultivadas em água e/ou substrato, dentro de estufas. Neste ambiente, há diminuição na ocorrência de pragas e doenças e proteção de intempéries climáticas e ataque de aves. Os resultados são plantas com melhor qualidade e redução de 70% a 80% no uso de agrotóxicos. Em alguns casos, o controle químico é totalmente dispensado.
Além disso, proporciona a redução do tempo de cultivo das hortaliças, facilitação de mão de obra e reaproveitamento dos nutrientes presentes na solução aquosa. Para se ter ideia, explica Salles, o custo de fertilizantes para produzir mil plantas está estimado entre R$ 30 a R$ 40,00. E é exatamente nesse estágio que estão as pesquisas da APTA, ou seja, a formulação de nutrientes que passarão para a água, oriundos dos dejetos dos peixes, que atendam às necessidades nutricionais das plantas a serem cultivadas pelo processo hidropônico.
PESQUISANDO NUTRIENTES
“Estamos em fase de estudos de nutrientes para o desenvolvimento da cultura a ser cultivada. Na hidroponia temos uma formulação de nutrientes que atingem justamente aquilo que a planta necessita em termos de nutrição. Na aquaponia é um pouco diferente, porque não formulamos uma concentração de nutrientes, nós a obtemos com o decorrer do tempo, porque todo o nutriente será advindo dos dejetos do peixe. De antemão sabemos que alguns nutrientes são difíceis de serem alcançados de uma maneira mais rápida. Por exemplo, já detectamos deficiência de ferro e já estamos trabalhamos de que maneira poderemos corrigi-la e como faremos a suplementação. Assim como o ferro, a literatura já aponta descobertas em relação a cálcio, magnésio”, esclarece o pesquisador.
A ideia dos pesquisadores é introduzir o sistema, já utilizado em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália, em São Paulo, por o Estado ser bastante populoso e possuir demanda crescente por alimentos e por água. “A agricultura é uma atividade extremamente dependente de água para conseguir adequada produtividade de alimentos, o que acaba competindo por recurso hídrico com a população urbana. Qualquer técnica que consiga reduzir a quantidade de água na produção de alimentos é extremamente bem-vinda”, afirma o pesquisador da APTA, Denizart Bolonhezi. No Brasil ainda não há produção comercial de peixes e vegetais através da aquaponia.
ÁGUA
O custo total de produção por planta na hidroponia varia de R$ 0,20 a R$ 0,40. Para o consumidor, a vantagem está no maior tempo de conservação das folhosas e facilidade na higienização, pois não há contato com o solo. “Estima-se que para produzir um quilo de peixe e sete quilos de hortaliças no Sistema Aquapônico são gastos 20 litros de água. Em sistemas tradicionais, de criação de peixes em viveiros escavados e vegetais não hidropônicos, produzidos separadamente, o consumo pode ser de dez a 20 vezes maior”, explica, Fernando André Salles, pesquisador do Polo Regional Centro-Leste, da APTA. A única perda significativa de água no sistema se dá com a evaporação.
André Salles diz que são boas as expectativas em relação à aceitação do sistema pelos produtores rurais paulistas, porque o grande trunfo da aquaponia é justamente o nível de economia de água que, comparada com o sistema de produção tradicional, bem como com a irrigação tradicional, é gigantesca. “Além do apelo na questão da água ser muito forte, outro aspecto que vejo como muito positivo o da integração entre duas atividades, porque dá condições de produzir o peixe e uma hortaliça numa mesma água. Não há razão para se jogar a água fora, é feito somente uma reposição”, diz ele.
“Em tempos de escassez de água, este é um projeto que traz vantagens ao juntar duas atividades, otimizando o uso da água, importante em qualquer atividade agropecuária, e a renda do produtor que passa a ter uma alternativa de produção”, explicam os pesquisadores da Apta, Denizart Bolonhezi e Fernando André Salles, dois dos seis pesquisadores envolvidos no Projeto que está sendo implementado. “A tecnologia já é antiga, as várias possibilidades é que estão sendo pesquisadas de acordo com diversas situações”, salienta Denizart.
UNIDADE DE PESQUISA
A parceria com a CATI permitiu a instalação de uma Unidade de Adaptação Tecnológica no município de Guatapará, distante 65km de Ribeirão Preto, e da área de atuação da CATI Regional Ribeirão Preto. O diretor da Regional, engenheiro agrônomo Michel Golfetto Calixto, explica que “o objetivo, com essa unidade, é levar os piscicultores e olericultores interessados para conhecer a Aquoponia, levantar as principais demandas, para que possamos discutir com os interessados as possibilidades e as vantagens desse sistema”.
Por sua vez, André Salles, faz questão de frisar que a pesquisa tem que avançar, porque existem questões tecnológicas que têm que ser resolvidas antes dos agricultores se aventurarem em adotar comercialmente o sistema de aquaponia . “Temos a responsabilidade de trazer algo novo, mas também temos a responsabilidade no que diz respeito à orientação na adoção de novas tecnologias. O pacote ainda não está pronto”, orienta o pesquisador.
ENTENDA COMO FUNCIONA O SISTEMA
No Sistema Aquapônico é possível produzir qualquer hortaliça de fruta ou folhosas, além de outras espécies de plantas de valor econômico, como estévia e plantas aromáticas e medicinais. “Não há restrição quanto às espécies de peixes, desde que sejam adaptadas a condições de confinamento, como as trutas e as tilápias”, diz Salles.
O pesquisador da APTA explica que a proteína presente na ração é metabolizada para formação do tecido muscular do peixe, porém, parte é excretada diretamente pelas brânquias dos animais na forma de amônia ou é perdida por meio das fezes. A amônia, mesmo em baixas concentrações, é tóxica para o peixe. ”No sistema de produção aquapônica, a amônia presente na água passa por um filtro biológico onde ocorre a nitrificação, transformando-a em nitritos e, subsequentemente em nitratos, este último produto, de baixa toxicidade para os peixes, é prontamente absorvido pelas plantas na produção hidropônica”, explica.
Além dos nitratos, a mineralização dos dejetos dos peixes fornece às plantas boa parte dos elementos necessários ao crescimento, como o fósforo, cálcio, ferro, entre outros. Com isso, não há a necessidade do uso intensivo de fertilizantes químicos.
A tecnologia poderá ser utilizada por pequenos, médios e grandes produtores. Os pesquisadores da APTA trabalham em conjunto com técnicos de extensão da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) para fomentar e divulgar os resultados das pesquisas, que devem começar a ser disponibilizados em dois anos. “Estamos em fase embrionária do trabalho científico, que no futuro servirá para apoiar tecnicamente o sistema para que o produtor o utilize com racionalidade e sustentabilidade”, afirma o pesquisador e diretor do Polo Regional Centro-Leste, José Roberto Scarpellini.
Por Equipe SNA/SP