A Aprosoja tem se dedicado nas últimas três décadas a atuar em aspectos do negócio dos produtores de soja que geram perdas de margem e fogem ao controle do sojicultor. Um destes aspectos diz respeito à forma como é feita a classificação de soja no Brasil. Em todo o País, produtores tem reclamado da forma como seus grãos são classificados na entrega da produção e dos descontos aplicados pelas tradings, que pagam preços menores aos produtores. O sentimento de ter sido roubado é o mesmo de Norte a Sul do País.
Inicialmente, a qualidade da safra brasileira está dada quando a colhemos, não depende de uma norma. Contudo, preservar a sua qualidade é tarefa daqueles que farão a armazenagem e o escoamento para o processamento ou exportação. Portanto, a alteração da norma em nada impacta na qualidade da safra, mas nos critérios de sua classificação ou desclassificação.
A Aprosoja Brasil se esmerou em colocar na agenda de revisão regulatória do Ministério da Agricultura (MAPA) a alteração da norma de classificação de soja grão, a Instrução Normativa n° 11 de 2007 (IN n° 11/2007). O motivo: o Brasil ainda usa critérios que dão margem a interpretações erradas, permitindo que uma soja boa para a indústria seja considerada imprópria e receba descontos que chegam a 100%¨de seu valor de mercado. Destacamos que neste processo, tradings e cooperativas se posicionaram contra a mudança da norma, justificando que ela já atende a necessidade da cadeia produtiva.
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Mato Grosso demonstraram que mesmo a soja com alto percentual de grãos ardidos, segundo os conceitos atuais da IN n° 11/2007, não prejudicaram a qualidade da ração para frangos, ovinos e suínos, com manutenção da saúde dos animais e da qualidade da carne produzida.
Após justificar a necessidade de atualização da norma, a Aprosoja e demais entidades representativas dos produtores trabalharam tecnicamente sobre o tema. Do ponto de vista de conceitos, procedimentos e critérios de classificação, a norma ficou muito mais moderna e alinhada ao que se faz ao redor do mundo.
Umidade do grão
No que tange à umidade do grão de soja para o armazenamento, porém, houve uma controvérsia com a equipe técnica do MAPA. Atualmente, os EUA e a China exigem umidade de 13%, enquanto a Argentina exige 13,50% e o Brasil 14%. Mas apesar do clima tropical e da elevada umidade no período da colheita da safra brasileira, o Ministério passou a defender, com base na recomendação da academia, a necessidade de atualização da umidade para 13% como ideal para preservar o grão.
O impasse, porém, não estava na umidade, mas no prejuízo para os agricultores, já que ao entregar uma soja com 14% ele não receberia da trading nenhum desconto. No entanto, com o estabelecimento do percentual de umidade para 13%, o desconto aplicado ficaria entre 1,50% e mais de 5%, a depender da trading.
Além disso, é do conhecimento de quem lida com a soja que é praticamente impossível secar todo grão após a entrega do produto na empresa compradora. A umidade permanece elevada e vai baixando ao longo do caminho até chegar aos portos ou à indústria. Diga-se de passagem, atualmente toda a soja já chega com 13% ou menos de umidade nos portos.
Para corrigir excessos por parte das tradings, teve início um debate para mudar desta regra. A minuta de alteração da IN trazia possibilidade de haver ágio e deságio da umidade na carga de soja entregue. Porém, a redação foi considerada inadequada sob a alegação de que não seria competência do MAPA arbitrar este impasse. Durante discussão do texto, as entidades de produtores ficaram contra a alteração para 13%, já que significaria mais prejuízo aos agricultores.
O desfecho esperado era o MAPA publicar a norma com as alterações dos conceitos e manutenção da umidade de 14%. Porém, em audiência pública requerida pelo Deputado Federal Sérgio Souza na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) no final de 2023, o jogo virou. Apesar dos apelos das entidades para publicar a norma, a Comissão enviou solicitação ao MAPA para que publicação fosse adiada. E desde então o tema não avançou.
Como não há mais espaço para negociação com as tradings e cooperativas, que desde o início se posicionaram contra a atualização da norma, fica claro que eles saíram como os grandes vencedores.
Portanto, é preciso que a Câmara dos Deputados e o MAPA se alinhem para que seja publicada a nova IN. Não podemos permitir que todo o esforço de atualização da norma feito pelos técnicos do Ministério da Agricultura e das entidades que participaram do processo desça pelo ralo. Vamos continuar permitindo que os produtores sejam roubados graças aos velhos critérios presentes na IN n° 11/2007?