O começo “a todo vapor” do escoamento de grãos pelos terminais privados em Barcarena deve encerrar um período de incidentes em navegação que forçaram as empresas a ajustar um detalhe logístico básico em suas operações: onde fundear os comboios de barcaças.
O plano inicial era fundeá-las em frente aos terminais, para ganhar tempo e eficiência. Mas um episódio com a Bunge em meados de 2015 acendeu o sinal amarelo: algumas barcaças foram danificadas após se chocarem com a agitação da água. Não houve feridos ou danos maiores, mas a dúvida foi lançada – o rio Pará, naquela região, não garantia a segurança plena das operações.
Neste ano, foi a vez da Hidrovias do Brasil passar por sustos depois que o cabo de aço que segurava o comboio se rompeu – e as barcaças saíram à deriva, de madrugada. Puxadas pela correnteza, bateram em um pilar da ponte de acesso ao Terminal de Granel Líquido (TGL), localizado no porto público de Barcarena. No momento do choque, soda cáustica era descarregada para o abastecimento da Alunorte.
Segundo a Companhia Docas do Pará (CDP), que administra o porto em Barcarena, não houve estragos significativos à estrutura, mas um pedido à Hidrovias foi feito para que construísse defensas de concreto que sirvam como anteparo de proteção ao terminal. A CDP estuda ainda estaiar a ponte para o TGL.
Os dois incidentes ocorreram devido a características fluviais que, segundo pessoas familiarizadas com a região, podem ter sido subestimadas nos estudos de viabilidade. Ali, o rio tem aspectos oceânicos: ondas de média amplitude e alta frequência. “Isso para um navio grande é água lisa, mas para uma barcaça é uma estrada esburacada”, disse um operador logístico, sem querer ser citado. “Há risco de colisões, dificuldades de amarrar e desamarrar barcaças. Creio que subestimaram as condições, mas há também o fato de nunca uma operação com barcaças com grãos ter sido feita de forma contínua ali”.
De acordo com a CDP, as marolas aumentam bastante no período da tarde, sobretudo entre agosto e novembro, conforme a tábua da maré. Isso implicaria assumir riscos ou limitar o escoamento de grãos, o que nenhum porto quer.
Segundo a Bunge, os estudos de viabilidade não apontaram a possibilidade de problemas no fundeio de barcaças – a companhia evite falar em erro de diagnóstico.
Mas, desde então, Bunge/Amaggi e Hidrovias direcionam os comboios para um pequeno “braço” do rio chamado de Furo do Arrozal. Por serem terminais privados, fora do porto organizado, as empresas podem fundear onde for de seu interesse, desde que com os avais necessários, como o da Marinha.
O Furo do Arrozal era uma alternativa considerada segura: um local abrigado e com águas calmas.
Só que vieram novos problemas. O advogado Ismael Moraes, representando as comunidades locais de Fazendinha e Jesus de Nazaré, questiona na Justiça a presença das barcaças, alegando que prejudicam a atividade pesqueira dos ribeirinhos e contaminam a água.
A argumentação se baseia no incômodo gerado à população pelo cheiro de soja apodrecida à época do incidente da Bunge/Amaggi. As embarcações foram levadas em caráter emergencial ao Furo e lá ficaram por dias – com a carga, descoberta, tomando chuva. A Bunge admite que demorou para retirar o grão, mas diz ter sido algo pontual. A múlti nega dificuldades com a comunidade e não tem planos de sair do Furo do Arrozal. Recentemente, comprou um terreno ali, onde pretende fazer o fundeamento definitivo dos comboios.
Fonte: Valor