Após a pandemia, algodão do Brasil deve perder espaço para soja e milho em 2020/21

Uma das culturas mais prejudicadas pelos efeitos do novo Coronavírus, o algodão registra quedas significativas no consumo, com desaceleração nas vendas e recuo nos preços, que devem desencadear uma retração de 10% a 20% na área plantada na próxima safra, de 2020/21, segundo representantes do setor.

A tendência é que parte das lavouras cultivadas com algodão em Mato Grosso, maior produtor do País, dê lugar ao milho safrinha, enquanto os cotonicultores da Bahia, segundo estado no ranking, migrarão para a soja.

A redução de área seria um revés para o setor do Brasil, que vem apresentando seguidas safras recordes, o que permitiu ao País superar a Índia como segundo exportador global, atrás dos Estados Unidos.

“Nossa grande preocupação é o preço da safra nova. Haverá sim uma redução de área, e algo entre 10% e 20% já está sacramentado, o que é uma pena porque a atividade do algodão tem maior valor agregado, e emprega mais pessoas”, disse o diretor executivo da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa), Décio Tocantins.

Segundo ele, atualmente, o milho no estado tem trazido boa rentabilidade para o produtor rural e o algodão “trabalha no limite”. Dessa forma, o cereal pode tomar a área da pluma na segunda safra.

Os preços da pluma estão próximos de US$ 0,60 por libra-peso na bolsa de Nova York, após terem se recuperado de mínimas abaixo de US$ 0,50 registradas no início de abril, mas ainda acumulam queda de mais de 10% no acumulado do ano.

Para Tocantins, que lidera a associação que responde por cerca de 70% da produção brasileira, “os preços atualmente estão próximos do ‘breakeven’, mas há situações em que ficam abaixo dos custos de produção”.

Na Bahia, onde a colheita da safra 2019/20 começa neste mês, o presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Júlio Cézar Busato, disse que o custo é de US$ 0,60 e os produtores têm conseguido comercializar o produto somente a US$ 0,57.

“Estamos no vermelho. Ano passado nós estávamos vendendo a US$ 0,78 por libra-peso. Vínhamos de anos consecutivos em que o consumo estava se superando”, afirmou Busato. “O preço caiu porque o consumo esfriou.”

Segundo o Indicador do Algodão em Pluma Cepea/Esalq (base São Paulo), o produto saiu de US$ 0,73 por libra-peso em 3 de junho de 2019 para US$ 0,52 no fechamento de terça-feira, com queda de 28,70%.

Comercialização

Na temporada passada, além de os preços estarem em patamares melhores para o algodão, a guerra comercial entre Estados Unidos e China contribuiu para que os chineses, principais consumidores deste mercado, deixassem de adquirir a pluma norte-americana e intensificassem as importações do Brasil.

Em 2019, o Brasil exportou 1.61 milhão de toneladas da pluma, volume 65% superior ao do ano anterior e um recorde, segundo dados do governo federal. O faturamento aumentou 56%, para US$ 2.64 bilhões.

Busato disse que após o surto de Covid-19 no mundo, compradores solicitaram atraso nas entregas e a comercialização arrefeceu. “Felizmente, o algodão é um produto que podemos guardar, mas esse atraso vai gerar um problema meio sério para o fluxo de caixa nesse momento”.

Na Bahia, o presidente da Abapa estimou que 70% do algodão 2019/20 está comercializado e os 30% restantes, embora sejam a minoria, representam um volume significativo para o caixa dos produtores.

Para a safra 2020/21, as vendas antecipadas da pluma baiana não chegaram a 20%. Nesta época do ano passado, a média de comercialização estava entre 40% e 45%.

Em Mato Grosso, o executivo da Ampa afirmou que o cenário é similar. O estado vendeu 70% a 75% da safra atual e a comercialização antecipada de 2020/21 está em 30%, também com atraso em relação à temporada anterior.

Neste cenário, o analista da consultoria Safras & Mercado Élcio Bento disse que a única saída para a cultura, que evitaria a queda de 10% a 20% na área plantada da próxima safra, seria a retomada do consumo após a pandemia e um aquecimento nas exportações. No entanto, há incertezas sobre qual será o comportamento do mercado depois do surto da doença.

Em maio, por exemplo, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) indicaram queda de 16% nos embarques de algodão em relação ao mesmo período do ano passado, para 69.500 toneladas. O preço baixou 12%.

“Com este recuo na demanda, entramos no ano comercial de 2020/21, iniciado em junho, com 703.000 toneladas em estoque. A média dos últimos dez anos para o período era de estoques em torno de 300.000 toneladas”, afirmou Bento, e isso dificulta a recuperação das cotações.

Colheita

A produção da pluma no Brasil está estimada em 2.88 milhões de toneladas na safra 2019/20 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com aumento de 3,60% em relação a temporada passada. A área cresceu 3,30%, para 1.67 milhão de hectares, e a produtividade média deve ficar quase estável, com leve aumento de 0,30%.

Na Bahia, a safra ocupa uma área total de 313.566 hectares e a perspectiva, para Busato, é atingir a produtividade média de 300 arrobas por hectare. “Tivemos uma redução na área, mas o clima e a tecnologia nos ajudaram a manter o nível de produtividade”. A produção da pluma está estimada em 563.000 toneladas, com queda de 5,70%, segundo a Conab.

“O recuo na área baiana já é de produtores que migraram para a soja, porque a demanda da China para esse produto realmente tem se mostrado impressionante”, afirmou o presidente da Abapa.

Em Mato Grosso, o executivo da Ampa acredita que o estado terá uma boa produtividade aliada à qualidade da pluma. Os primeiros trabalhos de colheita começam em junho, mas o “grosso” acontece entre julho e agosto. A produção deve alcançar dois milhões de toneladas, com aumento de 7,40% na variação anual.

 

Reuters

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