Apesar de safra recorde, EUA compram mais milho do Brasil e da Argentina

Há algo muito estranho acontecendo no mercado de milho dos Estados Unidos.

Apesar de colheitas recorde terem inundado o mercado americano de milho, as importações do grão, um ingrediente crucial de rações para animais, dispararam. Isso ocorre porque oscilações no câmbio e nos custos de transporte marítimo e ferroviário se combinaram para produzir um resultado inesperado: importar milho de lugares como o Brasil e a Argentina pode sair mais barato para os criadores de gado, aves e porcos da região Sudeste dos EUA do que comprá-lo do Meio Oeste, o cinturão agrícola do país.

Wade Byrd observa o fenômeno em seu próprio quintal. Um número cada vez maior de caminhões que passa pela sua fazenda, em Clarkton, na Carolina do Norte, em direção aos produtores de suínos da região está transportando milho produzido a milhares de quilômetros de distância, na América do Sul, em vez de em lavouras como a dele.

É bem desagradável para os produtores, diz Byrd que cultiva milho, soja e amendoim numa área de 486 hectares. “Temos grãos saindo pelos ouvidos nos EUA, e ver esse milho substituir o nosso é, para mim, simplesmente incompreensível.”

As importações continuam a ser uma parte muito pequena do mercado dos EUA, o maior exportador mundial de milho. Ainda assim, o aumento notável é um forte indicador de como o colapso dos preços das commodities e o fortalecimento do dólar tem distorcido os padrões tradicionais de comércio.

 

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Ontem, o USDA projetou que os compradores americanos importarão 50 milhões de bushels de milho na atual temporada, 56% a mais que na temporada passada, mesmo com os silos do país abarrotados de grãos. A última vez que os americanos importaram tanto milho foi na safra 2012-2013, quando uma grave seca reduziu a produção doméstica, alçando os preços futuros a recordes históricos.

Agricultores como Byrd dizem que o milho estrangeiro barato entrando na região através de portos próximos está deprimindo os preços de certos grãos locais num momento em que já há projeções de que os rendimentos agrícolas recuarão para seu nível mais baixo em mais de dez anos.

O aumento das importações ocorre depois de um boom de vários anos na agricultura americana, durante o qual os agricultores do Meio Oeste aumentaram a produção para satisfazer a crescente demanda da indústria local de biocombustíveis e de populações em ascensão econômica nos mercados emergentes.

O resto do mundo seguiu o exemplo. O Brasil, o segundo maior exportador de milho, está a caminho de colher este ano a segunda maior safra de milho de sua história, e o mesmo deve ocorrer na Argentina. Por um período deste ano, os exportadores argentinos estavam oferecendo milho a um preço 6% menor que o dos EUA, e o milho brasileiro também esteve mais barato que o de seus rivais americanos durante grande parte do ano passado.

Uma divergência entre os custos de transporte tem ampliado ainda mais o poder de atração dos grãos estrangeiros. A fraca demanda por transporte marítimo, somada a um número crescente de novas embarcações, tem derrubado os custos do frete, segundo operadores do mercado de grãos. Mas o transporte ferroviário nos EUA, principal meio para escoar a produção do cinturão agrícola americano, continuou caro, dizem eles.

Em abril, transportar um bushel de milho do Meio Oeste para o leste dos EUA de trem podia custar de US$ 0,80 a US$ 1,50, enquanto o custo por bushel para levar milho da América do Sul aos EUA recentemente variava de US$ 0,35 a US$ 0,50.

As importações de milho mais que dobraram nos primeiros dois meses de 2016 em comparação aos níveis de um ano atrás. As importações de grãos argentinos subiram 122% nesse período, depois que o governo recém-eleito do país suspendeu controles cambiais em dezembro — provocando uma desvalorização da moeda argentina — e eliminou impostos sobre a exportação de commodities agrícolas, incluindo o milho.

“É uma loucura que sejamos capazes de trazer milho da América do Sul muitas vezes mais barato que o milho americano, mas isso só ocorre porque o frete ferroviário está ridiculamente alto”, disse John Prestage, vice-presidente sênior da Prestage Farms, uma produtora de perus e suínos da Carolina do Norte.

Tom Capehart, um economista agrícola do USDA, diz que as importações de milho podem desacelerar. Os produtores americanos têm acumulado milho em silos em todo o cinturão agrícola, relutantes em vender suas colheitas a preços baixos. Mas muitos vão em breve ter de aumentar as vendas para abrir espaço de armazenagem para a safra deste ano, o que poderia provocar uma queda nas importações, disse ele.

As tendências globais também podem mudar. No ano passado, uma safra abundante e a queda do real derrubaram os preços do milho brasileiro 10% abaixo do milho americano negociado em Chicago. Mas, agora, o milho brasileiro está ficando menos competitivo, à medida que o suprimento encolhe e o real se recupera, elevando os preços dos grãos em dólar.

Dados econômicos recentes não favorecem a importação de grãos. Em março, os preços do milho nos EUA caíram para o nível mais baixo em quase três anos, o que também ajudou a provocar um aumento das exportações americanas.

Mas o milho americano provavelmente vai ter dificuldade em se manter competitivo no mercado mundial, dizem analistas. Os agricultores do Brasil e da Argentina com frequência conseguem produzir milho mais barato do que os produtores dos EUA.

Em 2002, a Smithfield Foods Inc., empresa americana que produz e vende cerca de 16 milhões de suínos por ano, abriu um terminal de importação em Wilmington, na Carolina do Norte, que permite a ela e outros produtores importarem grãos. Uma porta-voz da empresa diz que as importações de grãos da Smithfield “aumentaram em relação ao ano passado, devido à oscilação do câmbio e o custo relativo do frete marítimo e ferroviário”. Mas a Smithfield prefere comprar grãos dos EUA “sempre que possível”, acrescentou ela.

“É um problema estrutural e não vai desaparecer tão cedo”, disse Dan Basse, presidente da AgResource Co., empresa de commodities de Chicago, sobre a crescente concorrência entre o milho americano e o grão do exterior.

 

Fonte: The Wall Street Journal

 

 

 

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