A aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas estrangeiras continua a gerar debates por parte de especialistas, governo e representantes do setor rural. Os defensores da proposta pedem a reversão do parecer de 2010, da Advocacia-Geral da União (AGU), que revigorou a obrigatoriedade da prévia autorização governamental para a aquisição de terras por qualquer estrangeiro, até mesmo por empresas com sede no Brasil.
Ele também querem a apreciação da legalidade desse parecer no Supremo Tribunal Federal (STF) ou a aprovação do projeto de lei sobre o assunto que tramita na Câmara dos Deputados desde 2012. O governo federal, em maio deste ano, sinalizou para uma possível revisão do parecer de 2010.
Diretora da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e ex-procuradora do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Maria Cecília Ladeira de Almeida lembra que o argumento do governo, na ocasião, foi o de “assegurar a soberania nacional em área estratégica da economia e o desenvolvimento”.
“A medida foi tomada em razão do medo de que empresas notadamente chinesas adquirissem grandes áreas de terra no país, visando a assegurar a oferta de alimentos para seus cidadãos, o que poderia comprometer o abastecimento dos próprios brasileiros, sendo que a norma é absolutamente despropositada”, esclarece a diretora sobre os comentários da época.
DIVERGÊNCIAS
No último dia 15 de dezembro, durante audiência na Câmara dos Deputados, na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores mostraram posições divergentes sobre o Projeto de Lei nº 4059/12 (que propõe a regulamentação da matéria).
O Ministério da Defesa critica o fato de que o projeto não prevê restrições para compra ou arrendamento de terras por pessoas jurídicas brasileiras que sejam controladas direta ou indiretamente por estrangeiros. De acordo com a pasta, essa falta de restrição representa uma ameaça à soberania nacional e retira do Estado a prerrogativa de monitoramento e controle sobre aquisições indiretas de terras por estrangeiros.
Questiona-se, ainda, que o projeto revoga a legislação atual (Lei 5.709/71) e regulariza todas as compras de terras já realizadas até o momento por empresas ou cidadãos estrangeiros no país. Na visão do Ministério da Defesa, “ratificar as aquisições anteriores também constitui ameaça, porque o Estado brasileiro não possui hoje um controle efetivo sobre as reais transações realizadas por empresas nacionais com capital estrangeiro”.
Já o Itamaraty entende que o texto do projeto pode aproximar o Brasil de eventuais acordos de investimento firmados com outros países no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pois, segundo o Ministério das Relações Exteriores, a proposta caminha na direção da não discriminação entre empresas brasileiras ou controladas por estrangeiros.
NA FORMA DA LEI
Por outro lado, a AGU argumenta que, em todo o mundo, a compra de terra por estrangeiros é tratada na forma de lei específica. No caso brasileiro, a legislação atual prevê que, para pessoas jurídicas, a aquisição de até três módulos rurais é livre, sem necessidade de autorização do Estado. Nos demais casos, a lei impõe restrições à aquisição de terras por estrangeiros, sobretudo em áreas de fronteira. “A lei em vigor cria excepcionalidades, mas não impedimentos”, observa Maria Cecília Ladeira.
Pelo Projeto de Lei 4059/12, não poderão comprar terras rurais no Brasil, ainda que indiretamente: fundos soberanos constituídos por outros países e organizações não governamentais ou fundações particulares com sede no exterior. Também fica proibido o arrendamento do imóvel rural a estrangeiros e a venda ou doação a estrangeiros de terras da União, dos estados ou dos municípios. Já as companhias de capital aberto podem ter autorização para comprar imóveis rurais.
INTERESSES
O deputado Heitor Schuch (PSB-RS), que propôs o debate na Comissão de Agricultura da Câmara, se mostrou contrário ao projeto de lei. “Não podemos nem permitir falar que agricultor familiar esteja correndo o risco de perder sua terra para estrangeiros. Estaremos realimentando a indústria dos sem-terra. Portanto, o Brasil precisa antes cuidar bem dos brasileiros”, disse. “Pode até trazer gente de fora, mas não entregando a terra. Schuch disse que o objetivo do projeto “é vender 25% do território nacional para estrangeiros”.
“Como se vê e, particularmente com espanto, desde 1988 a matéria tem gerado grandes debates. O projeto em si já é um grande passo, pois não é possível que o setor agropecuário fique refém de pareceres que facilmente podem ser modificados. É preciso um grande entendimento que vise a conciliar todos os interesses envolvidos. A Lei n.º 5.709/71 está em vigor e deve ser respeitada com seus critérios de proporcionalidade, em razão do estado de direito em que se vive”, ressalta a diretora da SNA.
O diretor da SNA, Ronaldo de Albuquerque, diz que o governo é favorável à liberação da venda das áreas rurais. “A AGU tomou medida para revogar os pareceres anteriores sobre o assunto. O Brasil precisa muito de uma saída eficaz para essa questão, que poderá dar mais força à nossa agricultura”, declara.
GARANTIA DE INVESTIMENTOS
“Se alterações são necessárias, até mesmo em razão da globalização e outros fatores, é preciso permitir os investimentos internacionais e, ao mesmo tempo, as salvaguardas da soberania nacional e do cidadão brasileiro, este não só como produtor, mas como consumidor final da produção agropecuária”, defende a diretora da SNA. Ela acrescenta que a aquisição de terras por estrangeiros “também poderá aumentar os investimentos externos em concessões de logística no país, permitindo que os investidores tenham acesso a uma cadeia agrícola integrada”.
“Uma legislação segura cria a certeza do domínio imobiliário e, em conseqüência, a garantia de investimentos, seja de nacionais ou de estrangeiros, contribuindo para a almejada paz no campo, que é a única forma do desenvolvimento da zona rural”, conclui Maria Cecília.
Por equipe SNA/RJ, com informações do Jornal do Comércio/RS