Mário Cordeiro de Carvalho Jr faz uma análise de risco político nas exportações brasileiras sob uma Nova Política Externa

Por Marcelo Sá
Equipe SNA

A SNA conversou com Mário Cordeiro de Carvalho Jr., Professor da FAF-UERJ, Economista-chefe da FUNCEX e Editor-chefe da RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior.

Esse trabalho, de sua autoria, é fruto de diálogos com Daiane Rodrigues dos Santos da FCE/UERJ e da Funcex, e com Vinicius de Moraes Roland, da AKK São Paulo, analisa as novas perspectivas das exportações brasileiras, levando em consideração a mudança de comando no executivo federal e um realinhamento na política externa da nova gestão.

Ele salienta a importância de manter o diálogo com demais entidades de estudo do cenário econômico para antecipar e compreender movimentos que impactam, diariamente, os setores produtivos, em especial o agronegócio.

Confira, a seguir, o minucioso e abrangente texto.

NEGÓCIOS INTERNACIONAIS EM FOCO

Após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o seu terceiro mandato presidencial,
constata-se a formação de uma nova agenda de política externa. O início de sua execução pode afetar a
percepção do risco político no Brasil devido à emergência lenta e gradual do nó górdio da
vulnerabilidade do setor externo brasileiro. Em linhas gerais, esse risco político será estimado pelas
tradicionais agências de risco internacionais, e será percebido pela sociedade civil internacional.
De fato, elaborar uma análise sobre risco político para investidores não residentes no Brasil, para
exportadores de bens e serviços produzidos, vendidos, financiados, e oriundos das nações estrangeiras
para o Brasil e para membros da sociedade civil, do governo ou de instituições financeiras
estrangeiras requer que se tenha clara a necessidade de identificar certas tendências econômicas que
moldam o ambiente de “fazer negócios internacionais” e de atração de investimento externo, e que se
observará no curto e médio prazo no Brasil.

Além disso, faz-se necessário identificar e compreender a dinâmica dos fatores econômicos que
incentivam a busca do equilíbrio interno da economia brasileira, notadamente a sua política fiscal,
orçamentária e monetária e, também, a busca e o incentivo ao equilíbrio externo nacional para
acompanhar e monitorar de modo a entender eventualmente as variações do humor do mercado de
capitais internacionais em relação ao Brasil.

Sem dúvida, com relação à constituição da agenda de uma “nova” política externa brasileira a ser
executada pelo presidente Lula ao longo do seu terceiro mandato, observa-se uma série de ações
táticas que resultam em movimentos que podem gerar tensões ou distensões no sistema internacional,
tais como:
a) A sua presença na COP, no Egito, permitiu em parte dissipar a imagem anterior do Brasil, de que
havia um descaso em relação à questão ambiental e da Amazônia, e reabriu fontes de recursos
financeiros internacionais para uma ajuda externa à Amazônia.

b) A sua ida à Argentina e ao Uruguai permitiu, no âmbito bilateral e do Mercosul, reforçar e
aprofundar tanto os princípios de livre movimentação de bens e serviços entre os dois países
limítrofes (também do Mercosul), quanto a integração financeira mediante o aperfeiçoamento
do Sistema de Pagamento em Moeda Local (firmado individualmente com a Argentina, o Uruguai
e o Paraguai).

c) A sua ida ao Uruguai permitiu uma breve distensão do principal problema do Mercosul– que é o
estabelecimento de uma tarifa aduaneira externa comum que atenda aos interesses legítimos de
industrialização com base em exportação, notadamente do Uruguai (também do Paraguai e da
Bolívia). Esse problema foi “jogado” para a frente com a proposta de se fechar o acordo multilateral Mercosul-União Europeia – caso seja possível em virtude das novas exigências em relação ao meio ambiente e à sustentabilidade– e iniciar um acordo comercial entre Mercosul e China.

d) A sua ida aos Estados Unidos, além de reafirmar itens com relação à sustentabilidade e ao meio ambiente, propiciou-lhe reafirmar a equidistância do Brasil em relação à contenda política, comercial e dos chips entre a China e os Estados Unidos e, de quebra, reforçar a proximidade com os Estados Unidos em relação aos princípios da democracia como valor e propósito ocidental em face da concertação das nações.

e) A sua ida à China inova, ao firmar a intenção de buscar uma complementaridade de interesses
produtivos e comerciais entre Brasil e China em relação à sustentabilidade, e de assinar novos
acordos cerca de manter em diversas áreas para a complementação e cooperação econômica. Os
bancos centrais de ambos os países firmaram protocolos para realizar operações de swap e a
transmissão e movimentação de meios e instrumentos de pagamentos denominados em moeda
brasileira ou chinesa. Essa viagem à China ainda propiciou o incentivo a uma maior
interpenetração e complementação comercial e produtiva entre o setor do agronegócio
brasileiro e o segmento importador de alimentos chinês, e mostrou ainda a importância do
Brasil para a segurança alimentar da China. Em relação ao setor industrial, o presidente Lula
visitou a matriz da Huawei e foi também sagaz em reafirmar a equidistância do Brasil em relação
à Chip War em curso. Além disso, cabe mencionar que não buscou envidar esforços em criar
incentivos para que fossem estabelecidos maiores laços entre os atores das cadeias industriais
chinesas de valor que já comercializam diretamente com os industriais brasileiros por meio das
plataformas de e-commerce chinesas que operam no Brasil. Há por parte do governo brasileiro
uma palavra de ordem e a intenção de incentivar a “neoindustrialização”, tendo em vista a
distância geográfica entre os dois países, os custos e os fretes dos transportes marítimos, uma
vez que se exporta do Brasil para a China muita carga geral refrigerada e se importa da China
para o Brasil muito parcel ou pacotes/encomendas soltas. Isso significa que se pode e deve,
mediante uma análise detalhada da pauta de importações do Brasil proveniente da China e com
incentivos econômicos apropriados, propor um tipo de tarifa aduaneira associada a regimes
aduaneiros especiais – identificar e propor projetos para substituir boa parte da oferta aos
compradores brasileiros de bens de consumo chinês por produção local no Brasil. Esses bens
produzidos no Brasil poderiam vir a ser ofertados e vendidos no Brasil e, também, na América
Latina pelas plataformas chinesas que estão aqui situadas e, assim, de quebra, proteger o setor
de varejo nacional. A sua ida ao G-7 no Japão inova em buscar firmar intenções e discursos para
lidar num mundo em policrisis – sem que os seus assessores tenham capacidade de formular
caminhos e foros institucionais e legais para encontrar soluções para a atual policrisis global por
parte de uma potência média como o Brasil. Sem dúvida, no esteio da longa tradição do
Itamaraty e do Brasil de um discurso pacífico, de diálogo e conclamação de paz entre os povos, Lula busca incitar um diálogo para negociar a paz – entre agentes não cooperativos – no bojo do
conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia. Dada a opção por conflito militar localizado na região
da Ucrânia, sem sinal ainda de que se degenere em conflito global e generalizado entre nações,
Lula retoma uma velha bandeira diplomática brasileira de buscar reformar o Conselho de
Segurança da ONU. Essa proposta é até saudável num contexto de ameaça e possível escalada de
confronto internacional com vistas a recuperar este locus para reduzir as fricções entre as
potências e nações. Mas, uma potência média com o tamanho geográfico do Brasil, e ainda com
uma base industrial de defesa – que ainda é uma indústria nascente, que precisa ser protegida
por tarifas e apoiada por incentivos fiscais e por compras governamentais – querer atuar como
elemento de pacificação entre atores e nações egoístas, não tem precedência na história recente
das nações.

f) Cabe mencionar que em sua ida G-7, no Japão, Lula inova em buscar firmar intenções e discursos
para gerir o lado das dimensões econômicas de diplomacia comercial. De fato, Lula dá voz à
necessidade de se agregar a África à concertação e à órbita do G-7 e do G-20, e sobretudo
incentiva a premência de transitar de um mundo de dominância unipolar para multipolar. O
problema é que apesar do correto diagnóstico por parte do presidente Lula, a base econômica,
produtiva, financeira e o desejo e interesse real de projeção internacional da sociedade
brasileira composta por empresários e cidadãos com direito a voto não permite grandes ações e
atividades em prol de uma inserção internacional soberana. De fato, hoje as empresas querem
que os seus produtos e serviços sejam comprados por residentes no exterior, visto que há forte
desinteresse cultural e comercial de internacionalizar as vendas brasileiras, apesar do contínuo
esforço de disseminar a cultura exportadora por parte do governo. Entre os mais jovens,
sobretudo aqueles com conhecimento de Steam, o desejo de emigrar e tentar a vida no exterior é
cada vez mais comum. Também há possibilidades de se iniciar a prestação de serviços técnicos
especializados do Brasil para o exterior, por meio de atividades de workremote e inovação de
serviço e processo. Mas ainda se observa um interesse generalizado tanto do governo quanto
dos empresários nacionais em buscar atrair investimento estrangeiro para atuar em atividades
que apresentem vantagens comparativas frente ao mundo na área de energia renovável e
negócios sustentáveis apesar de os riscos dessa atração provocarem a necessidade de gerar
novas fontes de produtos e serviços exportáveis para pagar o serviço a ser ocasionado por essa
“nova dívida externa”.

g) O presidente Lula participou recentemente de um encontro com presidentes latino-americanos
para reafirmar os princípios da democracia como valor e propósito ocidental em face da
concertação das nações da América Latina – ainda que esse conceito ao se aplicar à situação
atual de Venezuela, Nicarágua e El Salvador seja tema de uma reinterpretação por parte das
diversas correntes políticas brasileiras que, por gerar dissenso acaba reduzindo a dimensão de
projeção de poder político e econômico do Brasil na região. Demais, propor o incentivo à maior
integração econômica da América Latina é um bom “mantra” neste momento de policrisis atual
no mundo. Mas, visto que o Brasil não apresenta nenhuma proposta de melhorar a
administração aduaneira dos inúmeros acordos de complementação econômica (ACE) como
uma proposta do tipo deepintegration, que potencialize as oportunidades de integração e
complementaridade econômica entre os países, principalmente nas bordas e nas linhas de
fronteira, o esforço da reunião não resultou em projeção do Brasil na região em termos de
política comercial. Demais, se considerarmos que não há menção de projetar o real como moeda
a ser usada na região, e nem há uma posição explícita por parte do Brasil de viabilizar formas de
financiar nossas exportações e viabilizar garantias às vendas externas para a região, a proposta no campo das finanças internacionais fica restrita a uma intenção de buscar uma moeda comum,
algo que não condiz com a pujança do real e da estabilidade da economia brasileira.

h) Por isso, o único fato de tensão à ordem econômica mundial feito pelo presidente Lula nesse
conjunto de viagens internacionais e na recente visita dos líderes sul-americanos ao Brasil nesse
seu terceiro mandato foi declarar a necessidade de se começar a realizar estudos para a criação
de uma moeda comum, seja no âmbito do Mercosul ou da América Latina.

Essa longa lista descrita acima mostra uma ação tática de política externa prudente por parte do
Presidente Lula em buscar lidar e atuar sobre movimentos de sístoles e diástoles em um mundo
polarizado e de policris. Ele está buscando atuar para a distensão política e assim criar espaço para
que a atuação do Brasil – e do seu governo – seja mais firme e assertiva no cenário internacional
em termos de ações e atividades de corte unilateral, bilateral ou multilateral.

REFERÊNCIAS

SANTOS, D.; POURCHET, H. 2022. Base das Empresas Exportadoras no Brasil: 1997-2021. Revista
Brasileira de Comércio Exterior, nº 151, abr.-maio-jun. Rio de Janeiro: FUNCEX.
CORDEIRO, M. e SANTOS, D. 2023a. Expandir o Trade Finance e o Seguro de Crédito às Exportações é
Preciso, e Possível. Negócios Internacionais em Foco, nº 03, junho. Rio de Janeiro: FUNCEX.
CORDEIRO, M.; e SANTOS, D. 2023b. Internacionalizar o Real é Preciso e Possível. Negócios
Internacionais em Foco, nº 01, maio. Rio de Janeiro: FUNCEX.
CORDEIRO, M. 2023. Incentivar o Sistema de Pagamentos em Moeda Local entre Brasil e Argentina é
Preciso, e Possível. Negócios Internacionais em Foco, nº 06, junho. Rio de Janeiro: FUNCEX.

EXPEDIENTE

Publicado pela Funcex – Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior
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Endereço: Av. General Justo, 171, 8º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ.
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Mantenedores:

ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, ABIQUIM
– Associação Brasileira das Indústrias Químicas, Afrinvest Global, Apex-Brasil – Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos, Banco Bradesco S.A., Banco Haitong, CIERGS – Centro das
Indústrias do Rio Grande do Sul, Cisa Trading, CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens
Serviços e Turismo, CNI – Confederação Nacional da Indústria, FECOMÉRCIO/RJ, FIESC – Federação
das Indústrias do Estado de Santa Catarina, FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo,
FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Fundação Educacional Severino
Sombra, Grupo Multiplica, Huawei do Brasil Telecomunicações, LCA Consultores, Muzika Publicidade,
SEBRAE Nacional, TQI Consultoria e Treinamento Ltda e Victoria B.C. Assessoria em Logística Eireli.

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