Alimentos orgânicos e ‘sem transgênico’ vão à guerra

Os produtores de alimentos naturais passaram anos atacando a indústria tradicional. Agora, eles estão se voltando uns contra os outros.

As vendas crescentes de alimentos promovidos como não contendo ingredientes transgênicos estão superando as dos alimentos rotulados como orgânicos nos supermercados dos Estados Unidos. A tendência está frustrando agricultores e empresas de alimentos orgânicos que investiram somas substanciais para cumprir os padrões e obter a certificação do governo.

O setor de orgânicos está respondendo com campanhas de marketing que enfatizam que seus alimentos — além de serem produzidos sem organismos geneticamente modificados, ou OGMs — também cumprem outras exigências.

Por exemplo, o USDA, que certifica alimentos orgânicos desde 2002, exige que os produtores também eliminem o uso de pesticidas sintéticos e de alguns fertilizantes, e que os animais usados na produção de alimentos orgânicos sejam criados soltos e não recebam hormônios ou antibióticos.

“Alimentos orgânicos não usam OGM”, disse Cathy Calfo, diretora-executiva da associação dos produtores de orgânicos certificados da Califórnia (CCOF, na sigla em inglês), que recentemente começou a promover um novo rótulo para ressaltar a diferença: “Livre de OGM não é orgânico.”

O governo dos EUA não regula a rotulagem de alimentos sem ingredientes geneticamente modificados. Em vez disso, a certificação é feita por grupos privados, principalmente o Non-GMO Project. A organização sem fins lucrativos não proíbe o uso de pesticidas sintéticos em produtos agrícolas usados como ingredientes nos alimentos que levam esse rótulo, nem estabelece normas para o bem-estar de animais. Mas ela afirma que usa testes mais rigorosos para garantir que produtos geneticamente modificados não se misturem inadvertidamente com outros ingredientes durante o transporte ou a produção.

As diferenças podem ser mínimas, mas elas são importantes para as empresas. Obter o selo do Non-GMO Project ou a certificação de produto orgânico do USDA pode levar meses ou até anos, dependendo do item e do tamanho da fila de espera. Cada certificado pode custar milhares de dólares inicialmente e precisa ser renovado todo ano — uma despesa significativa para pequenos produtores. Além disso, ingredientes orgânicos ou sem transgênicos são muito mais caros que os comuns.

Organismos geneticamente modificados se tornaram o foco de consumidores céticos. Agências do governo americano e organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, há muito afirmam que os OGMs — que têm seu DNA alterado para resistir a pragas e pulverizações de agrotóxicos — são seguros. Mas críticos da tecnologia dizem que eles facilitam o uso nocivo de pesticidas e que a segurança dos OGMs para consumo humano não está comprovada.

Essa dúvida levou a um crescimento rápido nas vendas de alimentos livres de OGMs, que este ano devem superar as dos produtos 100% orgânicos pela primeira vez, segundo dados compilados pela empresa de pesquisa Spins LLC. As vendas de produtos sem transgênicos saltaram numa média próxima a 70% por ano de 2013 a 2015 e devem ultrapassar US$ 13 bilhões neste ano. É o quíntuplo do crescimento dos alimentos orgânicos monitorados pela Spins, cujas vendas somaram US$ 11 bilhões no período de 52 semanas encerrado em 1o de novembro. Os dados da Spins não incluem as vendas da Whole Food Market Inc., uma grande varejista dos dois tipos de alimentos.

A certificação orgânica do USDA é aplicada a alimentos que são 95% orgânicos ou mais. A Associação Comercial de Orgânicos, cujos números incluem estimativas de vendas da rede Whole Foods, revela números muito maiores, de US$ 35,9 bilhões em 2014 para alimentos contendo 70% ou mais de ingredientes orgânicos.

O crescimento de uma categoria pode acontecer em detrimento de outra, já que alimentos especiais frequentemente competem pelo mesmo espaço limitado nas prateleiras dos supermercados. No ano passado, os alimentos rotulados como não geneticamente modificados foram responsáveis por 3,7% das vendas totais de alimentos nos supermercados dos EUA, contra 3,5% dos itens orgânicos, segundo a firma de pesquisas de mercado Nielsen. 49% dos consumidores consultados pela Nielsen disseram que produtos sem transgênicos são um importante fator na compra de alimentos e bebidas, comparado com 47% que disseram o mesmo sobre os orgânicos.

As empresas de alimentos orgânicos dizem que muitos consumidores estão confusos sobre os diferentes atributos nos rótulos.

“Mesmo sendo uma empresa 100% orgânica, eu recebo uma ou duas perguntas por semana: Seus produtos são geneticamente modificados ?’”, disse Verson Peterson, dono da Abundant Harvest Organics, na Califórnia, que produz frutas para clientes como a Whole Foods. “Vemos o consumidor dando mais valor para produtos sem OGMs que para o rótulo de orgânico”, disse.

No Brasil, a distinção entre as duas categorias não se tornou relevante até hoje porque, embora alimentos orgânicos já estejam em evidência, merecendo até seções separadas em alguns supermercados, a conscientização do consumidor brasileiro sobre OGMs ainda é pequena, dizem especialistas do setor.

“Não existe ainda uma massificação de entender o que é ‘não transgênico’”, disse Ming Liu, coordenador executivo do Organics Brasil, um projeto de apoio à exportação de produtos orgânicos criado com recursos do Ministério da Indústria e Comércio e sediado em Curitiba.

A Organics Brasil estima que as vendas de produtos orgânicos no País vão atingir R$ 2.65 bilhões neste ano, 32,5% a mais que em 2014, segundo Liu. Para 2016, a previsão é de R$ 3.5 bilhões.

 

Fonte: The Wall Street Journal

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