As startups do agronegócio, as chamadas agtechs, estão se aproximando cada vez mais dos grandes grupos do ramo no Brasil. Enquanto as tradicionais e gigantes corporações buscam ficar por dentro das inovações no campo, principalmente no meio digital, gastando menos internamente, as startups estão ávidas por colocar suas soluções para rodar nas fazendas dispostas a testá-las.
Pesquisa realizada pela Agtech Garage, hub de inovação em agronegócio sediado em Piracicaba (SP) com 184 startups, apontou que 51% das novatas têm pelo menos uma parceria com grandes empresas. As startups buscam se aproximar delas para colocar em prática seus projetos piloto, acessar redes de clientes e bases de vendas, além de criar conexões dentro do segmento agrícola.
Seja para quem vem de dentro ou de fora do setor, cruzar a ponte que liga a solução ao produtor rural pode ser questão de vida ou morte. “A capilaridade das grandes empresas do agro é um dos pontos fundamentais para as agtechs, porque no Brasil as áreas são muito extensas e distantes”, disse Eduardo Goerl, fundador da gaúcha Arpac, especializada em drones para pulverização aérea.
Em 2016, quando começou a rodar o país para oferecer seu serviço e mapear áreas produtoras de cana-de-açúcar, Goerl disse que chegava a dirigir 1.000 quilômetros por semana. “Sem um investidor anjo e a aproximação com grandes empresas, talvez eu tivesse que desistir”.
Foi só a partir da aproximação com empresas como Raízen (joint-venture entre Cosan e Shell) e Basf que a Arpac conseguiu estabelecer um foco, mapeando 120.000 hectares ao redor de cinco cidades satélites onde atua hoje. A startup conheceu os produtores dessas regiões e identificou seu potencial ao acompanhar feiras agrícolas a convite das multinacionais. Hoje, atua ao redor de Porto Alegre (RS), São Paulo e Jaú (SP), Jataí (GO) e Sorriso (MT).
Os grandes grupos não ajudam apenas no processo de arrebanhar clientes. O empreendedor no agro muitas vezes também precisa passar por um “choque de realidade”, disse o diretor da área de agricultura digital da Basf para América Latina, Almir Araújo.
É por isso que a imersão no campo é uma fase importante do AgroStart, programa de desenvolvimento de agtechs da Basf em parceria com a aceleradora ACE, que desde 2016 teve 400 startups registradas e 15 participantes.
Os choques acontecem porque muitas vezes os produtos criados pelas agtechs não estão adequados às condições nem sempre amigáveis do campo. A Tarvos, apoiada pela Basf, precisou da experiência prática para descobrir que sua armadilha de insetos era frágil.
A tecnologia, que conta com sensores e câmeras para identificação de pragas e construção de um mapa de calor para quantificá-los, atrai os insetos com o uso de feromônios (substância de atração sexual). “Embora genial, o equipamento precisava ser mais forte porque algumas armadilhas quebraram e outras o gado vandalizou na primeira semana”, afirmou Araújo.
Segundo ele, o programa de aceleração da Basf nasceu porque a empresa de defensivos e sementes tem interesse em oferecer esse tipo de produto aos clientes. “Queremos apoiar ideias de impacto no agro, que beneficiem o produtor rural”, explicou o diretor. Assim, boa parte dos serviços das startups terminam no programa de fidelidade da companhia, podendo ser resgatados pelos clientes da Basf por meio de pontos.
Mas o processo de testes que pode acelerar uma startup não deve se transformar numa novela sem fim. Segundo Maximiliano Carlomagno, sócio-fundador da Innoscience, consultoria em gestão da inovação responsável pelo programa Agro Exponencial, da SLC Agrícola, os grandes grupos precisam ter clareza de onde querem chegar no relacionamento com as startups.
“É preciso aprender a descartar a ideia sem parecer que está subestimando, e entender que aquilo pode ser inadequado para o momento da empresa”, disse Carlomagno. Nesse sentido, o excesso de burocracia só atrapalha. “Às vezes leva um ano para as partes firmarem um contrato, e quando a startup consegue isso, o interlocutor muda dentro da empresa”.
No programa desenhado para a SLC, que é uma das maiores produtoras de grãos do País, de 175 agtechs inscritas, apenas sete rodaram pilotos pelo período médio de três meses, todas sendo remuneradas por eles, recebendo de R$ 10.000,00 a R$ 40.000,00 pela prestação dos serviços.
Para Carlomagno, o desafio das empresas é trabalhar com as startups usando a “cabeça e não o estômago”. “Muitas companhias ainda pedem exclusividade, mas têm de entender que a startup não nasceu para resolver o seu problema ou aceitar que esta cláusula tem um preço”, afirmou o consultor.
Frederico Logemann, gerente de relações com investidores e planejamento estratégico da SLC, informou que o programa de inovação se preocupa em conectar os verdadeiros interessados na resolução dos problemas com os empreendedores, para o projeto ganhar agilidade.
“Além de funcionários de alta gestão, colocamos a startup em contato com quem está na fazenda e nos apontou aquela sua dor do dia a dia”, disse, método esse que é o de seleção das empresas, inclusive, por chamadas temáticas.
Para Bárbara Sentelhas, da Agrymet, de Piracicaba (SP), startup de monitoramento de dados meteorológicos, o canal aberto com a SLC foi o ponto alto do programa, que mostrou ser uma via de mão dupla.
A solução da startup para determinar o potencial produtivo das lavouras em função do clima foi o que mais chamou a atenção da SLC, que passará a monitorar não mais os sete talhões do projeto piloto, mas duas fazendas na próxima safra, de um total de 16 da companhia. “Para escalar temos que ter cuidado, para não atropelar a startup”, disse Logemann.
Por meio de um banco de dados com séries históricas iniciadas em 1980, a Agrymet extrapola indicadores de chuva, temperatura, umidade relativa do ar e ventos e criou uma rede de mais de 11.000 estações meteorológicas virtuais no Brasil.
Valor Econômico