A queda seguida de certa acomodação nos custos de produção agrícola, neste ano, em relação aos níveis historicamente elevados no ano passado, veio acompanhada de uma tendência de baixa dos preços dos principais grãos, com redução relativamente menos intensa para as carnes, em um cenário de maior oferta em ambos os setores. Os indicadores até aqui disponíveis, a depender ainda do clima, sugerem mais uma safra cheia no ciclo 2023/24, com resultado positivo em termos de volume, indicam Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro), e Guilherme Bellotti, Gerente de consultoria agro no Itaú BBA. Inicialmente, o banco trabalha com uma safra em torno de 159 milhões de toneladas para a soja, com alta de 3% em relação à safra 2022/23, e de 130 milhões de toneladas para o milho, alta de 4%.
Boas expectativas de produção na região Sul
As expectativas são de melhora na produção da região Sul, castigada por três anos de forte estiagem, por conta da ausência do fenômeno conhecido por La Niña, como indica o coordenador o Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon. Ele afirma que os produtores já contrataram a próxima safra, adquirindo agora o pacote de insumos, e estima uma colheita muito boa no ano que vem para todo o País, ao menos em volume. “Tudo indica que eles [os produtores] utilizarão um bom pacote tecnológico o que ampliará sua produtividade”, disse.
Produtividade recorde impulsionou colheita
Neste ano, na estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade recorde, próxima de 4.049 kg por hectare na média de todas as culturas, ajudou a impulsionar a colheita para 312.5 milhões de toneladas, 40.1 milhões de toneladas a mais do que na safra 2021/22. O aumento de 11% da produtividade de grãos foi decisivo para esse resultado, informou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Crescimento impõe desafios
Esse crescimento impõe ao setor desafios nas áreas de armazenagem, logística, crédito, seguro e toda rede de suporte ao agronegócio, disse Serigati. A capacidade estática da rede de armazenagem em todo o País é de 189.62 milhões de toneladas neste ano, segundo a Conab, correspondendo a 60,70% da produção de grãos estimada. Desde 2010, quando os armazéns conseguiam acomodar 91,30% da produção, a capacidade instalada aumentou em 39,20%, enquanto a produção mais que dobrou, crescendo 108,60%.
O ritmo mais lento de comercialização da safra, especialmente de soja e milho, acrescenta mais uma preocupação. No Mato Grosso, responsável por 30% da produção brasileira de grãos, segundo Bellotti, em torno de 40% da soja colhida neste ano não havia sido comercializada até abril. No ano passado, o percentual era de 32% para o mesmo período. Pelos dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA), na soma de milho e soja, em torno de 53% da produção não havia sido vendida até abril, correspondendo a quase 48.9 milhões de toneladas.
Pode-se antever um alongamento no fluxo de caixa dos produtores, disse Bellotti, e dificuldades para acomodar toda essa produção. Segundo ele, a safrinha de milho está a caminho e tende a ser a maior já colhida, ligeiramente acima das 95.3 milhões de toneladas.
Queda dos prêmios para exportação
O volume recorde produzido neste ano tem pressionado os preços e derrubado os prêmios para a exportação. No caso da soja, o prêmio no Porto de Paranaguá estava negativo em US$ 1,05 por bushel no começo de maio, em relação a um prêmio positivo de US$ 1,37 no mesmo período do ano passado, segundo dados do IMEA e da equipe de agronegócio do Itaú. O indicador calculado pelo CEPEA da ESALQ/USP, para os preços pagos aos produtores indicava uma queda real de 17% para os grãos entre março do ano passado e o mesmo mês deste ano, menor nível desde julho de 2020. No setor pecuário, os preços recuavam 0,40% em 12 meses.
Redução nos preços agrícolas
Bellotti disse que a redução nos preços agrícolas tem sido uma tendência genuinamente doméstica, já que o balanço entre oferta e demanda no restante do mundo continua apertado, determinando quedas de preços menos intensas em Chicago. Os números apurados pelo IMEA indicam quedas de 33,90% e de 33,50% para a soja e o milho, respectivamente, entre a primeira semana de maio de 2022 e o mesmo período deste ano, no mercado disponível em Mato Grosso. Considerando praticamente os mesmos intervalos, lá fora, as cotações caíram 20,60% para o milho e 15% para a soja.
A queda nos preços foi mais intensa do que a redução estimada para os custos dos principais insumos. Com base em dados de março, o IMEA estima uma redução de 4% nos custos dos defensivos na safra 2023/24, comparado ao ciclo anterior, com baixa de 23,10% para fertilizantes e corretivos nas lavouras de soja geneticamente modificada. As duas categorias de insumo respondem por 55,40% do custo operacional efetivo do grão. Para as culturas de milho de alta tecnologia, as quedas variam de 7,90% para fertilizantes e corretivos a 10% para o custo de defensivos, que juntos representam 53% do custo operacional de plantio.
O movimento dos preços e custos sugere que o agronegócio tende a experimentar em 2024 margens mais próximas de suas médias históricas, depois de três anos de resultados espetaculares, segundo Bellotti. Considerando apenas o custo agrícola, as estimativas do Itaú indicam para margens entre 40% e 45% para a soja em 2024. Ainda assim, o cenário à frente, prossegue ele, torna mais premente uma gestão de riscos mais atenta. “Os produtores que não fizeram uma boa gestão do seu custo, mesmo tendo uma excelente safra, poderão ter resultados negativos”, disse Conchon, da CNA.
Maior variação no agro para este ano
Depois de ter sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) do país reduzida para 24,80% no ano passado, a menor parcela em três anos, o agronegócio tende a registrar uma maior variação neste ano, dado o volume histórico produzido. Além de produzir 312.5 milhões de toneladas de grãos, indica Conchon, o País deve aumentar a colheita de café arábica em 4,80%, para 37.4 milhões de sacas, ampliar a produção de cana em 4,40% e elevar em 2% a oferta de carnes.
Os volumes mais elevados, segundo Serigati, devem levar a um crescimento do PIB associado ao setor. O GVAgro trabalha com uma estimativa de alta de 8% para o PIB da agropecuária, próximo dos 10% estimados por Bellotti.