O Brasil produtor do agronegócio que votou majoritariamente no presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, e deve votar no segundo, registrou um crescimento de mais de 25% em relação ao restante do País nos últimos anos e viu a massa de renda triplicar na comparação com estados do Sudeste no segundo trimestre.
Esse Brasil tem crescido acima da média nacional e passou com muito menos turbulências pelas últimas recessões e pela pandemia. É essa realidade econômica próspera que destoa do restante do País e a influência política crescente que ajudam a explicar parte do endosso ao bolsonarismo, afirmam especialistas.
No primeiro turno, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve 48,43% dos votos, e Bolsonaro, 43,20%. Lula teve mais votos no Norte e Nordeste. Bolsonaro venceu no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste, sobretudo onde predomina o agronegócio brasileiro, ou seja, interiores de estados como Santa Catarina, Paraná, São Paulo e todo o Centro-Oeste, Triângulo Mineiro e sul da região Norte.
Renda agropecuária
No quadriênio de 2019 a 2022, o território onde Bolsonaro se saiu melhor e coincide com o Brasil agropecuário, viu a renda real média crescer quase 30%, ao passo que no restante do País a alta foi bem modesta, com nível de renda aquém do pico visto no período de 2011 e 2014, segundo cálculos do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores.
“Vale notar que esse salto fenomenal da renda agropecuária real em 2019-22 não se deveu por volume, mas sim por causa de preços relativos muito mais favoráveis, refletindo a forte alta das commodities agrícolas em dólares, assim como o real frente ao dólar excessivamente depreciado desde meados de 2020”.
PIB
Borges indica que, em volume, o PIB agropecuário, que diz respeito somente à produção e não a toda cadeia, deve ter crescido em média 1% ao ano entre 2019 e 2022, enquanto o PIB total, 1,10%.
Levando em conta o PIB nominal deflacionado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), Borges chega ao valor de R$ 2.08 trilhões para o setor agropecuário no período de 2019 a 2022, um aumento de 29,40% em relação ao quadriênio anterior.
“Apesar de estarmos falando de um setor que corresponde a 8% do PIB brasileiro, se trata de um salto espetacular. Estamos falando de R$ 472 bilhões a mais de renda em relação ao período de 2015 a 2018.”
Olhando o restante da economia e excluindo administração pública, aluguel imputado e transação financeira, que responderia por 60% do PIB brasileiro, o crescimento de 2019 a 2022 seria bem mais modesto, de 3,80%.
O economista argumenta ainda que, enquanto para o agroprodutor o preço alto das commodities e o real desvalorizado são favoráveis, para o restante da população é o oposto e significa comida mais cara e inflação maior. Ainda que a produção agropecuária represente 8% do PIB brasileiro, pode chegar a 28% se incluídos serviços e toda a cadeia.
Pujança
Trata-se de um outro Brasil, indica Borges. “Um país que faz fila para comprar caminhonetes de R$ 500.000,00”, disse. “Um Texas brasileiro, mais conservador e com essa pujança do agronegócio. Começa no norte do Rio Grande do Sul, passa por Santa Catarina, pelo Centro-Oeste, pela nova fronteira no Nordeste. É a região que mais se apropriou desse ganho de renda e onde houve votação muito mais expressiva no governo atual.”
Apesar de o eleitorado fazer associação com o governo Bolsonaro, há componentes históricos e conjunturais que explicam a bonança recente no Brasil do agronegócio, afirmou Sérgio Vale, da consultoria MB Associados.
“Se pegarmos o crescimento dos estados brasileiros ao longo das últimas quatro décadas, os que mais cresceram foram aqueles onde o agro tem maior peso”, disse Vale. “Duas razões principais ajudam a explicar isso. Uma é que o agronegócio acabou se integrando mais com o resto do mundo [do que outros setores, como a indústria brasileira]. A outra é o preço, que levou os estados produtores a terem maior crescimento da massa de renda.”
Desempenho
Segundo estimativas da MB Associados, tanto Mato Grosso quanto Mato Grosso do Sul devem crescer acima de 5% neste ano, e os outros estados com presença do agronegócio na região Centro-Oeste, no Norte e no Nordeste também terão desempenho acima da média nacional.
Cálculos de Vale, com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, de 1986 a 2023, o Mato Grosso deve acumular um crescimento de 695%, e o Brasil, expandir 108,70%. De 2012 para cá, o PIB per capita de estados do Centro-Oeste devem ter tido expansão acima de 10%, e o Brasil, queda de 4,70%.
Neste ano, os estados que mais tiveram crescimento real da massa de renda no segundo trimestre, em relação ao mesmo período de 2021, são aqueles com maior participação do agronegócio.
Essa bonança não é exclusiva do Brasil e tem beneficiado todos os países produtores de commodities, disse o economista. Ele argumenta que atribuir essa alta da renda ao governo Bolsonaro, portanto, parece exagerado. “Não tem a ver com política fiscal, reformas, Bolsonaro. Tem a ver com commodities agrícolas. São elas que estão levando a esse crescimento”, disse Vale.
Questão ambiental
O economista divide o Brasil em três grandes categorias: as regiões Sul e Sudeste, que se desenvolveram e, de certa forma, estagnaram, o Centro-Oeste e a nova fronteira agrícola, que seguem o caminho de enriquecer pelo agronegócio, e o Nordeste, que poderia vir a ser um polo de produção importante, especialmente pela proximidade com mercados como a União Europeia (UE).
Tanto Borges quanto Vale avaliam que, apesar da associação majoritária do setor com Bolsonaro, uma vitória de Lula poderia reduzir as pressões na área ambiental, favorecendo as exportações do setor para mercados internacionais, como a UE.
“Há um segmento mais atrasado do agronegócio que avalia que a política de preservação ambiental é um entrave ao setor. Nada mais equivocado: a concretização do acordo comercial Mercosul-UE está sub judice justamente por causa do retrocesso da política ambiental”, disse Borges. “E esse acordo expandiria enormemente o mercado para produtos agropecuários brasileiros na Europa.”
Economia
Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), argumenta que as regiões em que o agronegócio predomina no modelo econômico passaram por menos turbulência nas últimas décadas.
“Do ano 2000 para cá, o universo agropecuário foi de longe o setor econômico que mais cresceu. Foi um crescimento médio de 3,50% por ano, em comparação com os 2,30% da economia brasileira”, afirma.
“As regiões em que a agropecuária é a atividade econômica predominante e conseguiu dinamizar serviços locais e empregar a maior parte da mão de obra não sentiram os impactos das crises que passamos desde os anos 2000 com a mesma intensidade.”
Serigati cita como exemplo a recessão de 2015 e 2016 e até mesmo a crise decorrente da pandemia da Covid-19, que atingiu com mais força setores como indústria manufatureira e serviços.
Relevância política
Além da importância econômica crescente, o especialista ressalta que nos últimos 20 anos o setor ganhou maior relevância política, tanto no que diz respeito à representação no Congresso, quanto na busca por apoio político de representantes do setor e na defesa dos interesses da agenda no Legislativo e no Executivo.
“Do ano 2000 para cá, claramente o setor ganhou um espaço político maior, um prestígio maior. E tem mais capacidade de mobilização. As pautas do agro hoje têm convergência maior com uma fração mais ampla da população brasileira”, disse Serigati.
No primeiro turno da eleição, 70% dos integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que concorreram à reeleição para a Câmara dos Deputados saíram vencedores e terão novo mandato por mais quatro anos. Dos 241 membros na Casa, 218 disputaram novas vagas e 153 foram reeleitos.
Nomes
Levantamento da FPA aponta que a bancada terá ao menos 158 representantes na nova legislatura. A lista contabiliza apenas a eleição de antigos integrantes que estavam sem mandato e retornam à Câmara e a continuidade dos membros reeleitos.
Apesar do número expressivo da FPA, nomes importantes do agro ficarão de fora em 2023. São os casos do ex-ministro da Agricultura e Vice-Presidente da FPA, Neri Geller (PP-MT), que não venceu a corrida pelo Senado em Mato Grosso, e da coordenadora institucional da bancada, Aline Sleutjes (PSL-PR), derrotada na disputa pela vaga de senadora.
Projeção
A FPA é forte aliada de Bolsonaro e costuma ter sempre maior presença na Câmara. Na próxima legislatura, a bancada ruralista do Congresso deve crescer também no Senado.
Com o retorno de antigos membros que estavam sem mandato e a vitória de aliados que ocupavam outros cargos, como de deputado federal, a FPA projeta ao menos 40 senadores a partir de 2023, do total de 81. Acima, portanto, dos 39 na última legislatura e ainda sem considerar prováveis adesões, que podem levar o total para 45.
O contingente, reforçado por nomes como o da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS), pode ser decisivo para a aprovação de pautas caras ao agronegócio que estão paradas no Senado, como mudanças no licenciamento ambiental, regularização fundiária, autocontrole da fiscalização agropecuária e registro de agrotóxicos.