O governo Donald Trump está considerando acionar uma agência da era do New Deal para compensar os prejuízos financeiros que os agricultores americanos sofreram devido à guerra comercial com a China.
Em 6 de julho, Pequim deverá sobretaxar em 25% mercadorias importadas dos EUA no valor de US$ 34 bilhões, em retaliação a tarifas aplicadas pela Casa Branca. Entre os principais alvos estão a soja, maior produto de exportação agrícola para a China.
A ameaça da imposição de sobretaxas pressionou o mercado de soja em Chicago para abaixo de US$ 9,00 o bushel, um preço não lucrativo para muitos agricultores. Na semana passada, os contratos futuros caíram mais 4%.
Sonny Perdue, secretário de Agricultura dos EUA, disse na semana passada a repórteres que a Commodity Credit Corporation (CCC) é um dos instrumentos sob consideração para compensar as perdas dos agricultores. “Se a China não tomar jeito logo, rapidamente começaremos a cumprir nossa promessa de subsidiar os produtores, que se tornaram vítimas dessas disputas”, escreveu Perdue em uma coluna de jornal.
Criada em 1933 pelo presidente Franklin Roosevelt, a CCC é um braço pouco conhecido do USDA. A CCC tem autoridade para captar US$ 30 bilhões em empréstimos junto ao Tesouro e liberdade para decidir como os fundos serão gastos.
A corporação tem por objetivo “estabilizar, apoiar e proteger a renda dos agricultores e os preços de seus produtos”. Entre seus poderes estão tomar empréstimos, subsidiar os agricultores e comprar suas colheitas, de acordo com seu estatuto.
“Ela sempre foi um programa emergencial”, disse Robert Holifield, ex-diretor da comissão de Agricultura do Senado dos EUA.
Em março, o Congresso ampliou a missão da CCC, ao suprimir restrições à sua autoridade no sentido de sustentar os preços das safras e eliminar excedentes de commodities, dando ao governo mais poder de fogo para enfrentar as tarifas chinesas.
Estados agrícolas como Iowa, Indiana e Ohio impulsionaram Donald Trump à vitória em sua campanha presidencial de 2016, apesar de sua retórica sobre o comércio ter gerado dúvidas entre os agricultores. O governo estima que os EUA terão um superávit comercial de US$ 21 bilhões na agricultura neste ano fiscal.
A retaliação chinesa surge num momento em que os baixos preços do milho, trigo e soja pressionam a renda dos produtores, tendo o USDA previsto o menor lucro líquido ajustado pela inflação desde 2002.
Empresas agrícolas do país tentaram evitar as táticas comerciais agressivas de Trump contra a China, México, Canadá e União Europeia, porém, sem sucesso. Elas continuam engajadas em tentar manter abertas as linhas de comércio.
“Sempre que possível, preferimos as forças do mercado aos programas do governo”, disse um porta-voz da American Farm Bureau Federation. “Isso nem sempre é prático, mas, neste caso, o volume de dinheiro envolvido e o valor das mercadorias que serão afetadas, torna muito difícil, para qualquer governo, compensar nossas perdas”.
Joseph Glauber, ex-economista-chefe do USDA, disse que muitos agricultores já se beneficiam de salvaguardas contra os baixos preços na forma de preços subsidiados pelo governo, complemento à renda e seguro de receitas. Esses programas foram preservados na lei agrícola recentemente aprovada pelo Senado e pela Câmara.
“Os agricultores, infelizmente, são os peões involuntários nessa guerra comercial. Eles serão prejudicados. Mas serão protegidos pelo atual conjunto de programas”, disse Glauber, que atualmente trabalha no Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares. “Não gosto da ideia de o governo criar algum bálsamo para aplicar em ferimentos autoinfligidos. Parece ser um enorme problema de risco moral”, acrescentou.
Os agricultores aplaudiram o esforço do governo Trump para abrandar legislação da era Obama, como leis sobre a poluição da água. Outras decisões deixaram o setor nervoso, mais recentemente, por exemplo, a ampliação da isenção da obrigatoriedade de misturar etanol de milho a combustíveis, que a Agência de Proteção Ambiental concedeu às refinarias de petróleo.
Perdue, veterinário e ex-governador da Geórgia, disse na semana passada que os economistas do USDA estão tentando calcular os efeitos das perturbações no comércio para formular um pacote de ajuda. “Espero que possamos resolver [a disputa comercial] antes que isso aconteça e possamos ver os grãos voltarem a subir rumo aos US$ 10”, disse ele à CNBC.
Um lobista familiarizado com as discussões disse que o USDA queria tomar uma decisão em setembro, quando os americanos vão colher culturas como a de soja. Esse mês é também o período em que os agricultores brasileiros, maiores exportadores de soja do mundo, começam a plantar o grão.
“Os custos de longo prazo disso estão ampliando as áreas de plantio de soja no Brasil”, disse Glauber sobre as taxas. “Veremos muitas terras convertidas (ao plantio de soja). É uma perda de mercados nos quais os EUA participariam”.
Fonte: Financial Times/Valor