O setor de carne suína no Brasil continua em franca expansão e, para vender tanta carne ao mercado exterior, o produtor rural precisa contar com novas tecnologias para dar conta do recado, até porque vários países vêm habilitando novas plantas frigoríficas, após acordos com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nos últimos anos.
Uma dessas tecnologias disponibilizadas para a suinocultura brasileira é o abatedouro móvel, que auxilia pequenos produtores a realizarem os abates dos animais, respeitando padrões de sanidade e bem-estar animal, quesitos considerados fundamentais para os importadores mais rígidos. O veículo tem uma capacidade de abate de 80 suínos com até 130 quilos de peso vivo, em uma jornada diária de oito horas, contando com sete operadores.
O trabalho é executado dentro de um caminhão, com todos os equipamentos desenvolvidos pela Embrapa Suínos e Aves (SC) e pela empresa Engmaq, do município catarinense de Peritiba. Pela praticidade de poder se deslocar a qualquer lugar, o veículo pode atender a vários produtores de uma mesma região, o que ajuda, inclusive, na redução de custos da produção e ainda oferece segurança alimentar à carne suína que chega à mesa dos consumidores.
A tecnologia também permite que produções em pequenas escalas tenham legalização fiscal e possam até ser vendidas para outros municípios ou Estados.
VERSÕES DIFERENTES
Criado e construído de forma a atender às regras do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), e já validado por órgãos sanitários de Santa Catarina e Bahia, o equipamento pode ser configurado em versões de diferentes capacidades, sobre rodas ou estacionária.
A estrutura móvel funciona dentro de um contêiner, que pode ser de seis ou 12 metros de comprimento (20 ou 40 pés). Se utilizar sua capacidade máxima, em uma única estrutura, é possível realizar o abate de até 19 mil suínos por ano.
Conforme a Embrapa, usando dados produtivos de uma cooperativa catarinense que atua no ramo suinícola, seriam necessários cerca de 390 suinocultores com 17 matrizes cada um, em um sistema de ciclo completo, para abastecer a instalação em sua configuração de maior capacidade.
“Utilizando este modelo proposto na estratégia de operação, poderiam ser atendidas 78 famílias em cinco localidades beneficiadas, com a implantação de um único abatedouro móvel mais suas estruturas complementares”, afirma o pesquisador Elsio Figueiredo, da Embrapa Suínos e Aves, em publicação da revista A Lavoura edição 712/2016.
ESTRUTURA E FLUXO DE TRABALHO
Para entender como funciona o abatedouro móvel, a estatal mostra que, na chamada “área suja”, o veículo conta com um equipamento para insensibilização dos animais, mesa com calha de sangria, tanque de escalda com termostato, depiladeira e área para toalete (raspagem final dos pelos) e remoção do ouvido médio (para evitar contaminações na carne). Já na “área limpa”, de circulação restrita, há um local para evisceração e corte da carcaça, além de mesa para inspeção das vísceras.
De acordo com a Embrapa, após o corte, as carcaças seguem para a câmara fria, estrutura que pode ser móvel ou fixa. As áreas sujas e limpas têm entradas exclusivas, com uma pia para higienização em cada uma delas. Existem ainda esterilizadores de facas. O deslocamento da carcaça em seu interior para a câmara fria é feito por uma nória (gancho móvel que corre em trilhos no teto).
“Podemos dimensionar a estrutura de acordo com a necessidade do cliente. Além disso, todos os equipamentos necessários para este procedimento estão instalados em seu interior e são de aço inoxidável, não contaminante, o que facilita a limpeza”, informa Daniel Galhart, engenheiro da empresa fabricante do abatedouro, a Engmaq.
ESTRUTURA DE APOIO
A Embrapa detalha que, instalado sobre a estrutura de um semirreboque, o abatedouro precisa ser tracionado por um caminhão tipo “cavalo rebocador” para ser transportado entre os pontos de produção. Estes locais devem ter uma estrutura de apoio para a operação, imprescindível para o bom funcionamento da tecnologia e o cumprimento integral das leis e normas nacionais de licenciamentos ambiental e sanitário.
A estatal informa que o abatedouro só deve funcionar em um terreno completamente cercado, com controle de entrada, e com a disponibilidade de água potável e energia elétrica trifásica. A entrada é controlada e dotada de sistema de limpeza e desinfecção.
Acompanhando as normas de inspeção do país, os animais devem ser alojados em currais de espera, facilitando o atestado “ante-mortem”, que deve ser feito por um fiscal sanitário.
Para que os suínos sejam encaminhados ao abatedouro, é necessária a existência de uma seringa e um brete dotado de rampa para conduzi-los até o boxe de insensibilização, que fica da mesma altura da mesa de sangria. Também pode ser usada uma gaiola, que funcionaria como um elevador.
ESTRUTURAS AUXILIARES
O suinocultor ainda pode contar com outras estruturas auxiliares fundamentais, tais como vestiários e sala para o inspetor veterinário, além de um pequeno depósito para o armazenamento, por exemplo, de embalagens. É recomendável o planejamento de uma pequena sala administrativa.
Todas as estruturas citadas podem ser modulares, construídas, inclusive, no interior de contêineres, de maneira a facilitar a instalação do abatedouro, o que influencia diretamente no tempo de implantação, informa a Embrapa.
Os dejetos e resíduos devem receber o destino adequado, seguindo a legislação ambiental do Brasil. As vísceras não comestíveis, pelos e sangue podem ser encaminhados para a compostagem, por exemplo. Já o lodo e os resíduos da higienização podem ser direcionados às lagoas de tratamento.
Segundo a estatal, estas soluções são as mais fáceis e econômicas, mas outras medidas podem ser tomadas dependendo do caso.
“O importante é saber que as mesmas normas devem ser seguidas para a operação de um abatedouro fixo convencional e um móvel. Por isso, é fundamental consultar o serviço oficial de inspeção, antes de iniciar o empreendimento”, orienta o técnico Idair Piccinin, da Embrapa Suínos e Aves.
SAÚDE PÚBLICA
O abate dos animais no Brasil é um problema de difícil solução para quem trabalha com produção em pequena escala, voltada a mercados locais e regionais. A produção de carne suína e seus derivados, alerta a Embrapa, pode ser comprometida pelo alto custo de construção de instalações fixas. Outro benefício ao adotar a estrutura móvel é reduzir
os abates clandestinos no país, uma vez que o consumo de carne de animais abatidos de maneira ilegal pode trazer sérios riscos à saúde.
“Embora não garanta sozinha a solução para tais problemas, seus principais benefícios estão relacionados à saúde pública, porque proporciona o fornecimento de uma carne inspecionada e de qualidade à população”, garante o pesquisador da Embrapa Suínos e Aves Elsio Figueiredo. Ele explica que, para receber o selo de inspeção, o produtor deve cumprir normas específicas.
A tecnologia contribui, portanto, para facilitar a legalização fiscal da atividade e, por consequência, proporcionar o desenvolvimento socioeconômico da região de atuação, de acordo com o especialista.
“Pequenos produtores, antes marginalizados, vão se apoderar de uma das etapas cruciais na produção animal e, posteriormente, processamento”, diz Figueiredo.
De acordo com a Embrapa, em um primeiro momento, o abatedouro pode ser licenciado para inspeção sanitária estadual (SIE) ou municipal (SIM). Já para a exportação das
carnes e derivados, é exigido o selo de inspeção federal (SIF), emitido pelo Ministério da Agricultura.
IMPACTOS ECONÔMICOS
Para chegar ao modelo do abatedouro móvel, pesquisadores gastaram dois anos de pesquisa contando com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc) e da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc).
Conforme a Embrapa, um abatedouro fixo convencional exigiria do suinocultor um investimento inicial mínimo que passa de R$ 1,2 milhão. Para atender aos municípios no modelo proposto, por exemplo, o valor ultrapassaria os R$ 6 milhões, calculando o custo de cinco abatedouros. Já o gasto inicial para um abatedouro móvel, incluindo estruturas complementares, totalizaria R$ 3,9 milhões ou R$ 785,5 mil ao dividir os custos entre as cinco localidades beneficiadas. A diferença entre os dois investimentos ultrapassaria R$ 2,2 milhões.
Outra comparação interessante é a do custo de operação. Segundo o analista Cássio Wilbert, também da Embrapa Suínos e Aves, o custo de abate de um suíno em uma instalação fixa, que opera uma vez por semana, é de pouco mais de 55 reais.
“Caso fosse utilizado um abatedouro móvel de capacidade igual ao fixo e compartilhado entre cinco empreendimentos, sua utilização quintuplicaria e, com isso, o custo de abate seria pouco superior a 25 reais por animal.”
CONSÓRCIOS
O modelo móvel ainda pode ser adaptado às características estabelecidas pelos usuários e ao sistema de inspeção a que a produção será submetido. O ideal é que o sistema atenda sempre aos grupos de usuários.
“Podem ser consórcios de produtores, cooperativas ou municípios. Trabalhamos com custos que variam de R$ 500 mil a R$ 3 milhões para arranjos de até cinco localidades, incluindo todas as estruturas complementares”, informa Gerson Pilatti, diretor da Engmaq.
Até o fechamento da edição 712/2016 da revista A Lavoura, a intenção dos fabricantes da tecnologia era inscrever o abatedouro móvel no programa “Mais Alimentos”, uma linha de crédito do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) para produtores rurais, que financia investimentos para a modernização da agricultura familiar e para início da edificação do frigorífico; e também no Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destinado a empresas de micro e pequeno portes, localizadas em qualquer região do país.
OUTROS MODELOS
De acordo com a Embrapa, o mesmo modelo de abatedouro para suínos também pode ser utilizado no abate de ruminantes (ovinos, caprinos e bovinos), quando configurado para tal trabalho. Vale destacar que produtores da Bahia já aprovaram o emprego desta tecnologia, na mesma configuração, para operação naquele Estado.
O segundo modelo de abatedouro móvel a ser viabilizado será o de aves. Até o fechamento da edição 712/2016 de A Lavoura, o desenvolvimento estava em fase final de aprovação das plantas construtivas e os pesquisadores buscavam recursos para a construção do protótipo. Posteriormente, será feita sua validação no campo, em fase experimental. Também estava sendo desenvolvida uma unidade móvel para peixes.
A pesquisa de desenvolvimento destes modelos conta com a participação de outros centros de pesquisa da Embrapa: Caprinos e Ovinos (CE), Pesca e Aquicultura (TO) e Pecuária Sul (RS).
Leia mais reportagens da edição 712/2016 da revista A Lavoura em ow.ly/CAKY30f50gp (link encurtado).
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